Filme do Dia: Viridiana (1961), Luis Buñuel

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Viridiana (Viridiana, Espanha, 1961) Direção: Luis Buñuel. Rot. Original: Julio Alejandro de Castro&Luis Buñuel. Fotografia: José F. Aguayo. Música: Gustavo Pitaluga. Montagem:  Pedro del Rey. Com: Silvia Pinal, Francisco Rabal, Fernando Rey, José Calvo, Margarita Lozano, José Manuel Martín, Victoria Zinny, Luis Heredia, Joaquín Roa, Lola Gaos, Maruju Isbert, Teresa Rabal, Claudio Brook.
Viridiana (Pinal), em vias de fazer seus votos de freira e se isolar do mundo exterior, recebe uma recomendação de uma superiora sua para que visite antes o único parente que lhe resta, seu tio Don Jaime (Rey), que tem sido seu tutor financeiro. Embora relutante, Viridiana vai quase forçosamente. Logo ao se encontrarem, Dom Jaime imediatamente adivinha que ela viera contra sua vontade e Viridiana concorda, afirmando que embora ele a tenha suprido materialmente nunca lhe demonstrara o menor afeto. Dom Jaime concorda e faz de tudo para aproximar-se dela. Sentindo-se fortemente obcecado por sua semelhança física com sua falecida esposa, fomenta  um plano com sua fiel criada Ramona (Lozano). Certa noite, Dom Jaime pede que Ramona ponha sedativo no café de Viridiana e a leva para o quarto, apalpando-lhe os seios e admirando-lhe a beleza. Já que Dom Jaime não cria coragem para revelar nada a Viridiana, Ramona afirma que ele pretende casar-se com ela. Essa reage negativamente e decide se retirar. Dom Jaime afirma então que abusou dela na noite anterior, que agora não mais poderá ser freira. Revoltada, Viridiana se afasta do tio. Porém, este sentindo-se rejeitado, suicida-se. Não mais disposta a retornar ao convento, mesmo após a insistente visita de sua superiora, Viridiana transforma a fazenda de Dom Jaime em um local de asilo para mendicantes. Seu primo Jorge (Rabal), filho de Dom Jaime, também passa a morar na fazenda e se revolta com sua beatice. Embora possua uma companheira, Lucia (Zinny), que afirma que ele deve respeitar a individualidade de Viridiana, encontra-se furtivamente com Ramona. Cada vez mais voltada para suas obras assistenciais, Viridiana não permite que o grupo de mendigos que acolhe dispense um deles sob suspeita de lepra. Porém, quando ela e outros empregados partem para uma viagem e deixam a fazenda sob a direção do líder dos mendigos, uma verdadeira orgia catártica acontece, que chega ao seu clímax em um banquete de mendigos e, com o retorno dos proprietários, com o espancamento de Jorge e a tentativa de estupro de Viridiana, por um de seus protegidos. Após toda a confusão, Viridiana sente-se completamente desorientada e quando vai visitar o seu primo Jorge, com intenções de conquistá-lo, encontra-o jogando cartas com Ramona. Ela é convidada a jogar cartas com eles.
Uma das mais devastadoramente corrosivas sátiras à ordem burguesa e seus valores - a religião, em especial - que o cinema já produziu. A referência-mor que Viridiana possuía da moral burguesa era a da perversão e ambiguidade na figura de seu tio, da qual procurou refugiar-se no seu ingresso ao convento e na fé cristã radical (afinal fica patente que ela teme lidar com seus próprios desejos e perversões, como quando vai ordenhar uma vaca e se recusa a apertar seu mamilos com força, já que para ela eles lhe parecem obscenamente semelhantes a um pênis). Passa então a se relacionar com os pobres, vendo eles como objetos idealizados e ideais para sua ação cristã. Porém quando os percebe de carne-e-osso tal e qual as pessoas do ambiente burguês que se recusara a conviver - o banquete final, a tentativa de estupro, o humilhante jogo de cartas em que terá que lidar com Ramona como um ser humano e vice-versa - talvez com a única diferença de não se utilizarem da sutileza e dos subterfúgios que mascaram a ação burguesa, desorienta-se por completo. Mesmo com enredo bem diverso, aproxima-se bastante de O Anjo Exterminador (1962), ainda que aqui a catarse que se acerca da bestialidade coletiva seja vivida pelo lumpem-proletariado e não pela alta burguesia. Ao contrário do amor burguês, interdito que valoriza a respeitabilidade e a lança no silêncio da privacidade dos quartos (a tentativa de sedução sexual de Viridiana por seu tio, os encontros furtivos de Jorge e Ramona), o amor dos mendigos explode como sexualidade pura e assumida animalidade (o casal de mendigos na sala, que não se preocupa que os outros observem seu ato). Destaque para Fernando Rey, que vive o protótipo do personagem masculino sexualmente obcecado que reencarnaria em outras obras de Buñuel como Tristana (1970) e Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977). O apalpar erótico e selvagem dos seios de Viridiana sedada evoca tanto Um Cão Andaluz (1927) quanto Esse Obscuro Objeto do Desejo. Entre os momentos mais acerbadamente anti-clericais se encontram o do crucifixo que apresenta sua real face quando manipulado: uma navalha. Por outro lado há um tom cristão com sinal invertido, que descobre o sagrado no mais profundamente profano (como na representação de Maria encarnada em uma perturbada mental em O Amor de Rossellini), na seqüência que os mendigos se configuram, na mesa do banquete, tal e qual os apóstolos na última ceia. Essa seqüência, em especial,  é uma das mais delirantemente anárquicas e subversivas do cinema. Tudo sem maiores apelos a recursos estilísticos ou formais no plano da narrativa cinematográfica. Filmado na Espanha franquista a convite do próprio governo (que logo o censuraria), após um longo período do cineasta no exterior. Unici. 90 minutos.

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