Filme do Dia: Enganar e Perdoar (1915), Cecil B. DeMille
Enganar e Perdoar (The Cheat, EUA, 1915). Direção: Cecil B.
De Mille. Rot. Original: Hector Turnbull & Jeanie Macpherson. Fotografia:
Alvin Wyckoff. Montagem: Cecil B. de Mille. Dir. de arte: Wilfred Buckland.
Com: Fannie Ward, Sessue Hayakawa, Jack Dean, Abe Yutaka, Hazel Childers,
Raymond Hatton, Dick La Reno, Lucien Littlefield, James Neill.
A fútil Edith Hardy
(Ward) pouco se interessa pelos sacríficios que o trabalho impõe ao marido, o
dedicado Richard (Dean), especulador em Wall Street, preferindo a companhia do
negociante de marfim oriental Haka Arakau (Hayakawa). Tendo sido escolhida para
guardar dez mil dólares de fundos para a Cruz Vermelha, Edith finda se
encontrando com um amigo que afirma que dobrará seu dinheiro em um único dia no
mercado de ações. O amigo perde toda a fortuna. Desesperada, Edith consegue
empréstimo de Arakau, porém o marido enriquece subitamente com sua aposta
acertada no mercado de ações. Edith volta para devolver o cheque de Arakau, mas
esse, não pretendendo perder seu objeto de desejo, a marca com o selo em brasa
que demarca seus objetos. Edith, humilhada e espancada, atira em Arakau. O
marido chega logo depois e, pegue com a arma na mão, é acusado do crime. Arakau
comprova que Richard foi o autor do crime, mas Edith nega ao ver o marido ser
acusado do crime que cometeu e se apresenta como autora dos disparos, mostrando
as provas das sevícias de Arakau em seu próprio corpo. Ao casal é dada a
liberdade, sendo Arakau preso.
Esse melodrama que teve
um retumbante impacto de público e crítica quando de seu lançamento, já
apresenta todos os artifícios da narrativa cinematográfica que são creditados
ao pioneiro O Nascimento de uma Nação
(1914), de Griffith: montagem paralela, para realçar o suspense, closes em momentos dramáticos, planos de
detalhes para realçar objetos pequenos, mas de importância dramática
incontestável – como é o caso do selo de Arakau, etc. Igualmente, como em
Griffith, ainda que seja vanguardista em termos de estruturação formal da
narrativa (quando comparado por exemplo, com o italiano Cabíria, de Pastrone, que inclusive foi lançado no ano anterior), o
filme é igualmente repositório de preconceitos contra essa figura do Outro, que
é o oriental. Aqui, ainda que a narrativa explicite toda a vilania e egoísmo de
Edith (e sua reaproximação do marido seria mais verosímil e corente com o
perfil do personagem até então apresentado como de um mero oportunismo, que
volta a se aproximar apenas porque o sabe rico, mas do que regeneração após ver
seu ato de altruísmo para com ela), quem acaba sendo o bode expiatório é o
“burmanês”. Como se trata aqui da cópia utilizada no relançamento do filme,
três anos após sua estréia, e dada às pressões da comunidade japonesa, o
personagem mudou de nome e nacionalidade. A certo momento, inclusive, um entretítulo
afirma explicitamente que Oriente e Ocidente não podem se mesclar, numa
evidente alusão ao seu tom anti-miscigenatório (algo que Griffith reverterá com
seu O Lírio Partido, no ano seguinte
a esse relançamento). É evidente que De Mille busca sensacionalismo sexual,
sobretudo no momento de violência de Arakau contra Edith, e quando essa
descobre parte de seu corpo para apresentar a prova da “bestialidade” do
oriental. Hayakawa tornou-se, com esse
filme, o astro oriental de maior popularidade nos Estados Unidos de então e
talvez de todos os tempos. Sua carreira definhou no início da década seguinte,
no entanto, a partir de então oscilando entre altos e baixos, como no início do
cinema sonoro, em que seu sotaque acentuado foi motivo de rejeição e
ressurgindo no mundo anglo-saxão com sua participação em A Ponte do Rio Kwai (1957), de David Lean. Refilmado três vezes,
por George Fitzmaurice (1923), George Abbot (1931) e Marcel L’Herbier (1937),
respectivamente, sendo que no último
Hayakawa voltou a viver o mesmo papel que lhe trouxe fama, 22 anos
depois. Destaque para a forma que o filme apresenta Ward, ao início, em um
plano que menos parece ter um propósito narrativo convincente do que destacá-la
perante ao público, convenção teatral comum no cinema da época. E igualmente
para uma apropriação de efeitos ópticos menos subservientes a causarem sensação
por si sós, como em Méliès, do que como partes integrantes da narrativa – no
caso em questão representando o pensamento de Edith. National Film Registry em
1993. Jessy L. Lasky Feature Play Co. para Paramount Pictures. 59 minutos.
Texto muito bom, parabéns! Interessante essa história de representações no cinema, como são justamente a realidade psicológica de um povo.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário Sofia. Apareça sempre!!
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