Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#73: Sérgio Bianchi



 BIANCHI, SÉRGIO. (Brasil, 1945). O principal realizador a continuar o legado do Cinema Novo, no cinema brasileiro de hoje, Sérgio Bianchi é talvez ainda mais "político" e controvertido que os realizadores das gerações prévias. Começou a trabalhar em cinema em 1968 e estudou Comunicação Social na Universidade de São Paulo. Dirigiu seu primeiro curta, Omnibus, em 1972, que foi exibido em Cannes e posteriormente no Festival de Londres. Seu segundo filme, A Segunda Besta (1977), baseado em um conto de Julio Cortázar. Seu primeiro longa, Maldita Coincidência (1979), foi saudado como uma revelação quando estreou na primeira Trienal de Fotografia do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, em 1980. Em 1982 Bianchi realizou seu primeiro filme controvertido, o média-metragem Mato Eles?, que observava as terríveis consequencias do desenvolvimento descontrolado da região amazônica sobre sua população nativa. Com seu título provocativo, o filme critica severamente as políticas públicas governamentais e a hipocrisia e paternalismo dos funcionários que a decretam.

Após realizar um documentário expondo as agências de serviço social urbano do Brasil, intitulado ironicamente Divina Providência (1983), Bianchi se tornou ainda mais provocador com seu segundo longa ficcional, Romance (1988), que explora eventos e personagens próximos da morte (provavelmente de AIDS) de um jornalista de esquerda que investigava uma corrupção de negócios internacional. Seu terceiro longa, A Causa Secreta (1994), segue uma série de atores pesquisando sobre seus papéis, visitando abrigos de moradores de rua, hospitais para AIDS e entidades assistenciais, e seu quarto, Cronicamente Inviável (2000), permanece como uma obra-prima do cinema político. 

Cronicamente Inviável provocou mais debate no Brasil que qualquer filme desde o surgimento do Cinema Novo, e apesar de não ter sido um grande sucesso comercial, teve longas filas no Rio e em São Paulo. Seguindo as interações dos frequentadores, administradores e trabalhadores de um elitizado restaurante de São Paulo, Bianchi foi capaz de representar e criticar as relações de classe, raça e gênero no Brasil contemporâneo. Particularmente, o diretor não se intimida em atacar o patriarcado branco e heterossexual e, mais notavelmente, Cronicamente Inviável  contém uma estrutura ensaística, dialética, também reminiscente do cinema novo dos anos 60. Mato Eles, Romance e A Causa Secreta todos ganharam prêmios nos festivais de cinema de Brasília, mas Cronicamente Inviável esteve em competição no Festival de Locarno, e ganhou o Prêmio da Juventude lá. 

O quinto longa de Bianchi, Quanto Vale ou é por Quilo? (2005), continua a tendência experimental do diretor, comparando e contrastando a vida sob escravidão no século XVIII com a vida contemporânea e encontrando que talvez pouco tenha mudado para os estratos inferiores da sociedade. Para seu sexto longa, Bianchi examina o universo de sua cidade de escolha, São Paulo, com Os Inquilinos (2009). Ambientado interessantemente não em uma favela, mas próximo de uma, o filme explora a psicologia de um homem que abandonou sua esposa e duas filhas pequenas (na casa que seu pai construiu), trabalhando o dia todo descarregando caixas e frequentando uma escola noturna. Ele imagina coisas, particularmente ansioso  com o que acontece no ambiente vizinho, onde três jovens de aparência repulsiva o tem alugado para seus vizinhos. Queimas de ônibus, explosões fora de quadro e noticiários televisivos retratam um mundo de crime e dependência de drogas oprimindo a anteriormente pacífica vizinhança, enquanto o frágil estado mental do homem é invadido por estranhos ruídos na banda sonora e seus sonhos e imaginação são ilustrados por planos de sobreposições e em câmera lenta. Talvez numa tentativa de conquistar um público maior, Os Inquilinos é menos experimental e mais televisual que sua obra prévia, mas permanece desafiadoramente controverso na recusa de respostas fáceis para as questões envolvendo a escalada de conflitos urbanos no Brasil: ao final, um dos jovens "rufiões" está distribuindo comida para os pobres, enquanto ostenta um rifle automático!

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 78-9. 

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