O Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#25: Grande Otelo

 

Otelo, Grande. (Brasil, 1915-1993). Nascido Sebastião Bernardes de Souza Prata em Uberlândia, foi talvez o melhor ator cômico sul-americano do século XX. De fato, enquanto preparava seu filme inacabado It's All True, nos idos dos anos 40, Orson Welles, após testemunhar uma apresentação de Otelo em teatro de revista do cassino do Rio, pensou que fosse o melhor ator cômico que já havia visto. Foi certamente o ator de cinema brasileiro mais prolífico do século: o IMDB lista interpretações em 112 filmes e 12 novelas ou programas para a TV em sua carreira (de 1936 a 1990), e a Wikipedia 32 filmes somente entre 1950 e 1962. Também foi uma das figuras brasileiras do entretenimento mais amadas de todos os tempos. Até 1960, Grande Otelo foi de longe o maior astro de cinema afro-brasileiro (senão o único), e não há nada comparável em Hollywood antes da Segunda Guerra Mundial, particularmente alguém que transcendesse a raça (e o gênero). Começou a interpretar no circo, aos 8 anos. Após fugir de casa, foi adotado por uma rica família branca paulistana, e aos 9 atuava com a primeira companhia de teatro negra do Brasil, Companhia Negra de Revista.

O primeiro papel do cinema de Otelo, como o valete da estrela, foi em Noites Cariocas (1935). Seu primeiro papel principal foi como Moleque Tião (1943), também o primeiro longa dos Estúdios Atlântida. Na verdade, Moleque Tião, dirigido por José Carlos Burle e ambientado em locais realistas e empobrecidos, conta a história da própria vida de Grande Otelo. Após provar que podia interpretar papéis sérios, apareceu pela primeira vez em duo cômico com Oscarito em Tristezas Não Pagam Dívidas (1944). Interpretou o gerente de uma gafieira, e aqui iniciou seu status como "rei das chanchadas". Invariavelmente era um personagem simpático, mesmo quando interpretava um malandro, em filmes como O Caçuloa do Barulho (1949) e Amei um Bicheiro (1952). Nas palavras de Robert Stam é um "sobrevivente que graças a sua língua afiada e imaginação rápida, a pessoa que transforma o não trabalhar ou um trabalhar para-legalmente, em uma forma de arte." (1997, p. 92). (Para uma análise do importante papel de Grande Otelo no desenvolvimento do cinema brasileiro, incluindo seu trabalho com Orson Welles e as complexidades de sua caraceterização em Macunaíma, ver Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema and Culture).

Grande Otelo ficou de alguma maneira ressentido que seu personagem fosse frequentemente subordinado ao de Oscarito (que era branco e recebia maiores salários), mas Carlos Manga (que era um homem de "esquerda") espertamente refletiu tal injustiça dirigindo-os como "os dois maiores astros da Atlântida" em A Dupla do Barulho (1953). O personagem de Grande Otelo é tratado de forma desfavorável como negro e alcóolatra, mas sua carreira no circo e auto-estima são reestabelecidas ao final. Otelo estrelou inúmeras paródias nas chanchadas, incluindo Carnaval no Fogo (1949), no qual interpreta uma Julieta negra travestida para o Romeu de Oscarito; Carnaval Atlântida, de Burle, que satiriza a própria filmagem - Otelo é um roteirista rebaixado a zelador - e Matar ou Correr (1954), uma paródia do western hollywoodiano High Noon (Matar ou Morrer), no qual Otelo interpreta um cowboy, "Ciscocada", combinando  Cisco Kid com o doce de coco, cocada. 

Cedo em sua carreira teatral, Grande Otelo aprendeu inglês, francês e espanhol, e quando sua carreira evoluiu, tornou-se crescentemente consciente de seu próprio status de afro-brasileiro, passando a ser um porta-voz de seu povo. Fora das telas, geralmente tentava trabalhar com companhias negras (não existiam companhias cinematográficas equivalentes). Na faixa dos 50, conquistou um de seus grandes sucessos como o infante Macunaíma (1969), e na definitiva meta-chanchada, Rei do Baralho, o diretor Júlio Bressane, assegurou que o rei das chanchadas, Grande Otelo, abandonar-se-ia em um prolongado beijo com uma loura do tipo Jayne Mansfield, sua co-estrela. Ele continou a trabalhar incessantemente até sua morte, ocorrida quando visitava a França para participar de uma retrospectiva da sua obra no Festival dos Três Continentes, em Nantes. 


Texto: Rist, Petre H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 288-90.

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