O Dicionário Biográfico de Cinema#286: Fritz Lang



Fritz Lang (1890-1976), n. Viena

1919: Halbblut [The Halfbreed]; Der Herr der Liebe [Mestre do Amor]; Die Spinnen, 1. Teil - Der Goldene See [As Aranhas]; Harakiri. 1920: Die Spinnen, 2. Teil - Das Brillanteschiff [As Aranhas - Parte 2]; Vier um die Frau [Corações em Luta]; 1921: Der Müde Tod [A Morte Cansada]. 1922: Dr. Mabuse der Spieler, partes I e II [Dr. Mabuse, o Jogador - Parte I e II]. 1924: Die Nibelungen, Part I: Siegfried; Part II: Kriemhilds Rache [Os Nibelungos, Parte I: A Morte de Siegfried; Parte II: A Vingança de Krimhild. 1927: Metropolis. 1928: Spione [Os Espiões]. 1929: Frau im Mond [A Mulher na Lua]. 1931: M [M - O Vampiro de Dusseldorf]. 1932: Das Testament des Dr. Mabuse [O Testamento do Dr. Mabuse]. 1933: Liliom [Coração Vadio]. 1936: Fury [Fúria]. 1937: You Only Live Once [Vive-se uma Só Vez]. 1938: You and Me [Casamento Proibido]. 1940: The Return of Frank James [A Volta de Frank James]. 1941: Western Union [Conquistadores]; Man Hunt [O Homem que Quis Matar Hitler]. 1943: Hangmen Also Die! [Os Carrascos Também Morrem]. 1944:  The Woman in the Window [Um Retrato de Mulher]; Ministry of Fear [Quando Desceram as Trevas]. 1945: Scarlet Street [Almas Perversas]. 1946: Cloak and Dagger [O Grande Segredo]. 1948: Secret Beyond the Door [O Segredo da Porta Fechada]. 1950: House by the River [Maldição]; American Guerilla in the Philippines [Guerrilheiros das Filipinas]; Rancho Notorious [O Diabo Feito Mulher]; Clash by Night [Só a Mulher Peca]. 1953: The Blue Gardenia [A Gardênia Azul]; The Big Heat [Os Corruptos]. 1954: Human Desire [Desejo Humano]. 1955: Moonfleet [O Tesouro de Barba Rubra]. 1956: While the City Sleeps [No Silêncio de uma Cidade]; Beyond a Reasonable Doubt [Suplício de uma Alma]. 1959: Der Tiger von Eschnapur [O Tigre da Índia]; Das Inidsche Grabmal [O Sepulcro Indiano]. 1961: Die Tausend Augen des Dr. Mabuse [Os Mil Olhos do Dr. Mabuse].

Seja nas cidades futurísticas construídas na UFA nos anos 20, as descompromissadas redes urbanas em vários estúdios americanos nos anos 40 e 50, ou na mítica fusão de uma Índia real e de papel, todos os filmes de Lang parecem ter sido realizados em momentos emergenciais. Nenhum diretor nos convence tanto da ameaça melodramática do desaparecimento no filme criminal  como metáfora de um perigo muito maior. Seu universo realizado em estúdios de som é uma necessária destilação do realismo, uma espécie de lei marcial concreta sobre constituições conturbadas. A tensão que justifica esta imposição é constantemente mantida no incansável ritmo narrativo de Lang e na observação direta de medo, raiva, alegria e ação consumindo nervosismo e moralidade. 

É verdade que Lang foi treinado em um idioma que gostava de levar três horas em um thriller complexo, então foi artisticamente benéfico que na América tenha sido compelido a cortar esta duração pela metade. Poucos outros diretores ganharam tanto com a concentração comercial da duração das tramas. A determinaçao de Lang em filmar ação e reação permite-nos observá-lo simultaneamente como um homem que poderia ter inventado o cinema - perguntando questões elementares sobre a informação minimamente essencial para o público - evoluir uma equação tensa de imagens para realizá-la; e como um grande modernista, desvelando as forças abstratas da lei, conspiração, violência, e vingança sob as tramas tortuosas.

O sentimento de Lang pela função narrativa se direciona ao coração de nossos criminosos estados corporativos. Mabuse é um personagem ficcional adiante dos exemplos históricos. As cidades de Lang são opressivas antes que as atuais metrópoles nos assustassem. E foi Lang quem descreveu o quão longe a sociedade estranhava seu nobres heróis, forçando-os ao crime, a violência vingativa, e conspirações como as dos governos corruptos. Olhando para o melodrama e a simplicidade passadas,  dos filmes de Lang,  ele é o mais rigoroso dos realizadores políticos. Sua análise da sociedade é estrutural, arquitetônica, e narrativa. Mas seu comentário sem pestanejar sobre a confusão dos valores morais e padrões de sanidade no mundo é como o de um filósofo que traz exemplos simples, porque é capaz de observá-los como caminho à profundidade. 

