Filme do Dia: Tinta Bruta (2018), Filipe Matzembacher




Tinta Bruta (Brasil, 2018). Direção e Rot. Original: Filipe Matzembacher. Fotografia: Glauco Firpo. Música: Felipe Puperi. Montagem: Germano de Oliveira. Dir. de arte: Manuela Falcão. Figurinos: Maíra Flores. Com: Shico Menegat, Bruno Fernandes, Guega Peixoto, Sandra Dani, Frederico Vasques, Denis Gosh, Camila Falcão, Áurea Baptista.
Pedro (Menegat) é um jovem anti-social que vive com a irmã, Luíza (Peixoto), em Porto Alegre. Sua forma de sobrevivência é apresentando performances eróticas com o corpo besuntado de tinta brilhante. Luíza, no entanto, decidiu se mudar para Salvador e Pedro, subitamente só, e tendo que pagar as contas do apartamento, fica igualmente sabendo que talvez o número crescentemente reduzido de seguidores para sua performance tenha a ver com o fato de outro, Leo (Fernandes), que é dançarino, ter seguido a ideia. Pedro vai atrás de Leo e fazem um vídeo ao vivo que se torna bem sucedido. Mais que isso, Pedro passa a se envolver emocionalmente com Leo, após ter sido agredido por ex-colegas de universidade, e Leo ter lutado também contra os dois agressores. Nessa noite, Leo lhe conta uma história com a qual se identifica plenamente, já que também se encontra com um processo judicial que pode leva-lo à prisão, por conta da juíza ser conservadora. Sua advogada pede que ele vá a presença da juíza com alguém da família. Ele lhe conta que a irmã não mora mais consigo e que não quer envolver a avó (Dani), a fonte de afeto que ainda lhe existe, no caso. Ele convida Leo, mas esse afirma que apesar de que faria tudo por ele, conseguiu uma bolsa para ir para Berlim. Na madrugada de sua partida os dois voltam a se encontrar.
O filme inicia com uma aproximação algo minimalista das personagens que, caso melhor trabalhada, renderia algo próximo da sutileza de um A Cidade Onde Envelheço. Aos poucos, infelizmente, vai se afastando do que poderia ser uma representação relativamente honesta de seu protagonista por tentativas de flerte com clichês narrativos dramáticos por demais desusados, e o que é pior, com a pretensão de serem novos, por assumirem a internet como lugar não apenas de centralidade social (no caso de Pedro), como de sua própria forma de existir socialmente. Se as interpretações, algo tocantes, algo canhestras são até mesmo um trunfo a seu favor, por mais que algumas falas de Bruno Fernandes soem por demais declamadas para serem minimamente convincentes, numa chave do tipo ator-não-profissional-mas-com-alguma-experiência-em-teatro, o filme derrapa de vez quando busca o realismo chão, no momento de desesperança em que Pedro sai com um sujeito que depois demonstra ser um prostituto e o agride quando esse força que ele lhe pague o programa, quando ele havia vislumbrado no rapaz um novo parceiro de streaming que substituiria Leo, em uma chave, guardada as proporções, evocativa de um mau uso do clichê de um tipo como Pedro à altura dos personagens de um Cidade Baixa. Aliás, as referências a cidade de Porto Alegre como um local do qual é necessário se evadir, para não murchar enquanto projeto de pessoa, surgem de forma nada orgânica (e com uma superficialidade plenamente oposta a de filmes como O Som ao Redor em relação ao Recife), ao longo do filme, sobretudo no momento em que surge a ex-companheira da garota que venceu uma primeira bolsa que Leo havia concorrido para a Argentina, e observa-se a câmera se deparar com prédios algo carcomidos pelo tempo, com várias janelas de anúncios imobiliários de aluguel ou venda; momento que se aproveita igualmente para uma alfinetada pontual em relação a questão do racismo na cidade. O que se espera da toada é que o final aponte para algum tipo de superação da personagem, em chave mais auto-afirmativa junto aos protocolos e exigências do público progressista ao qual foi dirigido. E isso de fato se sucede, sem macular tampouco um final em aberto por completo, ao apresentar Pedro se soltando na noite, destravando-se e dançando, algo que somente conseguia fazer diante da câmera em seu apartamento, depois de ter sido tocado pelo exemplo libertador que representou sua breve experiência com Leo. Tampouco deixa de apresentar uma explicitação dos corpos mais de acordo com certo padrão de cinema queer internacional contemporâneo e mais ousado que, via de regra, o brasileiro. Avante Filmes-Besouro Filmes para Vitrine Filmes. 118 minutos.


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