Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#11: Brasil

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De longe o maior país da América Latina, tanto em termos geográficos quanto em população, Brasil é também o lugar de um importante cinema nacional,  que mereceu menos reconhecimento na América do Norte e outras partes do mundo do que merecia, até o sucesso internacional de Central do Brasil  (1998), dirigido por Walter Salles, e Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles/Kátia Lund. O Brasil é o quinto país do mundo, maior que Índia e Austrália e atrás dos Estados Unidos, com a quinta maior população, de 194 milhões (em 2009). Sua população é talvez a mais racialmente mesclada no mundo, com os brasileiros pardos (multi-raciais) contabilizando mais de 42% da população; ainda que 52% dos brasileiros tenham se declarado "brancos", a maior parte deles também é geneticamente parda. A única língua oficial do Brasil é o português, do influxo dos colonos portugueses dos séculos XVI ao XX, mas no final do século XIX mais de um milhão de imigrantes italianos, um quarto de milhão de imigrantes espanhóis, e os inícios de uma onda de imigrantes alemães e outros europeus chegou ao Brasil, e na primeira metade do século XX, grande número de cristãos sírios e libaneses, assim como de japoneses, imigrou. (Brasil possui a maior população de ascendência japonesa fora do Japão, 1.5 milhão de nipo-brasileiros).


A população ameríndia era estimada entre 2 e 5 milhões quando os portugueses chegaram ao Brasil, mas como uma combinação de assimilação e extermínio declinou para menos de 700 mil, ou somente 0.4% do total, a maior parte da qual vivendo em territórios indígenas na úmida floresta tropical ao norte. No entanto, estima-se que mais de 60 milhões de brasileiros possua ao menos um ancestral ameríndio. O outro componente "pardo" é, naturalmente, africano, e mais de 3 milhões de africanos foram levados ao Brasil como escravos do século XVI até a escravidão ser abolida (muito tardiamente) em 1888. A miscigenação foi mais prevalecente no Brasil que em qualquer outro país, com apenas 13.25 milhões de brasileiros (menos de 7%) se identificados enquanto negros, no censo de 2009. O Brasil possui 7.491 km de litoral, e fronteiras ao norte com VenezuelaGuianaSuriname e o território francês da Guyane; no noroeste com a Colômbia; no oeste com a Bolívia e o Peru; no sudoeste com Argentina Paraguaie no sul com o UruguaiA maior parte do país é plana, possuindo um complexo sistema de rios, incluindo o segundo e o nono maiores do mundo, o Amazonas e o Paraná, respectivamente. O clima varia do deserto semi-árido do sertão no nordeste as florestas chuvosas equatoriais do noroeste, savanas tropicais na região central e zonas mais temperadas ao sul.


Desde que declarou sua independência, em 1822, tem lidado com uma série de ditaduras militares, instabilidade econômica e política, mas chegou a grandeza brevemente sob Juscelino Kubitschek (1956-61). Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, o país foi finalmente agraciado com um verdadeiro líder popular, que decretou programas sociais e o levou a se tornar a oitava economia do mundo antes de ser sucedido, em 2011, pela primeira presidente mulher, Dilma Roussef.



As primeiras exibições de filmes no Brasil tiveram lugar em 1896, somente seis meses após a primeira exibição dos Irmãos Lumière em Paris e, em 1897, o ítalo-brasileiro Paschoal Segreto, abriu a primeira sala de exibições no Rio de Janeiro. Em 1903 seu irmão, Affonso, passou a realizar filmes, e ocorre uma expansão na produção nos estados de São Paulo e Paraná, e filmes locais passaram a dominar as telas brasileiras. Em 1906 o primeiro filme dramático, Os Estranguladores, filme criminal baseado em arquivos policiais, foi realizado por Isaac Sanderberg e Paschoal Segreto filmou as primeiras atualidades do carnaval do Rio. Em 1907, o Brasil inaugurava a primeira usina elétrica, tornando possível um boom  nas atividades cinematográficas. De fato, o período 1908-12, tem sido chamado de bela época, a "era de ouro" do cinema brasileiro, durante o qual a produção atingiu 100 filmes por ano em 1909. O primeiro verdadeiro filme de ficção do país, Nhô Anastácio Chegou de Viagem foi dirigido por Julio Ferrez em 1908; a primeira adaptação literária foi A Cabana do Pai Tomás (1909); e o primeiro filme de múltiplos rolos foi Imigração e Comércio (1910), de João Stamato.