Filho de um arquiteto, Lang se interessou primeiro em ser pintor, e exibiu em Paris, em 1914. Foi ferido seriamente na Primeira Guerra Mundial, e começou a escrever roteiros na convalescença. Seus primeiros roteiros foram feitos para Joe May como, por exemplo, Hilde Warren und der Tod (17), no qual Lang interpretava a Morte. O pessimismo alemão do pós-guerra afetou Lang, mas é notável que as várias provações que passou em sua vida reforçaram sua rigorosa anti-sentimentalidade. Lang previu o trauma alemão dos anos 30. E quase foi superado pelos rufiões a encarnarem seus assassinos em seus thrillers. Ao invés disso, foi para a América e começou a filmar o futuro, um período ao qual o seu estilo clássico sempre aspirou. 

Seus filmes alemães são longos e barrocos, mas sem uma grama de gordura. As Aranhas e Dr. Mabuse, o Jogador são histórias febrilmente inventivas, postas em ordem pela seleção dos visuais essenciais de Lang. Ao longo de sua carreira houve sempre a mesma tensão criativa entre eventos fervilhantes e o mínimo necessário para contá-los. Daí o porque dos filmes de Lang começarem no topo e avançarem para proporções desconhecidas por outros diretores. A aceleração é uma questão de lógica, análise e intenso refinamento estilístico. Por trás disso está a segurança que vem de um mundo inteiramente construído em palcos de som e sua habilidade em tornar a ressonância emocional e moral dos interiores tão clara. 

E foi este cuidado preciso e cinemático que proporcionou a Lang evitar os becos sem saída do Expressionismo. E o porque, a despeito do melodrama utópico de Metropolis e da habilidade geométrica de M, ambos os filmes ganharam nova vida mais de quarenta anos após realizados. Invariavelmente no cinema, a objetividade narrativa tem sobrevida maior que a densidade. 

O argumento social de Metropolis é simplório, mas as imagens dinâmicas do comportamento da multidão em meio a um labirinto urbano são ainda assustadoras. E é o desapego organizado de M que arrepia, o sentimento de que um homem  não pode mais tomar partido, de forma confiante, no confronto da sociedade entre a lei organizada e a criminalidade, que o assassino de Peter Lorre já é um protagonista de sensibilidade pervertida. Foi a compreensão no propósito maligno de O Testamento do Dr. Mabuse - um thriller mais radiante, mas com um retrato flagrante dos modos nazistas - o que compeliu Lang a abandonar a Alemanha, indo primeiro para a França, e então os Estados Unidos. 

Dos refugiados continentais, Lang se adaptou mais naturalmente à América. Os filmes que realizou se enquadraram entre os melhores porque encontrou um sistema de estúdio melhor organizado e mais adepto dos gêneros narrativos. Entre Fúria e Suplício de uma Alma há uma façanha ainda não apreciada em círculos de língua inglesa. A análise das relações entre homem, sociedade, lei e crime em relação a propostas crescentemente descompromissadas. E é surpreendente que Fúria, realizado na MGM sob os auspícios de Mankiewicz, contenha uma acusação tão contundente ao linchamento e uma visão tão desconfortável da forma como a violência degrada Spencer Tracy. O momento em  Fúria no qual Tracy reaparece na porta, cauterizado em hostilidade - "Estou morto (...) posso sentir o cheiro de mim mesmo queimando" é a primeira evidência que o Lang americano é um avanço em relação ao alemão. Vive-se uma Só Vez é hoje reconhecido como uma origem de Bonnie and Clyde [Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas] e Pierrot Le Fou [O Demônio das Onze Horas] em sua visão glacial de um jovem casal cheio de vida voltado ao crime por uma sociedade insensível e obtusa.

Mas os melhores filmes de Lang são Um Retrato de Mulher, Quando Desceram as Trevas, Almas Perversas, O Grande Segredo, O Diabo Feito Mulher e Os Corruptos. Um Retrato de Mulher e Almas Perversas ganham com o fato de seu herói - Edward G. Robinson - ser descrito como bastante caseiro e com modos burgueses, de forma que o tumulto que o assola precisa ser ainda mais habilmente elaborado. Enquanto Quando Desceram as Trevas e Os Corruptos tem que se justificarem em universos de conspiração de pesadelo. São filmes de interiores nos quais as portas emolduram e a escuridão ameaça os seres humanos. Em O Grande Segredo a espionagem parece coincidir com a falibilidade das aparências, em que uma maçã pode explodir. O Diabo Feito Mulher apresenta a habilidade de Lang de tomar o gênero western e extirpá-lo da atmosfera fingida, paisagens e cavalos. E é o retrato de um homem deformado por sua necessidade de vingança, o tema que Lang perseguiu tão frutíferamente por quarenta anos e que foi o interesse natural de um artista expulso de seu próprio país pela tirania. 

A obra posterior não recrudesce. Suplíicio de uma Alma é a prova de um teorema selvagem, a despeito do baixo orçamento. Os filmes "indianos" são um agradável retorno ao universo de As Aranhas. São histórias infantis, mas feitos com uma autoridade que não poderia ser aprimorada como modelo para estudantes. Se você deseja observar o quão exigente e o quão simples o cinema é, então estude Lang. Mas seja cauteloso: é um pessimista austero e somente a glória das imagens postas juntas para um efeito tão condenatório podem conter os efeitos das implicações deste efeito. As histórias adultas de Lang são demasiado concentradas para os padrões estudantis. 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of  Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1495-98.

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