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Mostrando postagens com o rótulo Fernando Pessoa
Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior. (Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego )

Soneto Já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de dizer aos meus amigos aí de Londres, embora não o sintas, que tu escondes a grande dor da minha morte. Irás de Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes... que eu nada que tu digas acredito), contar àquele pobre rapazito que me deu tantas horas tão felizes, Embora não o saibas, que morri... mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar, nada se importará... Depois vai dar a notícia a essa estranha Cecily que acreditava que eu seria grande... Raios partam a vida e quem lá ande! (como Álvaro de Campos)

Ah, um Soneto

Meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar e que a vai relembrando pouco a pouco em casa a passear, a passear ... No movimento (eu mesmo me desloco nesta cadeira, só de o imaginar) o mar abandonado fica em foco nos músculos cansados de parar. Há saudades nas pernas e nos braços. Há saudades no cérebro por fora. Há grandes raivas feitas de cansaços. Mas — esta é boa! — era do coração que eu falava... e onde diabo estou eu agora com almirante em vez de sensação? ... (como Álvaro de Campos)

Na Casa Defronte

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, Que felicidade há sempre! Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi. São felizes, porque não sou eu. As crianças, que brincam às sacadas altas, Vivem entre vasos de flores, Sem dúvida, eternamente. As vozes, que sobem do interior do doméstico, Cantam sempre, sem dúvida. Sim, devem cantar. Quando há festa cá fora, há festa lá dentro. Assim tem que ser onde tudo se ajusta — O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza. Que grande felicidade não ser eu! Mas os outros não sentirão assim também? Quais outros? Não há outros. O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada, Ou, quando se abre, É para as crianças brincarem na varanda de grades, Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram. Os outros nunca sentem. Quem sente somos nós, Sim, todos nós, Até eu, que neste momento já não estou sentindo
 Master, serene are  All the hours  That we lose,  If we lose them,  We place flowers Like in a jar.  ---  In our life,  There are no sorrows  Nor are there joys  So let us learn,  Incautiously wise,  Not to live life.  ----  But to flow down it  Tranquilly, serenely  Let our children Be our teachers  And our eyes be  Full of Nature.  -----  By the river bank,  By the road side,  Happening to be right,  Always the same,  A gentle rest  Being living life.  ....  Time passes  It tells us nothing  We grow old  Let’s learn., almost  Maliciously,  To feel ourselves going.  ---  It is not worth while  To make a gesture.  There is no resistance To the cruel god  Who devours always His own sons.  --- Let us pick flowers,  Let us dip gently  Our hands  Into calm rivers  For learning  Also to be calm.  ---  Sunflowers ever  Stare at the sun, Let us go from life  Tranquilly, with No remorse  Of having lived. As Ricardo Reis  December 6, 1914