 Em 1909 Giuseppe Lebanca abriu o primeiro estúdio de cinema no Brasil, e a primeira operadora de câmera mulher do mundo, Rosa Cianeli filmou Uma Transformista Original, de Paulo Benedetti. Em 1910 a variedade de gêneros a serem explorados incluíam uma sátira dirigida à polícia, O Chantecler de Pinheiro Machado, e aos políticos, Paz e Amor, de Patrocínio Filho; uma paródia de ópera, O Viúvo Alegre; e o filme religioso Milagres de Nossa Senhora da Penha. Existiam vários centros de produção, incluindo o Rio (Antonio Ferrez, William Auler, Marc Ferrez e outros), São Paulo (Francisco Serrador), Curitiba (Aníbal Requião), o estado do Pará (Ramón de Baños), Belo Horizonte (Aristides Junqueira) e o estado da Bahia (Diomedes Gramacho).


 Após empresários norte-americanos serem bem vindos a explorar o mercado de exibição em 1911, os filmes estrangeiros  começaram a assumir o controle. Durante o restante dos anos do cinema silencioso, os realizadores brasileiros foram crescentemente relegados a produzirem cinejornais e documentários. Mas alguma ficção emergiu fora dessa campo - incluindo as produções do imigrante italiano Gilberto Rossi, baseadas em São Paulo, dos quais o curta Exemplo Regenerador, escrito e dirigido pelo espanhol José Medina, é o único exemplo sobrevivente. O primeiro longa-metragem sul-americano foi o brasileiro O Crime de Banhados (1913), dirigido por Francisco Santos e produzido pela Guarany Film, no estado do Rio Grande do Sul; no mesmo ano, os Irmãos Botelho, Alberto e Paulino, também realizaram um longa no Rio, O Crime de Paulo Matos, mas nenhum desses filmes sobreviveu. Em 1915 a película virgem se tornou escassa, por conta da I Guerra Mundial na Europa e a produção de cinema quase chega a um impasse, ainda que três longas tenham sido feitos. Em 1916 seis longas foram realizados, incluindo três pelo mais prolífico diretor de longas, Luís de Barros (1897-1982), que realizou mais de sessenta longas ao longo de sua extensa carreira. O cinema brasileiro  foi sustentado ao longo dos anos 20 por realizadores que trabalhavam  distantes dos centros urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo, em ciclos "regionais". Estes incluíam Silvino Santos (na Amazônia); Edson Chagas e Gentil Roiz em Recife (Pernambuco); o nascido italiano Eugenio Centenaro, que deu a si próprio o nome de E.C. Kerrigan, realizando westerns em Porto Alegre (Rio Grande do Sul); e, particularmente Humberto Mauro, trabalhando em Cataguazes (Minas Gerais). Tais realizações independentes naturalmente desviaram-se rumo à vanguarda, e um filme nesse estilo foi realizado, Limite (1930), dirigido por Mário Peixoto, com então 22 anos. Apesar de não visto à época, ganhou tal notoriedade que liderou a lista dos "30 filmes mais significantes da história do cinema brasileiro", por uma votação de críticos de cinema brasileiros, nos anos 80.


Com a chegada do som e o problema da língua para suas plateias de fala portuguesa para continuar a assistir filmes de Hollywood, o cinema brasileiro finalmente se industrializou. Em 1929, o primeiro filme sonoro brasileiro, Acabaram-se os Otários, dirigido por Lulu de Barros, foi uma comédia sobre um homem ingênuo que compra um bonde. Em 1930 Adhemar Gonzaga fundou os Estúdios Cinédia no Rio, e um novo gênero, bastante brasileiro, dominou sua produção, a chanchada, derivada das revistas musicais hollywoodianas e musicais de bastidores misturado com o teatro cômico brasileiro e o carnaval. Em 1932 o primeiro congresso nacional de cinema foi realizado no Rio, e a primeira associação de produtores de cinema fundada, enquanto o apoio do estado ao cinema nacional se iniciou com uma lei de quota, que demandava a exibição de um curta ou cinejornal brasileiros antes de qualquer curta exibido. Em 1934, a primeira lei de censura foi aprovada e, em 1936, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), no qual Humberto Mauro realizaria 220 filmes curtos, "educacionais", nos próximos 33 anos,   foi fundado.


