Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#23: Cinema Marginal

 

Cinema Marginal (Brasil). Um grupo de jovens realizadores - na verdade, dois grupos, um baseado em São Paulo e outro no Rio de Janeiro - que reagiu contra a direção mais comercial que o Cinema Novo estava tomando no Brasil- que é seu movimento em direção a um "Cinema Novo Rico". Também chamado udigrudi por Gláuber Rocha, uma brincadeira com o termo inglês "underground", cinema maldito, e  cinema do lixo, o movimento do cinema marginal se inicioiu em 1967 com A Margem, de Ozualdo Candeias, filmado na região da Boca do Lixo e ao longo das margens do poluído Rio Tiête em São Paulo. A Margem foi protagonizado por dois casais: uma prostituta negra e um decadente homem de classe média, e uma mulher loura com um homem que coleta lixo. Ainda que o filme de Candeias proporcione o modelo para o cinema "marginal", apresenta seus protagonistas de forma simpática. Por outro lado, O Bandido da Luz Vermelha (1968) do paulista Rogério Sganzerla, radicalizou a estrutura narrativa e caracterização e se contrapôs rudemente a seriedade do Cinema Novo, com um senso de humor anárquico reminiscente do prótotipo da Nouvelle Vague francesa, A Bout de Souffle (Acossado, 1959), de Jean-Luc Godard. Portanto, uma estética do lixo substituiu a "estética da fome" de Rocha, e com filmagens de orçamentos bastante reduzidos em preto&branco, Candeias e Sganzerla se contrapuseram aos valores de produção bem acabados apoiados pelo estado e a fotografia colorida do Cinema Novo do final dos anos 60, tais como Garota de Ipanema (1967), de Leon Hirzsman e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade

Em 1968 o primeiro filme de outro nome novo paulista surgiu, o curta Blá-Blá-Blá, do nascido na Itália Andrea Tonacci, no qual absolutamente nada acontece, e o primeiro filme udigrudi do diretor baseado no Rio, Neville d'Almeida, Jardim de Guerra, sobre um homem que rouba para conseguir dinheiro para financiar o filme de sua namorada e é torturado pela polícia. Esse filme teve sua exibição proibida. O realizador líder no grupo do Rio, Júlio Bressane, dirigiu dois importantes filmes udigrudi em 1969, O Anjo Nasceu e Matou a Família e Foi ao Cinema. O título do segundo, indica simultaneamente uma atitude irreverente aos valores tradicionais, que inunda os filmes do movimento, e um desejo que reflete o amor dos realizadores pelo cinema. O movimento se ramificou por outras áreas do Brasil; inspirado por O Bandido da Luz Vermelha, André Luiz Oliveira realizou Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1969), uma história de cowboy urbana, ambientada em Salvador, a capital da Bahia. Em 1970, Orgia ou o Homem Que Deu Cria, do paulista João Silvério Trevisan, apareceu e imediatamente sofreu cortes dos censores que não foram aceitos pelo diretor (censura compreensível, considerando que o filme incluía um travesti que pensava ser Carmen Miranda, e um cangaçeiro (*)[bandido] dando a luz um bebê, que será comido pelos canibais.

Outros realizadores do movimento foram Luiz Rosenberg Filho no Rio e Carlos Reichenbach, e outros filmes referenciais são duas paródias de western, Meu Nome é Tonho (1969), de Candeias e Bang Bang  (1971), de Tonacci, título ao qual é a gíria do português brasileiro para os westerns "spaghetti", mas o diretor chamou-o de uma "comédia de detetives maoísta". Em 1970, Sganzerla e Bressane uniram os dois movimentos (paulista e carioca) ao formarem a Belair Filmes e co-produziram seis longas-metragens, dirigindo três cada um, em apenas dois meses. Alguns críticos, incluindo Paulo Emílio Salles Gomes, consideraram que o cinema do lixo durou apenas 3 anos e consistia de 20 filmes, enquanto outros, tais como Fernão Ramos, esticaram o movimento até 1973, citando 56 filmes em seu livro sobre o tema, incluindo os filmes de horror de "Zé do Caixão" (José Mojica Marins). Uma recente série de filmes itinerantes pelo Brasil também incluem Lilian M: Relatório Confidencial (1975), e também se poderia incluir O Abismo, de Sganzerla, estrelado pelo símbolo sexual Norma Bengell e o diretor/ator de horror Mojica Marins, que levou seis anos para ser realizado (1971-1977) e, efetivamente, não seria lançado antes de 1984. De fato, como Lisa Shaw e Stephen Dennison observam em Brazilian National Cinema, "essa estética descuidada, auto-depreciadora e anárquica, criando um senso de ausência de sentido e desvalorização" é muito mais próxima do cinema comercial brasileiro que do Cinema Novo (2007, p.89). Ver também CHANCHADA, CINEMA EXPERIMENTAL, PORNOCHANCHADA.

Texto: RIST, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 167-9.

(*) originalmente grafado como cangoceiro

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