O Dicionário Biográfico de Cinema#194: Catherine Deneauve

 


Catherine Deneauve (Catherine Dorléac), n. Paris, 1943

Ela é a irmã mais nova de Françoise Dorléac (1942-67). Estava assistindo um programa de TV sobre Buñuel com um amigo, quando apresentou um clipe de Buñuel dirigindo uma cena para La Belle de Jour [A Bela da Tarde] (67). Era uma cena de praia, na qual Catherine Deneauve está amarrada a um poste, com um longo vestido branco que deixa os braços nus. Buñuel supervisionava o modo como a lama seria jogada em Deneuve e, enquanto uma imundície semelhante a estrume salpicava sobre ela, ambos riam juntos. "Como uma mulher pode fazer este tipo de coisa para viver?" indagou meu amigo. Ao que eu repliquei: "Exatamente do mesmo modo que uma burguesa, em sua casa de bom gosto, pode sonhar em ser uma meretriz."

Atuação e cinema liberam fantasias e Deneauve é uma atriz fantástica, sua beleza um receptáculo para qualquer imaginação, talvez a melhor loira impassível, sugerindo insinuações de depravação. Em sua melhor obra, merece um local entre as mulheres mais encantadoras do cinema, infantil, reservada, uma noviça a caminho do bordel. Naturalmente, Buñuel é o mestre do desvelamento da potência imaginativa dos pratos da moda burguesa; o fotógrafo David Bailey pode ter casado com Deneuave, mas foi Buñuel que a revelou. Daí, a sensualidade visual de A Bela da Tarde e Tristana estar impregnada da loira. E foi Buñuel, nos dois filmes, que mostrou que Deneauve era uma das poucas atrizes que podia ser transformada por um toque ou um pensamento. Em A Bela da Tarde ela se move, em questão de segundos, de virgem ameaçada para voluptuosa. E, em Tristana, é o auge de sua arte da ingenuidade, de rabo de cavalo e boina, e a mulher de vermelho na sacada, que condescede a se exibir para o garoto. 

Começou na sua adolescência e tem trabalhado duro desde então: Les Portes Claquent (60, Jacques Poitrenaud/Michel Sermaud); no episódio "Sophie" de Les Parisiennes [As Parisienses] (61, Marc Allégret), no qual conheceu Roger Vadim. Teve um filho com Vadim, mas nunca se casou com ele e provou ser uma mulher mais profunda do que foi usada para: Et Satam Conduit le Bal [Satã Conduz o Baile (62, Grisha M. Dabat); La Vice et la Vertu [Vício e Virtude] (62, Vadim), baseado em Justine, de Sade; Vacances Portugaises [Férias Portuguesas] (63, Pierre Kast); em "L'Homme qui Vendit la Tour Eiffel", episódio de Le Plus Belles Escroqueries du Monde [Os Maiores Vigaristas do Mundo] (63, Claude Chabrol); La Chasse à L'Homme [A Caça ao Homem] (64, Éduard Molinaro); Un Monsieur de Compagnie [O Irresistível Gozador] (64, Philippe de Broca); Les Parapluies de Cherbourg [Os Guarda-Chuvas do Amor] (64, Jacques Demy); como a garota que enlouquece em um apartamento de Kensington em Repulsion [Repulsa ao Sexo] (65, Roman Polanski); Das Liebenkarussell [No Amor...Vale Tudo] (65, Rolf Thiele); La Vie de Château [A Farsa do Amor e da Guerra] (65, Jean-Paul Rappeneau); Le Chant du Monde [O Canto do Mundo] (65, Marcel Camus); Les Créatures [As Criaturas] (66, Agnès Varda); com sua irmã em Les Demoiselles de Rochefort [Duas Garotas Românticas] (66, Demy); Le Dimanche de la Vie (66, Jean Herman); Benjamin [Benjamin, o Despertar de um Jovem Inocente] (67, Michel Deville); Manon 70 (68, Jean Aurel); La Chamade [A Chamada do Amor] (68, Alain Cavalier); foi para os Estados Unidos, contracenar com Jack Lemmon em The April Fools [Um Dia em Duas Vidas] (69, Stuart Rosenberg); Mayerling (69, Terence Young); como a femme fatale em La Sirène du Mississippi [A Sereia do Mississippi] (69, François Truffaut); Peau d'Âne [Pele de Asno] (70, Demy); Ça n'Arrive Qu'aux Otres [Tempo de Amor] (71, Nadine Trintignant); Un Flic [Expresso para Bordeaux] (72, Jean-Pierre Melville); e L'événement le Plus Important Depuis que l'Homme a Marché sur la Lune [Um Homem em Estado...Interessante] (73, Demy).

Na América, anunciando perfume e carros caros, tornou-se a epítome da beleza de classe e do romance vendável. Esta aura de glamour endinheirado foi vital para sua garota de programa em Hustle [Crime e Paixão] (75, Robert Aldrich). Também fez L'Agression [A Agressão] (75, Gérard Pirès); Le Sauvage (*) [O Selvagem] (75, Rappeneau); Anima Persa [Almas Perdidas] (76, Dino Risi); La Grande Bourgeosie [A Grande Burguesia] (77, Mauro Bolognini) (**); March or Die [Marcha ou Morre] (77, Dick Richards); Coup de Foudre (77, Robert Enrico) (***); L'Argent des Outres (78, Christian de Chalonge); Ecoute Voir... (78, Hugo Santiago); e Ils Sont Grand Ces Petits (79, Joel Santoni).