Carmen Miranda se tornou uma estrela das revistas musicais da Cinédia tais como Alô, Alô Carnaval (1936), sendo seu último filme no Brasil Banana da Terra (1939). Sua "deserção" para Hollywood precipitou uma onda de filmes com temática brasileira (e outros pan-latino-americanos) como parte de uma política da Boa Vizinhança, que nada fez para promover os filmes latino-americanos nos Estados Unidos. Sua mais notável façanha foi a docu-ficção não concluída de Orson Welles It's All True (1941-1942). A produção de filmes sonoros nunca foi além de oito longas por ano ao longo dos anos 30 e, em 1939, com apenas dez longas brasileiros realizados nos últimos quatro anos o governo aumentou o seu sistema de quotas, demandando que ao menos um filme brasileiro fosse exibido por ano em cada cinema.



Durante a Segunda Guerra Mundial, a disponibilidade de filme virgem se tornou grandemente limitada, e a produção cinematográfica praticamente cessou, mas em 1943 Moacyr Fenelon fundou os Estúdios Atlântida no Rio, e a produção de longas-metragem brasileiros finalmente decolou. Aqui a forma da chanchada foi aperfeiçoada, sendo a paródia cada vez mais incorporada, parcialmente na compreensão de que os filmes brasileiros jamais poderiam se igualar ao brilhantismo técnico de Hollywood. Na Atlântida, as carreiras da grande dupla de cômicos, Oscarito e Grande Otelo, desenvolveu-se, por exemplo, em Carnaval Atlântida (1952), dirigido por José Carlos Burle, no qual um produtor de cinema chamado Cecílio B. de Milho está tentando realizar um filme sobre Helena de Tróia, à moda épica hollywoodiana. Oscarito interpreta um velho professor de letras clássicas, Xenofontes, que está ajudando os realizadores, enquanto Grande Otelo é o malandro carioca (um típico maroto do Rio) que ajuda a convencer os produtores a fazer algo menos sério,  mais popular, e talvez mesmo completamente infiel ao original (sou grato pela discussão de Ana López de Carnaval Atlântida, assim como de outros importantes filmes que não consegui ver, tais como O Canto do Mar, no livro que co-editei com Thomas Barnard [1996, p. 112-4; 116-8]. Também me refiro aos meus próprios capítulos nesse livro ao longo desse dicionário).

Em 1946 a cota nas telas havia subido para três filmes por ano, e a produção local sonora atingira um novo pico de 11 longas, incluindo o maior sucesso da Cinédia, O Ébrio. A popularidade dos cineclubes e dos críticos de cinema estava em ascensão, e a produção anual de filmes de longa-metragem teve seu nível mais alto em 1949, 18. O próximo, e mais ambicioso esforço de estúdio brasileiro, Vera Cruz, foi fundado, em 1949, em São Paulo. Essa companhia foi formada para trabalhar diretamente contra a percebida vulgaridade da chanchada, na tentativa de produzir filmes que poderiam competir em todos os níveis com as produções estrangeiras. Infelizmente os realizadores da Vera Cruz negligenciaram levar em conta os gostos das plateias brasileiras, proporcionando-os com sofisticados filmes de inflexão europeia, e a companhia sucumbiu em 1954, após realizar somente 18 longas. Seu maior sucesso foi o bastante brasileiro O Cangaceiro (1953, Lima Barreto), que quebrou os recordes de bilheteria locais, ganhou dois prêmios em Cannes em 1954, e foi distribuído para 22 países. Alberto Cavalcanti, o realizador brasileiro mais bem sucedido, antes de 1960, havia sido contratado pela Vera Cruz como seu chefe de produção, mas abandonou o projeto antes de sua concordata (pode ter sido demitido). Realizou mais dois filmes para outras companhias, um dos quais, O Canto do Mar (1953), em seu realismo prenunciando o maior período da história do cinema brasileiro, o Cinema Novo, dos anos 60.


