Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#7: Ganga Bruta

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Ganga Bruta (Brasil, 1933)

Descrito como "um marco na história do cinema brasileiro", pelo historiador francês Georges Sadoul, em seu dicionário de filmes, Ganga Bruta, dirigido por Humberto Mauro, teve profunda influência em muitos dos diretores do futuro Cinema Novo dos anos 60, quando o viram durante uma retrospectiva em 1961. Uma das lideranças desse movimento, Gláuber Rocha, declarou-o "um dos vinte melhores filmes de todos os tempos" em 1963. Ganga Bruta foi o sexto longa-metragem de Mauro como diretor, e o segundo após sua mudança de Cataguazes para trabalhar na Cinédia, no Rio de Janeiro. Foi também seu primeiro filme sonoro e levou dezoito meses para ser completado, enquanto a companhia de Adhemar Gonzaga se contorcia financeiramente. Os atrasos proporcionaram que o filme tivesse uma recepção ruim, porque o som gravado em disco continha poucos diálogos, e as platéias já haviam se acostumado à perfeição técnica dos "talkies" de Hollywood. De fato, a recepção de Ganga Bruta foi desastrosa e quase arruinou o futuro de Mauro como diretor.

O filme inicia com o casamento de um engenheiro, Dr. Marcus Resende (Durval Bellini), que assassina sua noiva (Lu Marival), quando fica sabendo de seu caso com outro homem. Após ser absolvido desse crime passional ele abandona a cidade para coordenar uma construção, que revitaliza. Permanecendo na casa dos proprietários, Décio (Décio Murilo) e sua mãe (Andréa Duarte) enferma, apaixona-se pela bem mais jovem Sônia (Déa Selva), noiva de Décio. Em meio a um exuberante cenário tropical de uma cachoeira, Rezende salva Sônia do afogamento mas, posteriormente, é incapaz de salvar Décio do mesmo destino, após brigarem a respeito de Sônia. Num término bizarro, Marcus e Sônia casam-se, logo após o duplo funeral de Marcus e de sua mãe. Fica claro, por essa descrição do enredo, que os eventos melodramáticos de Ganga Bruta vão além dos limites do decoro hollywoodiano, mesmo do período pré-Código. Mas o estilo do filme era ainda mais notável. Enquanto a primeira senhora Marcus é morta, a câmera permanece no feio rosto do criado de Marcus. A partir daí, primeiros planos, particularmente de mãos e pés, são vistos regularmente. Tal aproximação reflete uma tentativa de tornar o público próximo das sensações emocionais e físicas das personagens. O que também proporciona uma textura simbólica e marca o filme como grandemente subjetivo. Mesmo Marcus não aparentando ser uma personagem particularmente simpática, o público é frequentemente levado a se identificar com seu olhar, especialmente quando esse testemunha o abraço apaixonado de Décio e Sônia (e quando um flashback  relembra-o da traição de sua mulher.)

Tudo opera para acentuar a paixão: a internsidade do olhar da câmera, a ambientação tropical, a atmosfera nebulosa, e o foco suave das lentes, realçado pelas sombras das folhagens. Mas o aspecto mais original e lírico do estilo de Mauro é que é bastante mesclado. As cenas nas quais Marcus se embebeda em um bar são verdadeiramente naturalistas, enquanto a ilusão de realidade se completa pelo uso de atores não profissionais. E a maior parte dos interiores parece ter sido filmada em locações. Como tal, Ganga Bruta é um verdadeiro precursor do neorrealismo italiano e do próprio Cinema Novo brasileiro. De fato, Rocha reconheceu e elogiou o estilo misto do filme, quando escreveu que seus primeiros cinco minutos eram "expressionistas", seguidos por um "realismo documental na sequencia seguinte". Uma das outras características notáveis de Ganga Bruta, a trilha sonora, permaneceu desaparecida por longo tempo. Os discos originais Vitaphone de música brasileira não existem mais, mas muito de seu som foi encontrado quando de uma restauração do filme, nos primórdios nos anos 70, recriando o pleno efeito lírico da combinação audiovisual de Mauro.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictonary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 270-1.

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