Filme do Dia: Nós Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos (1999), Marcelo Masagão
Nós que Aqui Estamos, Por Vós
Esperamos (Brasil, 1999). Direção e Rot. Original: Marcelo Masagão.
Partindo do
pórtico-título, que ornamenta um cemitério paulista, visualizado no final do
filme, o cineasta nos convida para uma viagem sobre uma extensa compilação de
imagens do século, com destaque especial para cenas de carnificinas célebres
como as guerras mundiais e a Guerra do Vietnã, assim como a contraposição entre
figuras célebres e ilustres desconhecidos.
Curiosamente, os últimos são personagens criados ficticiamente pelo
cineasta – também roteirista, a partir tanto de imagens de arquivo de filmes
clássicos como um documentário de Dziga Vertov e Berlim, Sinfonia de uma Metrópole (1927), de Walter Ruttman. Assim
o filme abre espaço tanto para imagens e frases brilhantes de nomes como
Nijinsky, Freud e Maiakovski, quanto para o ilustre desconhecido que apertou
milhões de parafusos em uma fábrica da Renault na França ou o operário que
trabalhou intérprido na construção de arranha-céus nova-iorquinos. É justamente
essa mescla entre ficção e realidade que pode ser apontado como a maior força
do filme, seguindo uma vertente exploratória que recentemente resolveu
abandonar as compartimentalizações sacramentadas entre esses dois pólos, que
pode ser percebido em filmes tão diversos quanto Aprile (1998), de Nanni Moretti ou A Maçã (1998), de Samira Makhmalbaf. Da mesma forma, certas
imagens traduzem uma beleza e uma plenitude que transcende, muitas vezes, o
limitado uso de que acabam sendo vítimas. Por outro lado, a principal fraqueza
talvez seja o maniqueísmo fácil com que trata a história e alguns de seus mitos
– demonizando caricatamente Hitler e Stálin em uma frente, e canonizando
Gandhi, Che Guevara, Martin Luther King, Lennon e Timothy Leary em outra,
utilizando como ponte para a última o célebre Viagem à Lua (1902) de Méliès, numa passagem grotesca pela
simploriedade estilo O Pensamento Vivo de..., sem a desculpa do caráter
introdutório a leituras mais sólidas que a famosa coleção possuía.
Utilizando-se de imagens por vezes demasiado batidas, daqueles que poderiam ser
enquadrados como obrigatórias em qualquer retrospectiva do século que primassse
por um caráter sobretudo emocional, como a imagem do estudante chinês que
enfrenta corajosamente os tanques na Praça da Paz Celestial – somando ao fato,
a falta de cuidado do cineasta com a discrepância da idade fictícia de seu
professor de literatura, aficcionado de Baudelaire, com o jovem estudante que
vemos. Ao explorar imagens potencialmente divertidas, por outro lado, como a da
queima de sutiãs por um grupo de feministas americanas nos anos 70 ou da
inserção dos eletrodomésticos na família americana, o filme provoca mais um momento de contato fácil com a platéia
a quem é previsivelmente dirigido, transformando mais uma vez a travessia por
um século tão complexo como o nosso menos próxima de Hobsbawn e,
principalmente, Freud, inspirações alegadas por Masagão nos créditos finais,
que de uma certa postura light de um
telejornalismo pouco afeito a uma visão mais densa do mundo. MacArthur
Fundation/Agencia Observatorio. 73 minutos.
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