 De 1950 até a eleição de Juscelino Kubitschek como presidente, em 1956, uma média de 26 filmes foram realizados a cada ano no Brasil. Esses anos observam o aparecimento de uma série de novas revistas de cinema, incluindo o Jornal de Cinema (1951), Cinelândia (1952) e a Revista de Cinema, uma indicação do crescente interesse na cultura cinematográfica. Em 1956, a Filmoteca de São Paulo torna-se Cinemateca Brasileira, e em 1957 a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio é inaugurada. 36 filmes longos brasileiros foram produzidos em 1957 e 41 em 1958, um novo recorde. O mais significativo diretor do período que conduziu ao Cinema Novo foi Nelson Pereira dos Santos, que foi chamado de "pai", "consciência" e mesmo o "papa" do movimento. Em 1954, com a realização de Rio 40 Graus, dos Santos conduziu o gênero de filmagem de baixo custo e independente que se tornaria característica do novo cinema brasileiro. No ano anterior, já havia trabalhado como assistente de Alex Viany em Agulha no Palheiro, o primeiro longa brasileiro a adotar os princípios do Neorrealismo, tais como filmagens em locações; uso de atores não profissionais e lidando com temas contemporâneos e populares de uma maneira simples, direta e não dramática. Dos Santos se opunha radicalmente ao modelo de estilo hollywoodiano, imitado por modelos anteriores da indústria brasileira e considerou sua adoção dos princípios neorrealistas como um ato "político". E seu foco nos pobres afro-brasileiros e sua interação com outras camadas da sociedade nos reinos do futebol e do carnaval - duas atividades culturais que são das mais relevantes para as vidas da maioria pobre dos brasileiros - Rio 40 Graus lançou as bases para um movimento cinematográfico que falaria a verdade sobre as condições miseráveis dos que vivem à margem, enquanto defendiam a riqueza de sua cultura.



Randall Johnson e Robert Stam, os dois principais historiadores do cinema brasileiro de língua inglesa, dividem o Cinema Novo em três fases, a primeira indo de "1960 a 1964, a data do primeiro golpe de estado; de 1964 a 1968, a data do segundo, o golpe-dentro-do-golpe; e de 1968 a 1972." (ver "The Shape of Brazilian Film History", editado por Johnson e Stam [1982, p. 30-32]). A primeira fase foi caracterizada pela oposição ao cinema comercial em todas as suas formas, nas quais a filmagem era concebida como política e contra o neocolonialismo. Os filmes não fugiam de descrever as duras realidades da vida, mas, no entanto, mantendo certa perspectiva otimista, talvez como reflexo da juventude dos predominantemente jovens realizadores. Um deles foi Gláuber Rocha, que hoje é geralmente considerado como o maior de todos os realizadores brasileiros. Seu primeiro longa foi Barravento, uma história de uma comunidade pesqueira baiana (majoritariamente afro-brasileira), que conquista uma síntese dialética entre alienação religiosa e progresso e entre métodos de pesca presentes e passados. Em sua estranha combinação de elementos realistas, incluindo filmagens em locação e o emprego de atores não profissionais, com montagens eisenstenianas e delirantes movimentos de câmera, Barravento antecipa o segundo longa de Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), e marca a originalidade de sua obra. O filme é ambientado no sertão, a lendária e inóspita região atingida pela seca do nordeste do Brasil, aonde a chuva geralmente chega sob forma de enxurradas. Os principais personagens são camponeses sertanejos itinerantes, que interagem com fervorosos seguidores religiosos (beatos) do místico negro Sebastião e vários bandidos, principalmente bons cangaceiros se tornando maus, e que por fim serão poupados pelo "matador de cangaçeiros" contratado, Antônio das Mortes. Outros filmes-chaves dessa primeira fase são o primeiro longa de Ruy GuerraOs Cafajestes (1962); seu segundo, o dialético e anti-militarista Os Fuzis (1964) que desmistifica o misticismo e no qual os personagens de um jovem soldado, Mário e um motorista de caminhão, Gaúcho, são politizados ao longo da duração do filme; Ganga Zumba (1963), de Carlos Diegues, sobre uma revolta de escravos; e Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, uma exibição predominantemente realista e definitiva da luta de uma família para viver no sertão.



