O Dicionário Biográfico de Cinema#209: Delphine Seyrig

 


Delphine Seyrig (1932-90), Beirute, Líbano

Quão bela foi Delphine Seyrig? O que ela parecia? Foi ela, inaudível, observada à distância, em 1967, em Accident [Estranho Acidente]? Por que tão fascinante atriz restringiu tanto seu trabalho no cinema? Por que sabia que a memória viceja melhor em fragmentos?

Sua carreira hesitante e desconexa - pontas aqui, intensidade inovadora e extraordinária lá - é parte da calma abstrata a se debruçar sobre ela. Foi incapaz de investir em pequenos gestos com um enorme trem imaginário. Como afirmou de si própria: 

Tive que criar uma inteira história passada para ela/eu (uma personagem). Se ninguém providenciou, eu a criei para mim. Inventei-a. Não posso trabalhar de outra forma. O ato de mover, digamos, um cigarro acesso, não me interessa em si próprio; o que me interessa é como movê-lo, como o personagem o faria. Penso que a razão real que se ama interpretar reside nesta concepção do gesto, no limite da personalidade. Penso que mesmo atores que não admitem, na verdade, interpretam muito mais que o texto e os movimentos necessários. Eles agem porque estão inventando uma personagem. E quando se inventa uma personagem, não se inventa ela aos 35 ou 70 anos; faz-se ela chegar lá. Cria-se um passado para ela. 

Enquanto trabalhava em Nova York, apareceu como esposa de Larry Rivers em Pull My Daisy (58, Robert Frank). Mas seu primeiro papel maior foi como a mulher em O Ano Passado em Marienbad (61, Alain Resnais), o instrumento do sentimento, através do qual a ideia de passado é trazida para apoiar o presente. Este filme terrível é sustentado pela graça de seus sentimentos e o estado de alerta de suas expressões: uma atriz mais banal ou menos engenhosa poderia nunca ter carregado a atenção constante, mas não específica. Muriel (63, Resnais) foi além do exercício formal e permitiu a Seyrig criar uma das mulheres mais angustiadas e ternas das telas. Como as notas para o roteiro de Jean Cayrol esclarecem, o papel de Hélène foi uma corporificação do passado, presente e futuro, um cadinho de experiências. Seyrig surpreendentemente se modificou para cumprir estas requisições:

A figura de Hélène é ainda jovem, mas sua face podia ser mais dinâmica. De fato, ela poderia passar por uma mulher pouco experiente de 20 anos ou alguém de 45 anos, em que a preocupação e o cansaço deixaram suas marcas. Manteve seu cabelo natural e não pintado. E o vento pode brincar com seu cabelo continuamente, o que lhe deu uma vida por si própria, como as mudanças na sua face.

Sua expressão é direta. Pode ser muito fixa, como se olhasse para outra coisa através das pessoas a sua frente. Mas ao mesmo tempo seu olhar pode ser desconfortável. Tem-se a impressão que seus olhos se tornam como de alguém que é  louca.

Nada do que fez depois de Muriel foi tão compreensível, mas muito de sua criação inicial se disseminou de forma útil em La Musica (67, Marguerite Duras e Paul Seban); Estranho Acidente (67, Joseph Losey), onde sua breve ligação com Dirk Bogarde, sem som direto é - contrário às intenções de Losey - mais intrigante que qualquer coisa no filme; Mr. Freedon [Sr. Liberdade] (68, William Klein); Beijos Roubados (68, François Truffaut), onde sua interpretação resfolegante da cena de sedução foi auxiliada pela medida prática de subir correndo dois andares de escadas imediatamente antes; La Voie Lactée [O Estranho Caminho de São Tiago] (68, Luis Buñuel); uma lady Drácula em Daughters of Darkness [As Filhas de Drácula] (70, Harry Kumel); Pele de Asno (70, Jacques Demy), como uma sofisticada fada madrinha; como uma senhora arejada e feliz em sucessivos jantares frustrados em O Discreto Charme da Burguesia (72, Buñuel), que susta os avanços de seu amante por conta de "suas cicatrizes"; como Christine Linde em A Doll's House [Casa de Bonecas] (73, Losey); The Day of the Jackal [O Dia do Chacal] (73, Fred Zinnemann); e The Black Windmill [O Moinho Negro] (74, Don Siegel).

Sua simples presença, ao mesmo tempo declamatória e misteriosa e seu relacionamento com Marguerite Duras, manteve os níveis do noveau roman e desfile de moda em India Song (75). Mas foi mais real e desembaraçada no muito exigente Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce - 1080 Bruxelles [Jeane Dielman] (75, Chantal Akerman). Sua classe permaneceu tão extraordinária, como se por causa de uma permanente reticência: Aloïse (75, Liliane de Kermadec); Le Jardin qui Bascule (75, Guy Gilles).

Ela dirigiu um filme, Sois Belle et Tais-Toi (77), e apareceu em Vera Baxter (77, Duras); Le Chemin Perdu (80, Patricia Moraz); Chère Inconnue (80, Moshe Mizrahi); Dorian Gray im Spiegel der Boulevard Presse [Dorian Gray in the Mirror of the Yellow Press] (84, Ulrike Ottinger); Golden Eighties [Anos Dourados] (86, Akerman); Letters Home (86, Akerman); Joana d'Arc da Mongólia (89, Ottinger).

Texto: Thomson, David. The New Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2425-28. 

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