Dicionário Histórico do Cinema Sul-Americano#6: "Pixote, a Lei do Mais Fraco"

Pixote (1981)

Pixote, a Lei do Mais Fraco (Brasil, 1980)

Talvez o mais honesto filme de ficção sobre crianças de rua, e um dos mais bem sucedidos, assim como assustadoramente profético do futuro urbano do Brasil, Pixote, a Lei do Mais Fraco quase que certamente não poderia ser feito hoje, por conta de repetidamente situar uma criança de 11 anos de idade em situações de violência gráfica, sexuais e cenas de consumo de drogas. O diretor do filme, Héctor Babenco, desejava realizar um documentário sobre um reformatório, mas teve o acesso proibido ao mesmo. Após ler o romance A Infância dos Mortos, de José Louzeiro, escolheu realizar um filme ficcional extremamente realista, com verdadeiras crianças de rua como atores. Babenco levou cerca de um ano entrevistando mais de mil crianças das favelas de São Paulo e recrutou 27 delas para Pixote (gíria brasileira para criança pequena), que foi o título simplificado do filme para lançamento internacional.

Pixote inicia com uma sequencia documental (ainda que nem todas as versões lançadas a incluam). O diretor, Babenco, situado em um telhado de São Paulo, dirige-se à câmera e cita estatísticas sobre o envolvimento de crianças na criminalidade, enquanto as filmagens documentais revelam as favelas da cidade. Ele também nos introduz ao seu ator-mirim, da Silva, apresentado diante de sua casa, um barraco, com sua mãe. A narrativa se inicia com crianças e adolescentes, a maioria do sexo masculino, sendo abordados e levados à prisão, sem necessariamente qualquer razão válida. Então, mais da primeira metade do filme transcorre em um reformatório, onde somos testemunhas de atos brutais, incluindo o estupro coletivo de um adolescente negro, frequentemente observados através dos olhos de Pixote. Até mesmo uma partida de futebol no pátio é apresentada de forma incomumente rude em relação ao "belo jogo" brasileiro. Tudo é decididamente desprazeiroso, e os funcionários adultos do reformatório são os principais perpetradores da violência.

O único escape encontrado por Pixote e seus amigos é fumar maconha e cheirar cola. Pixote e seus três amigos, Chico, Dito e Lilica, um homossexual, escapam do reformatório e embarcam em um trem de carga no Rio de Janeiro para traficarem cocaína. Eles são enganados por uma garota de programa loura, e Pixote a esfaqueia após ela assassinar Chico. Então, o personagem mais memorável (após Pixote), Sueli (Marília Pêra), uma veterana prostituta, adentra o filme e trabalha em conjunto com Lilica, Dito e Pixote para roubar seus clientes com arma. Lilica cai fora, provavelmente enciumado das afeições de Dito por Sueli,e Pixote acidentalmente acerta em Dito, depois matando seu "John" americano. Os três formam uma pequena família afeiçoada e agora, deixados a sua própria sorte, Sueli mima Pixote. Em posição fetal, ele mama em seus peitos, oferecidos por ela mas, por fim, rejeita o contato sexual, percebendo que ainda é uma criança. Ironicamente, ele possui de longe mais experiência com a vida e com a morte - tendo morto ao menos dois homens, e provavelmente uma mulher - que a maior parte das pessoas de sua idade.

Após uma estreia estaduniense em Nova York, em maio de 1981, na série New Directors, New Films, o filme foi extremamente bem recebido pelos críticos norte-americanos, assim como pelo público. Três dos principais críticos do país adoraram Pixote. Roger Ebert (Chicago Sun Times) - "olhar áspero e sem pestanejar sobre vidas que nenhum ser humano deveria lidar"; Pauline Kael (The New Yorker) - "restaura sua emoção com os prazeres confusos que os filmes podem proporcionar"; e Vincent Canby (The New York Times) - "muito bem realizado, descompromissadamente sombrio". Ainda que Marília Pêra somente apareça nos últimos 40 minutos de um filme de mais de duas horas, recebeu o prêmio de melhor atriz da U.S. National Socitey of Film Critics. Ao redor do mundo, Pixote foi exibido em ao menos vinte países e visto  por mais de 2 milhões e meio de pessoas. Sua reputação tem crescido, ainda que não necessariamente pelas razões certas.

Tem havido alguma crítica ao filme não apresentar como as crianças são levadas ao crime. Tragicamente, Fernando Ramos da Silva foi baleado e morto pela polícia aos 19 anos. Tem-se indagado se ele estaria condenado ou não já desde o início de sua vida, a sexta de dez crianças da (sic) favela  de Diadema, mas ele não havia se envolvido em nenhuma atividade criminal quando foi realizado o teste para o filme, sendo membro de um grupo teatral. Após Pixote, da Silva promoveu cartões de natal da UNICEF na televisão brasileira e conseguiu assegurar uns pequenos papéis de intepretação, tornando-se crescentemente obecado por seu papel principal, talvez levando a sua ruína.

Em 1996, uma impressionante sequencia ficcionalizada, Quem Matou Pixote?, dirigido por José Joffily, investigou a morte de Fernando e concluiu pela condenação da polícia, ainda que o filme também tenha implicado o filme original ao trazer fama e falsas esperanças a sua estrela-mirim. Em 2005, um documentário brasileiro, Pixote, In Memoriam, dirigido por Felipe Briso e Gilberto Topczewski, continuou a busca por respostas, entrevistando Babenco e personalidades como Nick Cave e Spike Lee (Pixote sendo seu filme favorito), a influência do filme original sendo explorada em profundidade.

RIST, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 456-7.

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