Filme do Dia: São Paulo S/A (1965), Luiz Sérgio Person



São Paulo S/A (Brasil, 1965). Direção e Rot. Original: Luís Sérgio Person. Fotografia: Ricardo Aranovich. Montagem: Glauco Mirko Laurelli. Música: Cláudio Petraglia. Com: Walmor Chagas, Eva Wilma, Otelo Zeloni, Ana Esmeralda, Darlene Glória.

Carlos (Chagas) leva uma vida afetiva conturbada, dividindo-se entre a tresloucada Ana (Glória), a emancipada Hilda (Esmeralda) e tentando conquistar o coração da moça de família Luciana (Wilma). Consegue empregar-se na Volkswagen, e ganha dinheiro por fora, ao fazer contatos com a empresa de auto-peças de um conhecido, Arthur (Zeloni). Porém, sua situação se complica, sendo despedido da empresa, quando esta toma notícia da sua ligação com  Arthur, e, ao mesmo tempo, vê-se rejeitado por Luciana. Pressionado por Carlos,  Arthur o admite em sua empresa de auto-peças, que continua fornecendo peças para a Volks, onde logo torna-se seu funcionário mais destacado. Aproveitando sua situação econômica privilegiada pede Luciana em casamento. Porém logo o sonho de estabilidade financeira e emotiva se complica, quando fica enojado das práticas de Arthur com os empregados, sua vida dupla como perfeito marido e amante de várias mulheres, uma delas Ana, que torna-se garota-propaganda da empresa, e a própria indiferença para com Luciana e o filho. Assim acaba reagindo com pouco entusiasmo quando Arthur lhe apresenta o canteiro de obras onde construíra sua futura fábrica, no coração industrial de São Paulo, e insatisfeito quando o mesmo lhe confidencia que Luciana lhe procurara para tratar de negócios e que gostaria que Carlos se tornasse sócio da empresa. Após um longo tempo reencontra Hilda, e almoça com ela, que anda muito abalada com a morte recente do marido. Três dias depois, quando volta a visitá-la, a encontra morta por suícidio. Cansado de sua própria insatisfação,  Carlos diz para Luciana que está lhe abandonando e rouba um carro para se afastar de São Paulo. Mais adiante abandona o carro e pega a carona de um caminhoneiro que o leva de volta para São Paulo onde terá que recomeçar tudo outra vez.

Belo retrato da inadptação de um jovem à sociedade e seus valores hipócritas. Para a construção da insatisfação existencial do protagonista, Person vale-se menos dos diálogos que de uma engenhosa utilização do flashback e flashforward, da sensível trilha musical, narração in off e da boa e comedida interpretação de Chagas. A utilização da montagem descontínua acompanha, sobretudo, os momentos de maior instabilidade emocional do protagonista, tornando-se mais ortodoxa a partir do momento em que ele tenta vivenciar o papel do bom marido e empregado. Já a partir da cena inicial, é antecipado o rompimento de Carlos com Luciana, o mesmo se dando com o suicídio de Hilda. Embora retrate os valores estabelecidos da sociedade com a mesma intrepidez de outros filmes do momento, tais como O Desafio (1965), de Saraceni, sua apresentação soa mais madura e menos caricata, mais irônica e subliminar, ainda que a recusa final de todos esses valores não vá além de uma atitude tipicamente adolescente – a pretensa fuga da cidade, que se torna o símbolo-mor dos mesmos, ironizada por um viés próximo do psicanalítico. Em grande parte, isso se deve a já aludida minimização dos diálogos. Esses, ainda que menos artificiosos que a média dos filmes de então, inclusive do filme de Saraceni, soam, algumas vezes, excessivamente empostados, como quando Hilda descreve o vazio que seguiu o rápido período de felicidade que viveu com o marido recém-falecido. Algumas seqüências são magistrais ao unir a beleza plástica ao conteúdo que pretendem expressar: a cena em que as duas famílias, de Arthur e Carlos, confraternizam-se na mesma mesa ao jantar, por exemplo, em que a escuridão que finda por se fazer no ambiente é motivo tanto para um belo fade para a seqüência seguinte como também representa o epitáfio para a tentativa de Carlos se adaptar à realidade familiar e profissional que vivencia. A virtuosa fluidez dos movimentos de câmera e a montagem descontínua, antecipam um uso semelhante que delas fez Gláuber Rocha em Terra emTranse (1967). 90 minutos.


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