Filme do Dia: Mandabi (1968), Ousmane Sembene
Mandabi
(Senegal/França, 1968). Direção e Rot. Original: Ousmane Sembene. Fotografia:
Paul Soulignac. Montagem: Gilbert Kikoïne & Max Saldinger. Com: Makhouredia
Gueye, Ynousse N’Diaye, Isseu Nyang, Serigne Sow, Serigne N’Diayes, Mustapha Ture, Farba Sarr, Moudon Faye, Mouss
Diouf.
Ibrahim Dieng (Gueye) é
um senhor iletrado e desempregado que vive com dificuldades, alimentando-se e
sendo cuidado por suas duas esposas (N’Diaye e Nyang) a partir de compras fiadas.
Certo dia um carteiro (Faye) chega com uma missiva de um sobrinho (Diouf) de
Ibrahim, que mora em Paris, com uma ordem de pagamento para Ibrahim.
Rapidamente a notícia se espalha pelo bairro. Porém, quando Ibrahim vai tentar
sacar a ordem, não possui identidade ou qualquer documento com foto. Na peregrinação
para conseguir seus documentos é enganado por várias pessoas, incluindo o
fotógrafo que pretensamente tira as fotos para o documento e um homem letrado a
quem recorre, que lhe afirma ter assaltado e não lhe deixa mais que com alguns
quilos de arroz.
Difícil não ficar
atento a beleza das cores e enquadramentos, ainda que em termos narrativos as
expectativas prenunciadas de algo bastante dinâmico e original sucumbam ao peso
de um modelo de narrativa monotemática que poderia ter como antecessor célebre Ladrões de Bicicleta. Pouco atento a
questão da mulher, observada de forma naturalizada em sua dupla submissão irrestrita aos humores de seu
homem e tampouco versando sobre temas mais amplos da história do país (caso de Ceddo), o filme reproduz, em tons algo
cômicos, a tragédia dos iletrados e sua manipulação muito mais por aqueles que
detém algum conhecimento e se encontram fora do raio da comunidade na qual
Ibrahim vive, que por conta de todos aqueles que vem cobrar suas dívidas ou
pedir emprestado ao homem que acreditam estar mentindo e já ter o dinheiro em
mãos, numa dinâmica nada distante do seu clássico curta O Carroceiro. No breve segmento que apresenta Paris e o sobrinho do
personagem principal, o filme não deixa de fazer uma explícita referência a cena
de Afrique Sur Seine, na figura
daquele que varre a água do meio-fio da calçada e mesmo com emprego tão
humilde, consegue gerar tanta expectativa entre os senegaleses, com o dinheiro
que lhe envia. É tido como o primeiro filme africano a ser falado em língua
local. A diversidade de temas que
Sembene enfrentou em sua filmografia também se reflete em escolhas estéticas
que dialogam virtuosamente com as mesmas. Aqui mais aproximados, com presença
frequente de primeiros planos, para um drama eminentemente restrito ao herói e
seus dependentes enquanto em Ceddo os
planos tendem a ser muito mais abertos, destacando a comunidade como um todo e
fazendo uso de interpretações de matizes épicos mais que tradicionalmente
dramáticos como aqui. A insistência em evocar os erros do país soa excessivo e
um tanto banal e longe da sofisticação de suas melhores obras. Já as mazelas
burocráticas do país e a odisseia do personagem para receber dinheiro são
evocativas do cubano A Morte de um Burocrata, lançado pouco tempo antes.
Destaque para a boneca branca e loura que é o brinquedo de uma das
filhas de Ibrahim. As cores pronunciadas do processo Eastmancolor parecem uma
versão realista do mundo de fantasia dos musicais em Technicolor da década
anterior, destacando, por exemplo, a beleza e colorido dos trajes femininos.
CFFP/Film Domirev. 90 minutos.
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