Aos 40 anos, Deneauve era mais conhecida fora da França em propagandas de cosméticos que filmes. Somente raras vezes internacional, mas na França, e em Cannes, em especial, foi uma imperatriz, mais pesada talvez com a passagem dos anos, mas ainda impassível e intensa: À Nous Deux [A Nós Dois] (79, Claude Lelouch); Courage, Fouyons (80, Yves Robert); obtendo um grande sucesso, com Gerard Depardieu em Le Dernier Métro [O Último Metrô] (Truffaut, 80); Je Vous Aime (80, Claude Berri); Le Choix des Armes [A Escolha das Armas] (81, Alain Corneau); Reporters (81, Raymond Depardon); Hôtel des Ameriques [Hotel das Américas] (81, André Téchiné); Le Choc (82, Robin Davis); L'Africain (82, Philippe de Broca); The Hunger [Fome de Amor] (83, Tony Scott); Le Blon Plaisir (83, Francis Girod); Fort Saganne [Forte Saganne] (84, Corneau); Paroles et Musique [Letra e Música] (84, Elie Chouraqui); Speriamo che Sia Fammina [Tomara Que Seja Mulher] (85, Mario Monicelli); Le Lieu du Crime [A Cena do Crime] (86, Téchiné); Drôle d'Entroit pour une Rencontre [Um Lugar Estranho Para um Encontro] (88, Frances Dupeyron); Fréquence Meurtre (88, Elizabeth Rappeneau); Terres Jaunes (****) (89, Régis Wargnier); La Reine Blanche (91, Jean-Loup Hubert); e, um retorno emocionante, em Indochine [Indochina] (92, Wargnier); Ma Saison Préférée [Minha Estação Preferida] (93, Téchiné), também estrelado por sua filha (de Marcello Mastroianni), Chiara Deneauve.

Ela ainda é a atriz principal, muito bela, mas um pouco diluída. É a perda da juventude, naturalmente. Parece uma bela dama agora, alguém que atenuou os fascinantes contrastes, que um dia a tornaram um fenômeno: La Partie d'Echecs (94, Yves Hanchar); O Convento (95, Manoel de Oliveira); Les Voleurs [Os Ladrões] (96, Téchiné); L'Inconnu (96, Pierre Montazel) (*****); Généalogies d'Un Crime [Genealogias de um Crime] (97, Raul Ruiz); Place Vendôme (98, Nicole Garcia); Le Vent de la Nuit [O Vento da Noite] (99, Philippe Garrel); Belle Maman (99, Gabriel Aghion); Pola X (99, Leos Carax); Le Temps Retrouvé [O Tempo Redescoberto] (99, Ruiz); Est-Ouest [Leste/Oeste - O Amor no Exílio] (99, Wargnier); Dancer in the Dark [Dançando no Escuro] (00, Lars Von Trier); The Musketeer [A Vingança do Mosqueteiro] (01, Peter Hyams); Le Petit Poucet (01, Olivier Dahan); Ja Rentre à la Maison [Vou Para Casa] (01, Oliveira); 8 Femmes [8 Mulheres] (02, François Ozon); Au Plus Près du Paradis (02, Tonie Marshall); na TV, como Marquesa de Merteuil em Les Liasons Dangereuses [Ligações Perigosas] (03, Josée Dayan); Um Filme Falado (03, Oliveira); Marie Bonaparte****** (04, Benoît Jacquot).

Com mais e mais TV, ela se estabeleceu: Rois et Reine [Reis e Rainha] (04, Arnaud Desplechin); Les Temps Qui Changent [Tempos que Mudam] (04, Téchiné); Palais Royal (05, Valerie Lemercier); Le Concile de Pierre [O Ritual da Pedra] (06, Guillaume Niclaux); Le Héros de la Famille [Segredos de Cabaré] (06, Thierry Klifa); Aprés Lui [Perigosa Obsessão] (07, Gaël Morel); Fhrüstück mit Einer Unbekannten (07, Maria von Heland); Un Conte de Noël [Um Conto de Natal] (08, Desplechin); no Líbano para Je Veux Voir (08, Joana Handjthomas e Khalil Joreige); Mes Stars et Moi [My Stars] (08, Laetitia Colombani); La Fille du RER [The Girl on the Train] (09, Téchiné); Mères et Filles [Diário Perdido] (09, Julie Lopes-Curval); Potiche [Potiche - Esposa Troféu] (10, Ozon); L'Homme Qui Voulait Vivre sa Vie [Em Busca de uma Nova Vida] (10, Eric Larigau); Les Yeux de Sa Mère (11, Klifa); Les Bien-Aimés [Bem Amadas] (11, Cristophe Honoré); Catarina, a Grande em O Theos Agapaei to Haviari [God Loves Caviar] (12, Yannis Smaragdis); Elle S'en Va [Ela Vai] (13, Emanuelle Bercot).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 689-92. 

(*) N. do E: Grafado incorretamente no original, como Les Sauvages.

(**) N.do E: A referência no IMDB é desta produção ser de 1974.

(***) N. do E: não há referências à esta produção no IMDB. 

(****) N. do E: Não consta na filmografia do IMDB. 

(*****) N. do E: idem; com o acréscimo de que Montazel consta como falecido em 1975.

(******) N. do E: no IMDB série de tv intitulada Princesse Marie

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar