Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#12: Kukuli

 





Kukuli. (Peru, 1961). O primeiro filme de ficção em longa-metragem realizado no Peru em cerca de dez anos, Kukuli é uma obra pioneira sobre a cultura ameríndia e o filme mais significativo realizado  pelo Cine-Club de Cuzco. Co-dirigido por três membros do grupo - Luis Figueroa, César Villanueva e Eulogio Nishiyama - Kukuli é mais notável por sua bela e complexa fotografia em cores, creditada a Villanueva e Nishiyama. Kukuli (Judith Figueroa) é uma jovem e adorável pastora de lhamas que vive com seus avós na região andina rural de Cuzco, e vai assistir a festa de Mamacha Carmen (santa sincrética, que mistura crenças religiosas católicas e incas) na cidade de Paucartambo. Ela encontra Alaku (Victor Chambi), que a seduz, e o par entra em um julgamento servinakuy casado. Quando consultam um brujo (feitiçeiro), porém, esse prevê que haverá mortes em seus futuros. Kukuli traz consigo uma oferenda que lhe foi dada pelos avós, e sobre a influência da coca, fica presa no delírio das celebrações. Muitos foliões portam máscaras grotescas e vestem trajes carnavalescos, e Kukuli é perseguida por um homem com traje de urso. Alaku toca os sinos da igreja, mas ele é atacado e jogado da torre pelo "homem urso", que então sequestra Kukuli e a mata. Quando uma multidão do vilarejo captura o assassino e o mata, seu corpo transforma-se em urso, o Ukuku do mito andino, que captura mulheres jovens. Ao final do filme, observamos duas lhamas chegarem juntas nas belas encostas andinas, simbolicamente reunindo Kukuli e Alaku.

O diálogo de Kukuli é todo falado em quíchua, principal linguagem da região andina, apesar de que ao longo de todo o filme a voz-over do escritor peruano Sebastián Salazár Bondy narra em espanhol, completando informações não transmitidas pelo dialeto. Kukuli foi certamente o primeiro filme de ficção em longa-metragem sul-americano a empregar uma língua nativa, mas foi criticado por suas falhas técnicas, e fica evidente que os dialógos em quíchua raramente se encontram sincronizados. Também pode ser criticado pelo estilo bombástico-hollywoodiano de sua trilha, ainda que também possam ser creditados aos realizadores trechos de músicas indígenas e proporcionarem vislumbres ricos de práticas e rituais culturais, tornando Kukuli uma obra importante da etnografia quíchua. Igualmente efetuam um bom trabalho de representarem  a magia e a paixão da cultura quíchua, e a combinação de favoráveis composições filmadas e edições dinâmicas em seu retrato. Nishiyama alegou que a fotografia foi influenciada pelas pinturas de José Sabogal, o artista peruano responsável por fundar o movimento indiginesta no início do século XX. Existe muita câmera alta e baixa que revelam detalhes, algumas vezes de rostos, e frequentemente a ação que ocorre ao fundo deixa pistas para nossos olhos se moverem para a profundidade de campo, para que se observe ações que se relacionam no profundo segundo plano. Tais planos  coincidem com longos planos-sequencia, que situam cuidadosamente os personagens na vasta paisagem andina.

Ainda que se possa certamente argumentar que a abordagem a cultura quíchua em Kukuli é de alguma forma condescendente e problemática no exagero das diferenças, não aparentando uma verdadeira visão de dentro - quase todos os documentários etnográficos sofrem de tal exoticização - o filme se encontra muito a frente de seu tempo uma visão quíchua do mundo. 

texto: RIST, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield,   pp. 355-6. 



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