Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#2: Carmen Miranda


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Carmen Miranda
 (Brasil, 1909-1955). Consecutivamente amada, odiada e depois amada outra vez em seu país natal, Carmen Miranda, a original "bombshell brasileira", que um pouco ironicamente nasceu em Portugal, foi por muitos anos a figura icônica do ritmo, cor e sensualidade brasileiros. Nascida Maria do Carmo Miranda da Cunha em Marco de Canaveses, mudou-se com sua família para o Brasil, quando tinha dois anos. Viveu na Lapa, estado do Rio de Janeiro, e aos 14 anos passou a trabalhar em um loja de gravatas para ajudar a pagar a medicação de sua irmã tuberculosa, Olinda. Aprendeu então a fazer chapéus numa butique e abriu sua própria chapelaria. Aos 17, começou a se apresentar, inicialmente em negócios familiares, e em 1928 foi apresentada a Josué de Barros, que a levou a cantar na estação de rádio na qual trabalhava.

Em 1929 gravou sua primeira canção para Brunswick, um samba, "Não Vá Simbora", com letra de Josué. Enquanto gravava canções para a RCA Victor, encontrou Joubert Carvalho, que compôs Taí para ela, que vendeu um recorde de 35 mil cópias no ano que foi lançada. Em 1930 aparece em uma produção teatral profissional, Vai Dar o Que Falar e em 1932 faz sua primeira aparição nas telas, como ela mesma, no semi-documentário da Cinédia, O Carnaval Cantado no Rio. Estrelou então no semelhante A Voz do Carnaval (1933), continuando na Cinédia, onde estrelaria mais três filmes, incluindo aquele (Estudantes), no qual atuaria a primeira vez. Nos outros dois, Alô, Alô Brasil (1935) e Alô, Alô Carnaval (1936), co-estrelou com sua irmã, Aurora. Em 1936 assinou um contrato de um milhão de dólares com a estação de rádio Tupi e, também acompanhada por sua irmã, passou a se apresentar no sofisticado Cassino da Urca.

Em fevereiro de 1939 Carmen Miranda estreou em Banana da Terra, vestindo o famoso vestido afro-brasileiro de baiana, que apresentava um turbante de material de cores vivas e miçangas, cuja origem são as vendedoras de rua afro-brasileiras de Salvador, na Bahia. No mesmo mês o produtor teatral norte-americano Lee Shubert, acompanhado da campeã de patinação artística Sonja Henie, visitaram o cassino e ofereceram-lhe um contrato para aparecer em Streets of Paris, na Broadway, que iniciou em 29 maio de 1939. Ela foi um sucesso e em 1940 a 20th Century Fox a elencou em um veículo para Betty Grable, Down Argentine Way [Serenata Tropical]. Começaria então sua controversa carreira em Hollywood, onde foi inevitavelmente estereotipada como a "bombshell" pan-latino-americana, vestindo os mais escandalosos figurinos e, inicialmente, inadvertidamente tornando-se uma figura cômica com seu estranho sotaque e inglês peculiar.

Quando retornou para casa, em 1940, para participar do casamento de Aurora, foi já sendo criticada por sua americanização. Apesar de ainda cantar algumas canções em português - por exemplo, "Mamãe Eu Quero" em Serenata Tropical - crescentemente passou a cantar em inglês, por exemplo, a canção-título de A Weekend in Havana [Aconteceu em Havana] (1941); e se tornou famosa por suas invenções brincalhonas na mistura de línguas - por exemplo, "Chica Chica Bom Chic" e "I, Yi, Yi, Yi, Yi, Like You Very Much" em That Night in Rio [Uma Noite no Rio]. O apogeu de seus exageros carnavalescos foi seu número "The Lady in Tutti Frutti Hat" no filme em technicolor The Gang's All Here [Entre a Loura e a Morena] (1943), no qual as bananas foram empilhadas tão alto em sua cabeça, que foram representadas pelo diretor/coreógrafo Busby Berkeley (conhecido por seus excessos) em cenários de fundo pintados. Ela foi uma grande estrela.

Em 1945 Carmen Miranda era a mulher mais bem paga dos Estados Unidos. Por essa época já tinha plena consciência de sua própria auto-paródia, e as plateias riam com ela, mais que dela. Talvez o exemplo mais sofisticado dessa tendência se encontre em Copacabana (1947), no qual aparece ao lado de Groucho Marx. Enquanto trabalhava nesse filme, Carmen encontrou David Alfred Sebastien, com quem casaria no mesmo ano. Somente atuaria em mais três filmes, o último sendo Scared Stiff  [Morrendo de Medo], em 1953. Mas se manteve bastante ocupada, tanto que sua saúde física e mental sofreram. Em 5 de agosto de 1955, ainda não plenamente recuperada de uma bronquite, apareceu no programa de televisão de Jimmy Durante e desmaiou no cenário. Na mesma noite, melhorou o suficiente para celebrar com amigos em casa, mas sofreu um ataque cardíaco aos 46 anos. Havia tido um retorno triunfal ao Brasil em 1954, e com os funerais no Rio de Janeiro e seu enterro no cemitério São João Batista, sua família pôde finalmente testemunhar o amor e a afeição de seu povo. Em 1956 todos os seus pertences foram doados pelo seu marido e sua família para o Museu Carmen Miranda, que finalmente abriu suas portas em 5 de agosto de 1976.

Sua reputação como artista cresceu ao longo dos anos. Ainda que observadores reconheçam os problemas de uma forasteira que teve de se rebaixar a si mesma e ao seu povo pela fama e sucesso, seu talento e coragem brilharam. Uma favorita entre os homens gays por uma série de anos, "the lady in the tutti-frutti hat" foi interpretada por um artista  masculino travestido, Erick Barreto, no parte ficcionalizado, mas sobretudo documentário, Carmen Miranda: Bananas is My Business (1995), de Helena Solberg, que revela as complexidades e natureza contraditória da vida de estrela, trabalhando de forma bastante pessoal e reconciliatória. Em honra do quinquagésimo aniversário da morte da grande estrela, muitos eventos ocorreram no Brasil, incluindo uma exibição, "Carmen Miranda Forever", inicialmente montada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em novembro de 2005 e viajando por várias cidades brasileiras em 2006.

Texto: Peter H. Rist. Historical Dictionary of South American Cinema. Lanman: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 404-6.

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