Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#117: Júlio Bressane
BRESSANE, Júlio. (1943-) Um dos praticantes chaves do anárquico movimento Cinema Marginal no final dos anos 60 e primórdios de 70, Júlio Bressane tem continuado a ser um diretor de cinema prolífico e altamente respeitado em seu próprio país, senão no estrangeiro, ganhando os Candangos de Melhor Filme, Diretor ou Roteiro no Festival de Brasília em seis ocasiões separadas, por seis filmes diversos. Nascido no Rio de Janeiro, Bressane começou a trabalhar como assistente de direção para Walter Lima Jr. em Menino de Engenho e dirigiu, produziu e escreveu seu próprio filme de estréia, em 1966, Lima Barreto - Trajetória, um curta documental. Seu primeiro longa, Cara a Cara (1967) foi inspirado pelo Cinema Novo, mas em 1969 realizou dois longas, O Anjo Nasceu e Matou a Família e foi ao Cinema, que rudemente se contrapunha à seriedade e coerência narrativa das melhores obras do movimento do cinema brasileiro.
Em O Anjo Nasceu, dois homens, um branco e um preto, cometem crimes, incluindo assassinato. Nem criticando nem elogiando às ações das personagens, o filme apenas as apresenta. Mais estranhamente ainda, o filme às vezes se demora na inatividade e em outros momentos as ações principais são elididas como, por exemplo, o bandido branco sofrendo ferido. O Anjo Nasceu finda com um longo plano de oito minutos em uma auto-estrada deserta, na qual é a única ação em zoom-in assinalando nada. Matou a Família e Foi ao Cinema é ainda mais radical em estilo e estrutura. Após um homem não nomeado matar seus pais com uma navalha e "ir ao cinema", parece como se o filme de Bressane arbitrariamente intercalasse o filme que o assassino assiste, intitulado Perdidas de Amor, com eventos na história-moldura. De fato, a história das "mulheres perdidas", Márcia (Márcia Rodrigues) e Renata (Renata Sorrah), dominam o filme, e eventualmente matam uma a outra após um pacto suicida. (Renata também mata sua mãe). Mais surpreendentemente, Bressane justapõe cenas de brincadeira e amor entre as duas mulheres e as cenas de violência, incluindo a "Polícia Especial" torturando o assassino. Há também fortes contrastes entre músicas divertidas, populares e temas sombrios, incluindo um samba de Carmen Miranda ilustrando imagens de morte e miséria. Não há fluxo narrativo; muito semelhantemente como muitos dos primeiros filmes da Nouvelle Vague francesa, O Anjo Nasceu e Matou a Família divertida e furiosamente contestem a forma fílmica convencional e permanecem como exemplos ideais do cinema udigrude ou do lixo.
Bressane continua a ser prolífico ao longo de 1970 e 1971, sendo creditado como diretor de três filmes a cada ano, incluindo Cuidado, Madame, que continuou a predileção do diretor por filmar jovens belas mulheres em planos-sequencias e panorâmicas para revelar e surpreender; A Família do Barulho (1970), sobre uma "família" disfuncional constituída por uma prostituta (Maria Gladys, que posteriormente se tornaria uma estrela de TV) e dois homens gays; e Amor Louco (1971), filmado em Londres, Inglaterra. A partir do final de 1970, Bressane começou a viajar amplamente, incluindo o Norte da África e a Ásia, também filmadas nestas locações, e em 1972 realizou Lágrima Pantera, em Nova York. Após o seu retorno ao Brasil, em 1973, sua obra se tornou menos "underground" e experimental, mas talvez, mais reflexiva. Rei do Baralho (1973) é o que Robert Stam chama uma "metachanchada", a paródia de um gênero, a chanchada que é, ela própria, uma paródia auto-derisória dos musicais hollywoodianos e outros filmes. Foi filmado nos estúdios Cinédia, em Jacarepaguá, utilizando cenários empobrecidos, e estrelado pela grande, mas envelhecida, estrela negra, Grande Otelo, que por fim beija uma loura do tipo Jayne Mansfield, interpretado por Marta Anderson (vencedora de dez concursos de beleza nos anos 1960).
Bressane foi menos ativo no final dos anos 70 e anos 80, realizando somente seis longas, mas sua abordagem reflexiva filme após filme persistiu, continuada, com Tabu (1982), sobre um encontro imaginário do compositor popular Lamartine Babo (interpretado pelo grande artista musical contemporâneo Caetano Veloso) e o poeta modernista Oswald de Andrade (interpretado pela estrela da chanchada Colé Santana) evocando um encontro pós-modernista entre alta/baixa cultura. O filme de Bressane também incluiu clipes do clássico documentário do Pacífico Sul de Murnau, Tabu (1931). Brás Cubas (1985), foi uma adaptação irreverente da obra-prima literária de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Não surpreendentemente, talvez, quando os filmes de Bressane se tornaram menos experimentais, começou a ganhar prêmios. Tabu foi o vencedor do troféu Candango de Melhor Filme, e Brás Cubas foi aceito em competição no Festival de Cinema de Gramado.
Em 1995, Bressane realizou outro filme reflexivo, O Mandarim, sobre o crooner do samba Mário Reis, estrelado por Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, e outras estrelas da música brasileira. Seu longa seguinte, Miramar (1997), baseado em um romance de Oswald de Andrade, foi de algum modo autobiográfico, e ganhou cinco troféus Candango no Festival de Brasília, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Seu longa seguinte, São Jerõnimo (1999), foi quase tão bem sucedido, vencendo três Candangos, incluindo Melhor Diretor. Dias de Nietzsche em Turim (2001), um filme-ensaio sobre os meses passados em Turim por Nietzsche, venceu um prêmio no Festival Internacional de Veneza, em 2002 e foi exibido em Roterdã e outros festivais internacionais de cinema nos Estados Unidos, França e Polônia. Filme de Amor (2003) venceu outros três Candangos, incluindo Melhor Filme e também recebeu o prêmio de Associação de Críticos de Arte de São Paulo, em 2005. Cleópatra (2007) estreou em Veneza, e dominou compoletamente o Festival de Brasília, vencendo 7 dos 13 prêmios para longas-metragens, incluindo Melhor Filme e Melhor Atriz (Alessandra Negrini). Negrini, que foi uma estrela das telenovelas, também venceu o Prêmio Contigo de Cinema, o prêmio da indústria brasileira, por seu papel como Cleópatra, talvez indicando o quão Bressane havia voltado às margens do cinema para findar também como diretor de "filmes de arte" mais convencionais, cuja obra se conecta com públicos e críticos locais. Seu filme mais recente, A Erva do Rato (2008), exibido em Veneza, Rio de Janeiro, São Paulo e Roterdã (2009) foi lançado na França e no Brasil. Em Gramado em 2008 lhe foi distinguido o prêmio especial Eduado Abelin pelo conjunto da carreira.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 101-04.
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