Filme do Dia: Almas Perversas (1945), Fritz Lang


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Almas Perversas (Scarlet Street, EUA, 1945). Direção: Fritz Lang.  Rot. Adaptado: Dudley Nichols, a partir do romance de La Chienne, de Georges de La Fouchardière e da peça homônima de La Fouchardière & André de Mouézy-Éon. Fotografia: Milton R. Krasner. Música: Hans J. Salter. Montagem: Arthur Hilton. Dir. de arte: Alexander Golitzen. Cenografia: Russell A. Gausman & Carl J. Lawrence. Figurinos: Travis Banton. Com: Edward G. Robinson, Joan Bennett, Dan Duryea, Margaret Lindsay, Rosalind Iven, Jess Barker, Charles Kemper, Arthur Loft.
O pintor amador e funcionário de um banco Cristopher “Cris”  Cross (Robinson) leva uma vida soturna com a amarga esposa Adele (Iven) até conhecer a bela e jovem Katharine “Kitty” Marsh (Bennett), sendo estapeada na rua por um homem. Cris se apaixona por Kitty. Essa, no entanto, encontra-se apaixonada pelo homem que a espanca com frequência, Johnny Prince (Duryea), que acredita que o velho homem pode ser a possibilidade para enriquecerem, inicialmente através de um pretenso empréstimo; posteriormente, através do talento artístico de Cris. Os quadros do mesmo chamam a atenção de um crítico de arte nova-iorquino. Johnny inventa, aproveitando o ensejo de Cris não assinar seus quadros, terem sido criados por Katharine. Cris descobre a farsa mas não fica chateado com Kitty, antes o oposto. A situação muda de configuração, no entanto, quando ele flagra Kitty nos braços de Johnny. Mesmo disposto a contemporizar quando acredita ser o choro de sua amada, ele perde o controle de suas emoções quando descobre que ela, na verdade, gargalhava dele e a mata. Johnny retorna ao apartamento e é considerado, pela polícia, como o criminoso. Diante do tribunal, Cris afirma, sustentando o depoimento da mulher, não ser mais que um mero pintor amador que copia as obras de Katharine. Os eventos, no entanto, provocam-lhe sequelas emocionais que geram um transtorno psiquiátrico, tornando-se um morador de rua.
Embora menos ousado enquanto narrativa que o mais famoso Um Retrato de Mulher, essa produção curiosamente se torna algo  como um duplo da anterior, fazendo uso não somente de situações e personagens semelhantes – sobretudo o homem maduro, ingênuo e carente atraído por uma mulher bela, jovem, sensual e inescrupulosa – como dos mesmos atores para encarná-los (Edward G. Robinson e Joan Bennett respectivamente; de quebra, Dan Duryea faz o mesmo tipo cínico e explorador da mulher inescrupulosa). Quase como se Lang quisesse explicitar sua influência no primeiro do romance adaptado pelo segundo. Aqui, a figura feminina é uma expressão potencializada da misoginia: perversa ao maquinar sem grande esforço a mudança de chave entre a mulher interesseira, oportunista e cínica que aprecia um homem que a maltrate para a vítima do mundo e de sua condição feminina, ao mesmo tempo representando os arquétipos da femme fatale do noir e da sofredora do melodrama, talvez as mais recorrentes na produção cinematográfica do período.  Quando a máscara de sofredora cai  e o aparente choro se transforma em riso, gargalhada mesmo, ela é assassinada pela figura masculina impotente e idealizadora. Sendo que aqui o personagem de Robinson é observado talvez sem a mesma condescendência e simplesmente não possui a opção de um sonho a recalcar do filme anterior. Se naquele era no universo onírico que se refugiava de seus próprios fantasmas/fantasias/fraquezas, é um universo semelhante, o da loucura, que se refugiará aqui. Aliás, o filme ironiza deliciosamente a base de sustentação da loucura observada pela perspectiva da “normalidade” ao não creditar a essa o que possui de verdade – que Cris de fato seja responsável por duas mortes como alega, ainda que sua essência de fracassado o impeça de reivindicar igualmente, mesmo quando já findo o julgamento e perdido a  sanidade, a sua genialidade artística. Um traço que ajuda a exemplificar os personagens de Robinson nesse e no filme anterior é a tranquilidade algo extenuada do mundo que sua voz, que pode ocasionalmente resvalar para a euforia juvenil da redescoberta do encantamento amoroso mas nunca para a agressividade; em nenhum momento ocorre uma altercação de voz ou gesto violento contra seus “retratos femininos” (aqui, um deles tendo sido pintado pelo próprio personagem e tido como auto-retrato da artista); quando isso ocorre, no segundo, dá-se na contraposição destemperada e sem controle a essa aparente calmaria que leva ao crime. Mesmo visualmente distinto, o filme evoca os dramas naturalistas do Realismo Poético francês da década anterior, não por acaso a primeira adaptação do romance de La Fouchardière tendo sido efetuada por Jean Renoir, um ano após sua publicação (1931), com seu título original (A Cadela). A péssima qualidade da imagem na cópia em questão provavelmente se deve ao filme ter caído em domínio público, não sendo necessário pagar direitos para sua reprodução.  Fritz Lang Prod./Diana Prod. Co. para Universal Pictures. 103 minutos.


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