Filme do Dia: Limite (1931), Mário Peixoto
Limite (Brasil,
1931). Direção, Rot. Original e Montagem: Mário Peixoto. Fotografia: Edgar
Brasil. Com: Raul Schnoor, Brutus Pedreira, Olga Breno, Tatiana Rey, Camren
Santos, Edgar Brasil, Iolanda Bernardes, Mário Peixoto.
Esse, que é o
filme-referência de vanguarda brasileiro, equivalência tardia ao que foi
produzido na década anterior na Europa, sobretudo França, consegue construir um
raro senso poético, em que ângulos originais e a própria dimensão do espaço são
trabalhados de forma poderosa. A composição de certas imagens são de tirar o
fôlego, seja pelo inusitado (como a câmera baixa que flagra do chão o diálogo
entre dois personagens com um posto sobre eles), seja pela beleza (a moldura
dentro do próprio plano, como o momento em que um dos personagens procura por
alguém no casario da ilha na qual se encontra, e o observamos precisamente
recortado pelas janelas e portas desse mesmo casario, seqüência evocativa do
que John Ford faria posteriormente). Ou
ainda, por vezes, pelo próprio descentramento da figura humana, diante de uma
quase antropomorfização de objetos, notadamente na bela seqüência que se detém
sobre os instrumentos de costura de uma das personagens. Tampouco se pode
esquecer o plano em que Peixoto transforma o casario da ilha num enganoso
arranha-céu, ao inverter o eixo,
“deitando” as fachadas das casas. Ou ainda a menção ao já então mais
referido personagem cinematográfico (tendo sido já homenageado por nomes como Dreyer
em seu Mikael e por Vigo, em Zéro em Conduta), Carlitos de Chaplin, observando a reação de seu filme nos
sorrisos de seus espectadores. Dito
isso, tampouco se pode deixar de referir que a mesma “dispersão” responsável
por todos esses achados visuais acima
referidos em certos momentos menos auxilia que prejudica o filme como um todo,
que poderia ser melhor se fossa mais sintético. Existem menos certezas do que
lacunas sobre a situação do homem e duas mulheres que permanecem no barco.
Náufragos, eles se encontram provavelmente na situação-limite ao qual o título
alude e, em fluxo livre, evocam reminiscências de situações vividas por eles.
Fundamental para sua efeito é a trilha sonora repleta de temas musicais de
compositores eruditos contemporâneos ao filme, sobretudo o de Erik Satie que
acabou se tornando uma segunda “pele” para o próprio filme, de registro
melancólico, que se casa perfeitamente sobretudo ao final de pouca expectativa,
em que somente uma das mulheres (Santos) permanece agarrada a uma tábua em meio
ao oceano. Permanecendo praticamente perdido e tendo sido visto por poucos até
o final dos anos 70, o filme de Peixoto tem sido reverenciado por gerações
sucessivas de realizadores como Bressane e Sérgio Machado, que realizou o
sensível documentário Onde a Terra Acaba
(2001), em seu tributo. Ainda que comparações possam ser efetivadas com as
vanguardas europeias (e até mesmo referências, como o plano inicial de mãos
masculinas acorrentadas diante de uma das personagens, evocativas de Buñuel), o
estilo de Peixoto é bastante idiossincrático e não pode ser associado com
precisão a nenhuma escola, o que talvez não deixe de ser um de seus maiores
méritos. Se boa parte dos críticos louvou a maestria de Murnau em realizar
filmes pouco dependentes de entretítulos, o que dizer desse filme que não possui
mais que uns poucos ao longo de toda a sua narrativa? Cinédia. 120 minutos.
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