Filme do Dia: O Advogado do Diabo (1997), Taylor Hackford
O Advogado do Diabo (The Devil’s Advocate, EUA, 1997)
Direção: Taylor Hackford. Rot.Adaptado: Jonatham Lamkin&Tony Gilroy,
baseado no romance de Andrew Heiderman. Fotografia:
Andrzej Bartkowiak. Música: James Newton Howard. Montagem: Mark Warner. Com:
Keanu Reeves, Al Pacino, Charlize Theron, Jeffrey Jones, Judith Ivey, Connie
Nielsen, Heather Matarazzo.
Kevin Lomax (Reeves), ganha fama em
Gainsville, Flórida, ao conseguir inocentar professor que praticamente era dado
como condenado de sevícias sexuais com suas alunas. Quando comemora a vitória
do caso em uma discoteca é abordado por um homem que o convida para trabalhar
em Nova York. Sua mãe (Ivey) o desaconselha, comparando a cidade à Babilônia,
mas tanto Kevin quanto sua esposa, Mary Ann (Theron), se animam com a quantia
que irá receber. Após se instalar em apartamento na cidade, é apresentado ao
seu chefe, John Milton (Pacino), dono de uma misteriosa corporação
especializada em conseguir a impunidade para os mais diversos tipos de
criminosos. Apresentados a uma festa onde se encontra boa parte da nata da
sociedade nova-iorquina, Mary Ann se torna cada vez mais incomodada com a
obsessão de Kevin pelo trabalho. Nem o luxuoso apartamento que passam a morar,
no mesmo edifício de Milton, nem a escalação de Kevin para ser o advogado de
defesa do crime mais badalado da cidade, conseguem convencer a crescente apatia
e indiferença de Mary Ann, que se certifica de que devem voltar à sua cidade natal
quando, experimentando roupas com duas amigas do círculo de Milton, consegue
visualizar uma figura demoníaca em uma delas. Cada vez mais pressionado com o
caso em que se encontra envolvido, Kevin é abordado abruptamente quando passeia
pela rua por Eddie Barzoon (Jones), que furioso reclama ao saber que agora
Kevin se tornara sócio principal da empresa, ocupando o lugar que fora seu,
fato que ele ainda desconhecia. Kevin comenta o fato com Milton e Barzoon é
assassinado pouco tempo depois quando fazia cooper. A essa altura Mary Ann se
encontra à beira da loucura, vitimada por visões como a de uma criança que
encontra a noite em seu apartamento e que segura vísceras, enquanto ela percebe
seu ventre encharcado de sangue. Interrogado por Milton se não pretende passar
o caso para outro advogado, Kevin diz que pretende ir até o fim, para somente
após cuidar de Mary Ann. Internada na ala psiquiátrica de um hospital, Mary Ann
comete o suicídio, enquanto Kevin se encontra a ponto de enlouquecer com tantas
pressões: sua mãe, recém-chegada, conta-lhe que seu pai fora um garçom que
conhecera em uma viagem a Nova York na década de 60, e que se aproveitara de
sua fragilidade, que ela reconhecera na figura de Milton; a notícia de que o
professor que absolvera cometera um crime. Kevin tem um confronto final com
Milton, onde este o acusa de ter sido responsável pela morte de sua esposa,
fazendo com que ele se depare com sua principal fraqueza - a vaidade - já que
lhe concedera o livre arbítrio entre decidir por cuidar de sua esposa ou
continuar com o caso, da mesma forma que fizera com a mãe de Kevin. Instado à
gerar descendentes para continuar a linhagem diabólica de Milton, com sua
própria meia-irmã, Kevin na hora do ato
sexual decide pelo livre arbítrio de se suicidar quebrando com todo o efeito
demoníaco e retornando ao banheiro do tribunal onde está para ser decidido o
caso do professor. Renuncia a continuar com a defesa do cliente, para a
estranheza de todos os presentes. Quando se retira, interpelado por um repórter
que pretende que ele ceda uma entrevista para um dos mais famosos programas da
televisão, Kevin titubeia, mas pede que ele se encontre com ele no dia
seguinte. Quando ele se afasta o repórter se transforma em John Milton, que
admoesta sobre uma das maiores fraquezas humanas: a vaidade.
Inteligente e
original fábula moral que engenhosamente adapta o universo moral de longa
tradição da lenda faustiana à sociedade contemporânea, realizando ao mesmo
tempo um divertido entretenimento e uma narrativa passível de reflexões
complexas, como as referentes a união entre religiosidade e sexualidade como
fonte de neuroses, culpa e também valores éticos ( a cena em que Mary Ann abre
o cobertor e se mostra nua e com marcas de seu contato carnal com Milton, em
plena igreja, é uma das mais fortes do filme). O filme é recheado de diálogos
sagazes, como o que Milton explica a Kevin os motivos que o levaram a se
interessar primordialmente pela instituição judiciária: ela substitui no mundo
moderno o papel que antes fora da Igreja, como reguladora-mor das relações
sociais e, portanto, grandemente estratégica. Utilizando-se magistralmente das
locações em Nova York, que passa a ser uma coadjuvante da trama, o filme só
escorrega na fraca direção de atores (tanto Reeves quanto Theron são
extremamente fracos), que chega quase a comprometer a credibilidade da trama,
com exceções para Jones e,
principalmente, a magistral interpretação de Pacino. A engenhosidade do roteiro
dispensaria até mesmo os efeitos especiais que, no entanto, foram utilizados de
uma forma discreta que não chega a comprometer a prioridade do suspense
psicológico. Filme bem acima da média produzida em Hollywood no momento, não se
dobrando totalmente ao impositivo happy end, uma das fraquezas de Titanic, apresentando um final
deliciosamente ambíguo. Referências constantes ao clássico O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski, seja no relacionamento
familiar beirando o incestuoso dos membros da corporação, seja na seqüência em
o casal se muda para o novo apartamento, entre outras. Associações, ainda que
indiretas e subliminares, podem ser traçadas com A Sombra de uma Dúvida (1945) de Hitchcock, como seu cínico
desvelamento de toda a série de hipocrisias que sustentam subterraneamente a
sociedade. Referência óbvia ao autor de Paraíso
Perdido no personagem vivido por Pacino. Warner. 138 min.
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