Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#120: Kiss of the Spider Woman
KISS OF THE SPIDER WOMAN (EUA/Brasil, 1985). O primeiro filme latino-americano a ser indicado a mais de um Oscar - Melhor Filme, Diretor, Ator e Roteiro Adaptado - Kiss of the Spider Woman/O Beijo da Mulher Aranha, dirigido pelo nascido na Argentina Héctor Babenco e escrito por Leonard Schrader, baseado no romance de 1976 de Manuel Puig, El Beso de la Mujer Araña, foi um trabalho de amor para o produtor David Weisman, levando quatro anos para ser finalizado, definindo o padrão para os futuros sucessos no Oscar de filmes realizados completamente independentes dos grandes estúdios hollywoodianos.
O filme inicia com um grande movimento panorâmico dos muros de uma cela prisional, unindo Luis Molina (William Hurt), um vitrinista gay que, eventualmente, descobrimos estar na prisão por "corrupção de um menor", talvez pedofilia e Valentín Arregui (Raul Julia), um prisioneiro político revolucionário que recentemente foi espancado e torturado pelos carcereiros. Os dois nada possuem em comum, mas Arregui se torna fascinado pelos filmes que Molina lhe "conta", e eventualmente se tornam amigos, e amantes. No livro de Puig, Molina reconta sua memória detalhada do enredo dos filmes hollywoodianos da RKO, Cat People (Sangue de Pantera, 1942) e I Walked with a Zombie (A Morta-Viva, 1943) mas por razões de direitos autorais o filma foca e são visualizados episódios em tonalidade sépia de um imaginário filme nazista ambientado em Paris, envolvendo trabalhadores da feia resistência francesa e a cantora de baladas melancólicas Leni Lamaison (Sônia Braga), que está apaixonada por um oficial alemão jovem e louro. O enredo do filme-dentro-do-filme, que assumimos ser baseado em um filme que Molina teria visto no passado é revelado gradualmente a Arregui, que inicialmente se sente horrorizado pelo fato do contador de histórias ter se apaixonado pelos personagens de uma obra de propaganda nazista, mas eventualmente cede ao charme de seu companheiro de cela. O outro filme que Molina "conta", retratado em película preto&branco prateada, envolve uma fantástica "Mulher Aranha", também interpretada por Braga. Há também flashbacks de breves episódios nas vidas de Molina e Arregui, incluindo uma relação que o revolucionário se envergonha com uma elitizada Marta.
Braga, que se tornou uma estrela de culto global após sua interpretação de alto teor sexual em Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), foi elencada inteligentemente nos três principais papéis femininos como o objeto de desejo para ambos os protagonistas masculinos - a mulher que Arregui ama e a mulher que Molina desejaria ser. O que não é revelado até a segunda metade de O Beijo é que Molina espiona para o diretor do presídio (José Lewgoy). No momento que deixa a prisão, apaixona-se por Arregui e transmite uma mensagem para seu grupo terrorista. Molina inicialmente não se dá conta que é seguido nas ruas de São Paulo por policiais à paisana, e quando encontra seu contato em um carro, esta vem a ser Lídia (Ana Maria Braga), amante de Arregui na célula política, que atira nele quando suspeita que trouxe os guardas consigo. Na verdade, ele é pego em meio ao fogo cruzado, e como Leni no filme nazista, torna-se mártir por amor. Enquanto isso, Arregui é novamente torturado; convalescendo em um hospital, aparentemente moribundo, imagina Marta, agora vestida como uma estrela dos anos 40, capturando-o e o levando ao conforto do oceano. O romance é extremamente repleto de diálogos e Babenco e sua equipe conduziram a um ocasional escape da árdua realidade da cela da prisão com flashbacks filmados convencionalmente e naturalmente coloridos, assim como o melodramático Molina e seus "filmes" grandemente estilizados.
Começando em 1981, Babenco visitou os Estados Unidos com seu bem sucedido filme de arte Pixote, buscando suporte financeiro para um projeto futuro. Ele sempre se interessou em realizar uma adaptação do romance de Puig, mas o autor, também argentino e vivendo em São Paulo, não seria persuadido até Weisman, que havia vivido no Brasil e falava perfeitamente português, entrar em cena. Com Burt Lancaster a bordo como um dos atores principais e Schrader como roteirista, Weisman foi capaz de garantir os direitos para o cinema. Schrader foi lento, e Lancaster insistiu em trabalhar no roteiro ele próprio, aumentando a importância de seu personagem. Raul Julia havia sido contratado para interpretar o outro personagem principal, e quando Lancaster necessitou de uma cirurgia cardíaca em 1983, William Hurt se tornou ansioso por substituí-lo. Notavelmente, Julia e Hurt abriram mão de seus salários por uma percentagem nos lucros do filme (outro movimento pioneiro) e após todos os estúdios hollywoodianos declinarem de financiar o projeto, Michael Maiello e Jane Holzer puseram do seu próprio dinheiro como produtores associados, enquanto Babenco encorajava Francisco Ramalho Jr. a se tornar produtor executivo e encontrar outros brasileiros que apoiassem com o dinheiro extra requerido para as filmagens no Brasil.
Após quatro semanas de ensaios, a programação original das filmagens em 60 dias foi estendida de outubro de 1983 a março de 1984, enquanto a fase da montagem foi ainda mais longa. Houve problemas de comunicação entre Hurt e Babenco, cuja compreensão do inglês foi verdadeiramente posta à prova algumas vezes, enquanto Schrader e Weisman se envolviam cada vez mais com a edição de Mauro Alice em um ambiente muito difícil em Hollywood - eles foram instalados em uma fábrica de cimento. Em julho de 1984, Babenco foi diagnosticado com um câncer linfático, após ter retornado a São Paulo para trabalhar na banda sonora do filme, e quando o Festival de Cinema de Nova York rejeitou o corte que havia sido enviado, o projeto chegou ao fundo do poço. Quase todos os diálogos de Hurt e Julia foram redublados na primavera e, de alguma maneira, a versão de mais de três horas foi cortada o suficiente para ser aceita no Festival de Cannes. Uma distribuidora bastante pequena baseada nos Estados Unidos - Island Alive - se somou, e O Beijo da Mulher Aranha foi um enorme sucesso em Cannes, com Hurt ganhando o prêmio de melhor ator. Em julho com somente uma cópia lançada em Nova York, O Beijo rendeu 108 mil dólares; impulsionado por resenhas muito favoráveis, muitos prêmios e o boca-a-boca o filme, que havia custado somente 1 milhão, renderia mais de 18 milhões de dólares por volta de maio de 1986, somente nos Estados Unidos.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 351-53.
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