Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#38: Paraguai



Paraguai.  Dos nove países de língua hispânica da América do Sul, o Paraguai possui a mais fraca tradição cinematográfica e ainda que uns poucos filmes de longa-metragem tenham sido realizados no país por cidadãos estrangeiros no final dos anos 50 e primórdios dos 60, não seria antes de Cerro Cora, de 1978 que um filme seria tido como "primeiro filme paraguaio". Outra indicação dessa situação pode ser encontrada na página da Wikipedia "Cinema do Paraguai", onde existem mais filmes listados sob as categorias "Lista de produções filmadas no Paraguai" e "...sobre o Paraguai" que os 18 incluídos na "Lista de Filmes Paraguaios". Ainda uma outra indicação é que as pesquisas de Cinema Mundial publicadas no International Film Guide por mais de 45 anos, o Paraguai somente foi incluído duas vezes (em 2006 e 2008), enquanto tanto Brasil quanto Argentina tem tido inclusões perenes.

O Paraguai é um país sem litoral, de aproximadamente seis milhões de pessoas, fazendo fronteira com a Argentina ao sul, o Brasil a oeste e a Bolívia ao nordeste. Possui duas línguas oficiais, o espanhol e o guarani, e a maior parte de sua população é mestiça. Logo após sua independência, em 1811, o país foi envolvido na Guerra da Triplíce Aliança, contra Argentina, Brasil e Uruguai, entre 1864 e 1870, um conflito que dizimou a população paraguaia: estimativas avaliam que de 60 a 90% da população foi morta pela guerra ou por doenças. Mais de 30% de seu território também foi cedido ao Brasil e a Argentina. Em 1932 o Paraguai foi envolvido em outra guerra fronteiriça, com a Bolívia, a Guerra do Chaco, que venceu em 1935. Então por 45 anos, de 1954 a 1989, o país foi governado  pelo ditador direitista Alfredo Stroessner, e mesmo depois de sua derrubada por um benevolente golpe militar, seu partido conservador, o Colorado, continuou a governar até 2008, quando o esquerdista Fernando Lugo, um ex-bispo da Igreja Católica, venceu uma eleição histórica.

A primeira exibição cinematográfica teve lugar no Paraguai em 1900, e os prímeiros filmes de rolo único ("cenas da realidade") foram realizados no país pouco após por argentinos como Ernest Gunche e Eduardo Martínez de la Pera. Mas há poucas evidências de que qualquer filme tenha sido realizados por paraguaios até 1925, quando Hipólito Jorge Carrón e seu sobrinho, Agóstin Carrón Quell, começaram a realizar documentários, incluindo um sobre uma peregrinação religiosa a Caacupé, outro sobre os estragos provocados pelo ciclone na cidade de Encarnación, em 1926, um sobre os funerais do presidente assassinado Eligio Ayala, em 1930, e muitos que apresentavam locais de interesse e desfiles patrióticos. Carrón Quell filmou cenas da Guerra do Chaco e realizou os primeiros cinejornais e filmes científicos paraguaios. Um cinegrafista argentino, Roque Funes, filmou a primeira batalha da Guerra do Chaco em Fort Boqueró, em solo paraguaio, próximo da fronteira, e no seu regresso a Buenos Aires, montou um longa-metragem documentário silencioso, En El Infierno del Chaco (1932), que miraculosamente sobreviveu. Um médico, Juan Max Boettner, também realizou documentários no Paraguai, de 1939 até 1952, incluindo as filmagens de uma operação em 1947, enquanto um filme realizado pelo nascido na Alemanha, James Braun, co-produzido com a Argentina, Paraguay, Tierra de Promisión (1937) foi chamado de "longa metragem".

Uma das razões dadas por historiadores de cinema tais como John King e Rubén Bareiro-Saguier para a ausência de produção cinematográfica no Paraguai é que a ditadura autoritária de Stroessner suprimiu os interesses nacionais em favor dos econômicos estrangeiros. De fato, o único período em que uma série de longas-metragens foi realizado no Paraguai, antes do novo milênio, foi no final dos anos 50 e primórdios de 60, quando realizadores argentinos podiam encontrar película barata e locações exóticas no Paraguai. O destaque dentre esses foi Armando Bo. que iniciou uma série de filmes eróticos com sua esposa Isabel Sarli, a "atriz mais higiênica do cinema" - chamada assim por conta de sempre se encontrar a ponto de tomar banho nua - em 1957 com El Trueno entre las Hojas (baseado em um conto do mais celebrado autor paraguaio, Augusto Roa Bastos) e também a dirigiu na co-produção argentino-paraguaia, La Burrerrita de Ypacaraí, em 1961.