A partir de meados dos anos 60, a democracia foi crescentemente minada no Brasil pelo autoritarismo da ditadura militar e o investimento de capitais estrangeiros, especialmente norte-americano, foi incentivado. Nas palavras de Johnson e Stam: "Muitos realizadores, não surpreendentemente, cutucaram as ruínas ardentes do populismo democrático. Se os filmes da primeira fase foram otimistas, aqueles da segunda são angustiados gritos de perplexidade; são análises do fracasso - do populismo, do desenvolvimentismo, e dos intelectuais de esquerda" (1982, p. 35). Apesar de tudo, a esquerda permaneceu forte, e muitos filmes intensificaram o esforço político da esquerda, enquanto a cidade recuperava sua proeminência como cenário. Filmes-chaves incluem São Paulo S/A (1965), de Luís Sérgio Person, A Grande Cidade (1966), de Carlos Diegues e Terra em Transe (1967), de Rocha. Terra em Transe pode ser considerado como uma alegoria do recente passado do Brasil, em particular, e da América Latina no geral. Também pode ser observado como uma exploração do papel do artista na sociedade brasileira contemporânea. Nesses termos, Terra em Transe se encaixa perfeitamente na declaração de Johnson e Stam que os filmes da segunda fase "tendem a auto-referencialidade e o anti-ilusionismo" (1982, p.36). Durante os anos 60, na esteira das oportunidades declinantes de exibirem seus filmes, os praticantes do Cinema Novo fundaram sua própria companhia de distribuição, juntamente com o produtor comercial Luiz Carlos Barreto. Também tentaram realizar filmes mais comerciais, e com Macunaíma (dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, 1969) o movimento conquista seu primeiro duplo sucesso, de bilheterias e com os críticos. Baseado em uma importante "rapsódia modernista/romance" de mesmo título, escrita em 1926 por Mário de Andrade (sem relação com Joaquim), Macunaíma, o filme, é também uma obra-chave da terceira e final fase "canibal-tropicalista" do Cinema Novo.



Após o segundo golpe, em 1968, o regime repressor introduziu à censura, sendo os realizadores forçados a se aproximar indiretamente de suas abordagens, fazendo uso de ironia e da alegoria. Joaquim Pedro de Andrade seguiu esses parâmetros, mas a paródia foi sua estratégia central; ele alegava que "Macunaíma é a história de um brasileiro devorado pelo Brasil." Outros filmes-chaves dessas terceira fase incluem Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), de Nélson Pereira dos Santos, uma espécie de sátira de filme antropológico feito sob a perspectiva de ameríndios canibais em seu encontro com os colonizadores europeus, e obras extremamente alegóricas de Guerra, Os Deuses e os Mortos (1970) e Rocha, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (cujo título em inglês foi Antônio das Mortes, 1969).



O clima depressivo do período foi capturado por um grupo de diretores jovens e disruptivos que realizaram filmes ultra-baratos, deliberadamente "ruins", niilísticos, virtualmente filmes de anti-cinema udigrudi (underground), em maior parte simultâneos aos da terceira fase do Cinema Novo, tais como O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968), Matou a Família e Foi ao Cinema (Júlio Bressane, 1969) e Bang Bang (Andrea Tonacci, 1971), sugerindo um contra-cinema agressivo, já a partir de seus próprios títulos. Os realizadores do que posteriormente seria conhecido como Cinema Marginal, rejeitavam o que chamavam de Cinema Novo Rico, e argumentavam pela substituição da "estética da fome" de Rocha por uma "estética do lixo". À época, a maior parte desses filmes (anti-intelectuais) foram intensamente antipatizados pelos (em sua maioria) mais bem educados críticos e realizadores do Cinema Novo. Outro realizador, em última análise, mais comercial, José Mojica Marins, também foi associado com o údigrude, mesmo que sua carreira tenha começado muito antes.

