The Film Handbook#58: Luis Buñuel
Luis Buñuel
Nascimento: 22/02/1900, Calanda, Espanha
Morte: 29/07/1983, Cidade do México, México
Carreira (como diretor): 1929-77
Ateísta, marxista, freudiano, surrealista, anarquista, fetichista, satirista ou espanhol? Luis Buñuel Portoles foi tudo isso e ainda mais. Um dos maiores de todos os realizadores, Buñuel expressou uma visão de mundo unicamente pessoal através de um estilo cinematográfico notavelmente discreto, produzindo um corpo de trabalho sem paralelos em sua riqueza de sentido e sua habilidade para provocar e perturbar.
Após uma formação jesuítica, seguido por estudos numa Residencia em Madri, onde se tornou amigo de Salvador Dali e Garcia Lorca, Buñuel foi membro da vanguarda hispânica. Mudando-se para Paris, encantou-se pelos surrealistas e se tornou assistente de Jean Epstein, antes de se reunir com Dali para escrever e dirigir Um Cão Andaluz/Un Chien Andalou>1. Afastando-se da continuidade narrativa e repleto de imagens oníricas. Buñuel casualmente cortando o olho de uma mulher com uma navalha, um homem acorrentado a dois padres e um piano sobre o qual se encontram dois burros apodrecendo) esse curta e subversivo cine-poema impressionou tanto os intelectuais parisienses que A Idade do Ouro/L'Âge d'Or>2, iniciado mas não concluído em colaboração com Dali, Buñuel, com sua característica perversidade, intensifica seu ataque às sensibilidades burguesas. O filme diz respeito a um casal constantemente frustrado pela Igreja e pelas sutilezas das convenções sociais, assim como por sua própria culpa sexual. Tendo uma "trama" como essa sendo estruturada de acordo com a lógica onírica irracional do medo e do desejo, iniciando como um "documentário" sobre escorpiões e operando através de uma série de cenas sombriamente cômicas fragilmente conectadas. O clímax do filme é uma ultrajante blasfêmia, equiparando a mansa imagem de Cristo como participante de uma orgia assassina nos 120 Dias de Sodoma de Sade. Não surpreendentemente, a obra foi amplamente banida.
Após um documentário soberbo e grandemente pessoal, Las Hurdes (Terra Sem Pão) no qual observava a pobreza do nordeste espanhol não com piedade mas com mal contido desprezo pela hipocrisia e riqueza da Igreja Católica, Buñuel passou 15 anos na obscuridade, escrevendo, produzindo, dublando filmes espanhóis em Paris, Madri e nos Estados Unidos. Em 1946, mudou-se para o México onde, dentre compromissos mais convencionais, resumiu sua criatividade com uma vingança. Sua primeira obra-prima desse período prolífico, Os Esquecidos/Los Olvidados>3, foi uma resposta brutal ao comentário sentimental social do neo-realismo. Retratando os apuros de delinquentes nas favelas da Cidade do México, reconhecia os efeitos de um ambiente atroz, mas se recusava a glamorizar seus heróis-vítimas: a gangue atormenta um pedinte cego, ele próprio um astuto pedófilo, enquanto em sonhos freudianos o mais "inocente" dos rapazes luta com um amigo pelos agrados sexuais da mãe.
Filme após filme, o ódio de Buñuel da Igreja e da burguesia foi expressa em criativos e engenhosos melodramas que focavam em temas como o da paranoia masculina, repressão sexual, impotência e hipocrisia da classe média. Em O Alucinado/El >4 um respeitável pedólatra, fiel da igreja, torna-se tão enciumado da infidelidade (inexistente) de sua esposa que, enquanto ela dorme, entra em seu quarto armado com uma corda, tesoura, agulha e um fio; em Ensaio de um Crime/Ensayo de un Crimen, seu pateticamente inseguro herói fantasia assassinar mulheres para assegurar sua superioridade mas termina por incendiar manequins; em Viridiana>5 - que o governo espanhol convidou Buñuel a realizar em seu país natal, somente para banir o filme, os atos de caridade auto-emuladores de uma freira tem como clímax um banquete que ela oferece aos mendigos, que se torna uma paródia obscenamente orgiástica da Última Ceia. Somente Nazarín acompanha um personagem que merece o completo apoio de Buñuel e ele, um padre modesto tentando seguir os ensinamentos de Cristo em uma terra infectada pelo pecado, pobreza, corrupção e ingratidão, é excomungado pela Igreja.
