Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Poesia Brasileira

Serenata, Cecília Meireles

Permita que eu feche os meus olhos, pois é muito longe e tão tarde! Pensei que era apenas demora, e cantando pus-me a esperar-te. Permita que agora emudeça: que me conforme em ser sozinha. Há uma doce luz no silencio, e a dor é de origem divina. Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo, e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo

Reinvenção, Cecília Meireles

A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas… Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo… — mais nada. Mas a vida, a vida, a vida,  a vida só é possível reinventada. Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura. Não te encontro, não te alcanço… Só — no tempo equilibrada,  desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva,  fico: recebida e dada. Porque a vida, a vida, a vida,  a vida só é possível  reinventada.

Cogito, Torquato Neto

eu sou como eu sou pronome pessoal intransferível do homem que iniciei na medida do impossível eu sou como eu sou agora sem grandes segredos dantes sem novos secretos dentes nesta hora eu sou como eu sou presente desferrolhado indecente feito um pedaço de mim eu sou como sou vidente e vivo tranquilamente todas as horas do fim
Aceitarás o amor como eu o encaro ?… …Azul bem leve, um nimbo, suavemente Guarda-te a imagem, como um anteparo Contra estes móveis de banal presente. Tudo o que há de melhor e de mais raro Vive em teu corpo nu de adolescente, A perna assim jogada e o braço, o claro Olhar preso no meu, perdidamente. Não exijas mais nada. Não desejo Também mais nada, só te olhar, enquanto A realidade é simples, e isto apenas. Que grandeza… a evasão total do pejo Que nasce das imperfeições. O encanto Que nasce das adorações serenas.

Inscrição na areia, Cecília Meireles

O meu amor  não tem importância nenhuma.  Não tem o peso nem   de uma rosa de espuma!   Desfolha-se por quem?  Para quem se perfuma?  O meu amor  não tem importância nenhuma.

Bem no Fundo, Paulo Leminski

No fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto a partir desta data, aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela — silêncio perpétuo extinto por lei todo o remorso, maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais mas problemas não se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem todos a passear o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas.

Não, Mário Alex Rosa

Não. Não saio do poema de mãos lavadas, peito fechado. Saio aberto a tudo, sujo, sem mascara, do corte, do apurado – palavra ou ferida. Tudo é nítido e tudo vira manhã sem véspera e se fere ou fezes, amor ou flor, não garante o poema, mas a camisa de força que controla a sua dor.

Das Utopias, Mário Quintana

Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!

Despedida, Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquilo  que está onde as outras coisas nunca estão,  deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:  quero solidão.  Meu caminho é sem marcos nem paisagens.  E como o conheces? - me perguntarão.  - Por não ter palavras, por não ter imagens.  Nenhum inimigo e nenhum irmão.  Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.  Viajo sozinha com o meu coração.  Não ando perdida, mas desencontrada.  Levo o meu rumo na minha mão.  A memória voou da minha fronte.  Voou meu amor, minha imaginação...  Talvez eu morra antes do horizonte.  Memória, amor e o resto onde estarão?  Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.  (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!  Estandarte triste de uma estranha guerra...)  Quero solidão.

Timidez, Cecília Meireles

Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve... - mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras distantes... - palavras que não direi. Para que tu me adivinhes, entre os ventos taciturnos, apago meus pensamentos, ponho vestidos noturnos, - que amargamente inventei. E, enquanto não me descobres, os mundos vão nevegando nos ares certos do tempo até não se sabe quando... - e um dia me acabarei. Cecília Meireles

Arte de Amar, Manuel Bandeira

Arte de Amar Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua                                                                         alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. (Manuel Bandeira)

A Realidade e a Imagem, Manuel Bandeira

A Realidade e a Imagem O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva E desce refletido na poça de lama do pátio. Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as                                                                  separa, Quatro pombas passeiam. (Manuel Bandeira)