 Ironicamente, sobre um dos regimes mais repressivos da história brasileira, quando os mais ricos empreendedores tiveram as rédeas soltas, o estado passou a se envolver com a produção, distribuição e exibição em tal nível, que os anos 70 se tornou o período mais bem sucedido na história do cinema do país, ao menos comercialmente. Após anos de debate e confronto entre diversos grupos de interesses dentro dos setores de realização, distribuição e exibição brasileiros, em 1966 o Instituto Nacional de Cinema (INC) foi finalmente criado, pela ditadura militar e, em 1967, iniciaram-se os subsídios às produções. Em 1969, outra agência estatal, a Embrafilme, foi formada, inicialmente para promover os filmes brasileiros no exterior; em 1975 ela absorveria todas as funções do INC e estava impondo um sistema de quotas, assim como subsidiando a produção local. (Para uma exposição detalhada da indústria cinematográfica brasileira do período ver "O Instituto Nacional de Cinema, 1966-1975", "Embrafilme, CONCINE, e uma nova direção nas políticas estatais" e "Movendo-se em direção à crise" [Johnson, 1987, pp. 104-85.]

 De 1966 a 1971, a produção anual de filmes brasileiros  aumentou de 28 para 94, atingindo o pico de 102, em 1980, até recentemente o maior número de longas-metragens jamais produzido no país em um único ano. A cota das telas, que havia crescido para 42 dias por sala em 1962, foi crescendo provisoriamente para 63 dias por ano por sala em 1969 e se configurou em 140 dias por ano em 1980. Infelizmente tais estatísticas não se refletiram em qualidade. Ainda que diretores tais como Gláuber Rocha, Ruy Guerra e Carlos Diegues, tenham sido efetivamente forçados a se exilar durante os anos mais repressivos de 1971-1972, retornaram ao seu país natal nos anos do boom, e ainda que alguns filmes de alta qualidade tenham sido feitos, um novo gênero, a pornochanchada, crescentemente dominou a indústria. Empréstimos a juros baixos ajudaram a popularizar um novo tipo de comédia erótica, com A Viúva Virgem (Pedro Róvai), A Infidelidade ao Alcance de Todos (Aníbal Massaíni Neto e Olivier Perroy) e Os Mansos (co-dirigido por Róvai), todos recebedores de empréstimos em 1972, e são geralmente consideradas como as primeiras pornochanchadas. Perturbadoramente, em 1981 mais de 70% de toda a produção de longas-metragens brasileiros foi pornográfica - menos "erótica" e "cômica" que antes - e somente um, de todos os oitenta filmes realizados não foi pornográfico nem produzido pela Embrafilme. Soma-se a isso, vinte das trinta maiores bilheterias de 1988 foi "pornográfica", talvez o ápice da produção de cinema comercial brasileiro.


Em uma perspectiva mais positiva, muitos bons filmes foram realizados nos anos 70 e idos de 80, incluindo o olhar seminal e crítico do mundo das crianças de rua de Pixote (1980), do argentino naturalizado brasileiro Héctor Babenco; a adaptação erótica de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Jorge Amado, do então jovem de 23 anos Bruno Barreto, que quebrou todos os recordes de bilheteria e apresentou ao mundo Sônia Braga; e três importantes primeiros filmes dirigidos por mulheres: Mar de Rosas (1977, Ana Carolina), Gaijin (1980), da nipo-brasileira Tisuka Yamasaki e o tardio início da educada na New York University,  Susana Amaral, com A Hora da Estrela (1985). Também no final dos anos 80 o Brasil vivenciou uma produção criativa disseminada de curtas-metragens, e com o advento do equipamentos relativamente baratos do vídeo, obras significativas foram realizadas por grupos indígenas, que previamente não tinham tido acesso a qualquer tipo de produção audiovisual.