A partir de 1964 houve um movimento documental independente de curta duração, que culminou em El Pueblo, de Carlos Saguier, um documentário de 40 minutos, contrapondo imagens em preto&branco e a cores na sua descrição dos rituais monótonos da vida cotidiana de uma pequena e remota vila paraguaia assolada pela pobreza. O crítico de cinema peruano Isaac León Frias exclamou em Hablemos de Cine 63 (1972) que, com o filme de Saguier, "o cinema paraguaio existe". Através de várias formas de censura, e em um caso a demissão de José Miguel Muñarriz, o chefe de um departamento universitário responsável pela produção de uma série de videoteipes sobre escritores paraguaios, o movimento documental independente desapareceu em 1974.

Ao final da década o governo patrocinou uma série de filmes de propaganda, mais notavelmente o primeiro longa paraguaio em cores, Cerro Cora, escrito por Ladislao González e dirigido por Guillermo Vera, que recontava a história de Francisco Solano López, o herói militar da guerra contra a Tríplice Aliança. Pretendendo instilar claramente sentimentos nacionalistas nas plateias locais, Cerro Cora foi completamente financiado (quase 400 mil dólares) por agencias governamentais e também empregou atores profissionais do teatro, incluindo Roberto de Felice e Marshall López e mais de 8 mil extras para as cenas de batalhas. Antes do lançamento do filme, um texto dos realizadores preconizava o seguidor de Alfredo Stroessner a reconstrução.

Nos anos 80 uma série de filmes de longa-metragem filmados no Paraguai, incluindo parte do filme britânico The Mission [A Missão] (1986), vencedor da Palma de Ouro em Cannes, dirigido por Roland Joffé e estrelado por Jerome Irons, como um pastor jesuíta que tenta converter uma comunidade guarani à Cristandade. Porém não foi senão a partir de 1990, após a queda de Stroessner, quando a Fundación Cinemateca del Paraguay e o Festival Internacional de Cinema de Assunção foram criados, que uma verdadeira cultura cinematográfica iniciou no Paraguai. Central para isso foi a obra de Hugo Gamarra Etcheverry, o diretor do festival, presidente da cinemateca, e um realizador, que havia sido treinado nos Estados Unidos. A cinemateca iniciou sua nova programação, com filmes cubanos e longas argentinos que haviam sido banidos por anos, e a edição de 1990 do festival de cinema focou nos roteiros de Roa Bastos. O festival gradualmente cresceu; 11 mil pessoas assistiram-no em 1993. Dentre os visitantes estava o diretor de cinema chileno Luis R. Vera, que ficou tão cativado que retornou ao Paraguai para realizar Miss Amerigua (1994), em co-produção com o Chile e Suécia, o primeiro longa paraguaio realizado na era pós-Stroessner.

Em 1998, dois longas-metragens foram realizados no Paraguai, El Toque de Oboe, de Claudio MacDowell,  uma co-produção com o Brasil e o documentário de Gamara Etcheverry sobre Roa Bastos, El Portón de los Sueños. Em 2002, a diretora estreante Galia Giménez completou dois longas digitais, Requiem por un Soldado, olhando para o passado da guerra contra a Bolívia, e María Escobar, sobre uma jovem que emigra do campo para Assunção. Um terceiro longa de ficção paraguaio foi dirigido em 2002 por Enrique Collar, Miramenometokei, uma expressão hispano-guarani para "espinhos da alma", e em 2003 Estudio para una Siestia Paraguaya foi dirigido pela argentina Lía Dansker.

A primeira década do milênio foi boa para as realizadoras paraguais. Galia Giménez realizou seu terceiro longa, El Invierno de Gunter, baseado no romance de Juan Manuel Marcos, que é um dos primeiros filmes a olhar para o regime do general Stroessner com desdém. Mais destacadamente, Maria Paz Encina realizou Hamaca Paraguya, um longa experimental que ganhou o prêmio FIPRESCI em Cannes em 2006. Também foi um sucesso comercial doméstico, com 50 mil ingressos vendidos. Uma série de documentários de longa-metragem tem sido feitos recentemente no Paraguai, incluindo Tierra Roja, sobre a vida cotidiana de famílias indígenas, dirigido por Ramiro Gómez. Ele venceu o Prêmio de Melhor Documentário no Festival de Mar del Plata, em 2007. Filmes continuam a ser realizados no Paraguai por argentinos, notoriamente Las Acacias, dirigido por Pablo Giorgelli, um "road movie" que escaneia os 1500 quilômetros da estrada entre Assunção e Buenos Aires. Este filme ganhou o prestigiado Camera d'Or, para primeiro filme em Cannes, em 2011. Leon Frías pode ter sido prematuro em declarar a chegada do cinema paraguaio em 1972, mas isso é certamente verdade agora.

Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield , pp. 442-5.

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