Um não de todo obscuro objeto do desejo no surreal, escandaloso e ainda chocante Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí |
Embora Buñuel frequentemente proporcione o acesso aos desejos inconscientes de seus personagens em termos visuais, ele nunca recorreu a trucagens de câmera e virtuosidade técnica; de fato, sua sofisticada, detalhista e raramente móvel câmera acentua a clareza de seu pensamento. Em O Anjo Exterminador/El Ángel Exterminador>6, numa festa com ricos convidados os observa como estranhamente incapazes de abandonar o salão de seu anfitrião; enquanto a respeitabilidade superficial dos convidados dá lugar a um comportamento crescentemente "não civilizado" e agressivo, Buñuel nunca racionaliza sua situação nem explica a presença de um urso do outro lado da porta aberta. A paralisia espiritual dos sofisticados significa somente sua ineficácia moral.
Nos anos 60, a reputação de Buñuel como um artista maior do cinema estava assegurada, e ele passou a produções mais polidas, sobretudo na França. Astros estabelecidos e fotografia em cores foram evidências de seu status crescente, embora ele tenha permanecido fiel a sua visão anárquica. Em A Bela da Tarde/La Belle de Jour>7, ele, de forma radiosa, faz uso de uma glamorosa Catherine Deneauve como uma dona de casa masoquista de classe média que se torna prostituta à tarde; O Estranho Caminho de São Thiago/La Voie Lactée foi seu ataque mais vigoroso ao caráter opressor absurdo do dogma religioso; o retrato sardônico da hipocrisia liberal de Tristana possuía um protótipo da respeitabilidade burguesa seduzindo sem piedade sua protegida. Porém Buñuel foi mais subversivamente divertido em O Discreto Charme da Burguesia/La Charme Discret de la Burgeoisie>8 (no qual as refeições organizadas por um grupo de gastrônomos ricos são sucessivamente interrompidas e abandonadas) e O Fantasma da Liberdade/Le Fantôme de la Liberté, ambos fazendo um uso tentador de narrativas fragmentadas - sonhos dentro de sonhos, contos dentro de contos incompletos - com efeito espetacularmente desorientador. O surrealismo fácil e nada forçado desses filmes, não fazendo distinção entre realidade e fantasia, consciente e inconsciente, foi um retorno glorioso à liberdade narrativa e irracionalidade da obra inicial do diretor. De fato, em seu último filme, Esse Obscuro Objeto do Desejo/Cet Obscur Objet du Désir>9, sua originalidade e ardor foram tão fortes quanto sempre: a jovem que continua a frustrar os desejos de um envelhecido libertino é interpretada, de forma inspirada, por duas atrizes; enquanto tanto o filme quanto a carreira de Buñuel terminavam, de forma apropriada, com uma bomba terrorista.
As próprias táticas de guerrilha de Buñuel foram sustentadas ao longo de sua longa e notável carreira; nunca cedendo às demandas da moda, travando uma batalha infinita de um homem só contra todas as formas de hipocrisia, injustiça e opressão, usando como armas sagacidade e imagens surreais nunca gratuitas ou amorais. Não é surpreendente que seus filmes retenham um poder capaz ainda de perturbar, chocar, ofender e provocar.
Cronologia
A sátira social anti-clerical possui suas raízes no romance picaresco espanhol, seu interesse no inconsciente no Surrealismo. Vigo, Renoir, os Irmãos Marx foram semelhantemente subversivos; enquanto Saura, Blier, Bertolucci, Borowczyk, Luis Berlanga e Jan Svankmajer, dentre muitos outros, revelam sua influência e/ou admitiram uma grande admiração por sua obra.
Destaques
1. Um Cão Andaluz, França, 1928 c/Luis Buñuel, Pierre Batcheff, Simone Mareuil
2. A Idade do Ouro, França, 1930 c/Gaston Modot, Lya Lys, Max Ernst
3. Os Esquecidos, México, 1950 c/Alfonso Mejia, Roberto Cobo, Estela Inda
4. O Alucinado, México, 1952, c/Arturo de Córdova, Delia Garces, Luis Beristein
5. Viridiana, Espanha, 1961 c/Silvia Pinal, Fernando Rey, Francisco Rabal
6. O Anjo Exterminador, Mèxico, 1962 c/Silvia Pinal, Enrique Rabal, Jacqueline Andere
7. A Bela da Tarde, França, 1966, Catherine Deneauve, Jean Sorel, Michel Piccoli
8. O Discreto Charme da Burguesia, França, 1972, c/Fernando Rey. Stéphane Audran, Delphine Seyrig
9. Esse Obscuro Objeto do Desejo, França, 1977, c/Fernando Rey, Angela Molina, Carole Bouquet
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 40-2.
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