Em 1989, ano em que o país vivenciava a eleição mais democrática em mais de um século, a produção de cinema do país caiu para 25 longas; em abril de 1990, mesmo dia em que o novo governo do presidente Fernando Collor de Mello congelou uma percentagem das contas bancárias para combater a hiper-inflação, o Ministério da Cultura foi fechado, e a Embrafilme dissolvida. A indústria cinematográfica brasileira virtualmente colapsou da noite para o dia. Em 1991, somente nove longas brasileiros foram lançados, e em 1992 seis apareceram nos cinemas locais, sendo que apenas dois foram lançados comercialmente. Collor de Mello, que iniciara um programa de privatizações, sofreu um impeachment por corrupção em 1992 e foi sucedido por Itamar Franco. Em 1993, em meio a crises financeiras e políticas continuadas, o novo ministro da cultura de Franco criou o Prêmio  Resgate do Cinema Brasileiro, que realocou os ativos da Embrafilme e prometeu 25 milhões ao cinema nacional. A introdução do Prêmio de Resgate foi seguida pela Lei n.8685, a Lei do Audiovisual. Em três seleções constituídas em 1993 e 1994, o Prêmio Resgate selecionou 90 projetos, incluindo 56 longas e, em 1994, 10 longas com produções locais foram realizadas. Essa notável recuperação passou a ser conhecida como "Retomada do Cinema Brasileiro".



Em 1998 a produção de longas brasileiros havia crescido aos 40 títulos; subvenções anuais haviam ultrapassado os 75 milhões; O Que é Isso, Companheiro? foi indicado ao Oscar de língua estrangeira (dois anos depois, O Quatrilho, de Fábio Barreto, também seria indicado); e Central do Brasil, de Salles, ganhou o prêmio principal, o Urso de Ouro, no Festival Internacional de Berlim (sendo também indicado ao Oscar, em 1999). Entre 1994 e 2000, não menos que 55 novos realizadores fizeram seus primeiros (e, em alguns casos, segundos) longas, incluindo Carla Camurati, Carlota Joaquina - Princesa do Brasil; Tata Amaral, Um Céu de Estrelas (1996) e Através da Janela (2000); Lírio Ferreira, Baile Perfumado (1997, co-dirigido); Sandra Werneck, Pequeno Dicionário Amoroso (1997); Beto Brant, Os Matadores (1997) e Ação Entre Amigos (1998); Lúcia Murat, Doces Poderes (1997) e Brava Gente Brasileira (2000); Mara Mourão, Alõ?! (1998); Wolney Oliveira, Milagre em Juazeiro (1999); Andrucha Waddington, Gêmeas (1999) e Eu, Tu, Eles (2000). Todos esses filmes foram premiados!

A retomada continuou no novo milênio, particularmente com o interesse do público local pelos filmes brasileiros. Enquanto somente 3% do total de ingressos vendidos foi para filmes brasileiros em 1995, esse número se aproximou dos 10% agora. Mais de 4.6 milhões de pessoas viram Carandiru, de Babenco, em 2003, 5.2 milhões assistiram Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira, em 2005, e Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro, tornou-se o maior sucesso de bilheterias brasileiro em 2010, superando até mesmo Avatar (EUA, 2009), de James Cameron. Mais de oitenta longas brasileiros foram produzidos tanto  em 2008 quanto em 2009, e quase 100 foram realizados em 2011. Houve uma ligeira queda em 2012, mais um dos maiores sucessos de crítica apareceu, O Som ao Redor, de um diretor estreante. (Ver também ANIMAÇÃO; BASTOS, Othon; BEATTO, Affonso; BENGELL, Norma; BIANCHI, Sérgio; BODANZKY, Jorge; BUARQUE, Chico; BYE BYE BRASIL; CARELLI, Vincent; CHRISTENSEN, Carlos Hugo; CONSELHO NACIONAL DE CINEMA; COUTINHO, Eduardo; DEL REY, Geraldo; DO VALLE, Maurício; ESCOREL, Eduardo; CINEMA ETNOGRÁFICO; CINEMA EXPERIMENTAL; FARKAS, Thomas; FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO; FOWLE, Henry E. "Chick"; GANGA BRUTA; HIRSZMAN, Leon; JABOR, Arnaldo; O BEIJO DA MULHER ARANHA; LARA, Odete; LIMA JR., Walter; MADAME SATÃ; MANGA, Carlos; MAZZAROPI, Amácio; MEDINA, José; MONTENEGRO, Fernanda; MOTTA, Zezé; OMAR, Arthur; O PAGADOR DE PROMESSAS; RAONI; SALLES GOMES, Paulo Emílio; SANTOS, Carmen; SARNO, Geraldo; SENNA, Orlando; SOARES, Jofre; SOLBERG, Helena; XUXA.

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