O Dicionário Biográfico de Cinema#13: Spencer Tracy

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Spencer Tracy (1900-1967)
n. Miwalkee, Wisconsin

Educado  no Ripon College da Academia Militar do Nordeste, Tracy realizou sua estreia teatral em Nova York em 1922, como um robô, na peça R.U.R., de Karel Capek. Trabalhou no teatro ao longo dos anos 20, frequentemente para George M. Cohan, e foi sua performance como assassino em uma cadeia, em The Last Mile, em 1930, que lhe tornou conhecido, proporcionando vários testes para o cinema. Realizou dois curtas para a Vitaphone, antes de John Ford escalá-lo em Up the River (30), quando a Fox o contratou. Não foi feliz, porém, nos papéis que a Fox lhe proporcionou: Quick Millions (31, Rowland Brown); She Wanted a Millionaire [Ela Queria um Milionário] (32, John Blystone); Young America [No Portal da Vida] (32, Frank Borzage); e Me and My Gal [Eu e Minha Pequena] (32, Raoul Walsh).

Em qualquer situação, Tracy apresentava a si próprio no papel de um americano robusto e decente; um homem despretensioso e rude, dotado de um temperamento grosseiro, embaraçado pelas mulheres e levado pela sua sinceridade ao auto-sacrifício ou uma angústia concentrada. Na comédia ou no drama, estava muito próximo das raízes dos ideais americanos: destituído de beleza, mas austero; destituído de inteligência, mas astuto; destituído de imaginação, mas simpático. Muito antes de sua morte, havia ascendido acima da generalidade dos atores; mesmo profissionais alegavam dele nunca ser outra coisa que ele próprio seria uma marca de sua aplicação e intuição especiais. Também possuía a melhor relações públicas - Katharine Hepburn. Um olhar claro pode decidir que se tornou um homem caseiro, inclinado ao sentimentalismo e melhor enquanto objeto do ridículo afetuoso da comédia ou completamente transformado pelo ódio. A idade tornou-o rabugento e deve-se ressaltar que sua obra mais original emergiu dos anos 30.

Em 1933 os Warners pegaram-no emprestado para 20 000 Years in Sing Sing [20.000 Anos em Sing Sing], de Curtiz, e pelos próximos dois anos Tracy parecia desejar se livrar da Fox e encontrar um estúdio mais favorável. Ainda assim, a Fox o pôs em um filme interessante: The Power and the Glory [Glória e Poder] (33, William K. Howard), mas, mais frequentemente, emprestado: Mqn's Castle [O Paraíso de um Homem] (33, Frank Borzage); Looking for Trouble [Procurando Encrenca] (34, William Welmann) e, na MGM, The ShowOff [O Conta Prosa] (34, Charles Reisner). Após realizar Dante's Inferno [A Nave de Satã] (35, Harry Lachman) e It's a Small World (35, Irving Cummings), um Tracy embriagado desembarcou brevemente na cadeia e, mais tarde nesse ano, a Fox o demitiu e a MGM o contratou. (A bebida e as mulheres foram combustível para os erros de Tracy - e ele era católico também, atormentado por seus próprios defeitos).

Tracy foi a expressão sutil do herói na Depressão: um homem orgulhoso que tem suprimidas suas frustrações para se acomodar ao bem-estar; um romântico já endurecido pela compreensão que a fortuna é caprichosa e insensível. Um homem cuja paciência foi sempre testada. Tanto O Paraíso de um Homem quanto Glória e Poder tiram partido do senso de Tracy da inconstância entre sucesso e derrota. Nunca glamoroso, foi a versão idealizada nas telas de que cada americano poderia ganhar ou perder um milhão. Mas em meio a essa livre concorrência, Tracy mostrou o quão longe o sistema havia isolado os americanos. Não surpreende que, em 1944, King Vidor tenha o querido para An American Romance, pois Tracy era capaz de dar vida ao industrial e ao trabalhador; ele provou que um poderia ser o outro, encorajou a ambição, mas nunca se livrou da sombra assustadora da recessão e do magnata humilhado.

Levou diversos anos antes que Tracy se estabelecesse na MGM, mas ele coletou no caminho uma série de suas melhores e mais conhecidas interpretações: como o herói prejudicado levado pela malícia de Fritz Lang em Fury [Fúria] - um belo uso da truculência de Tracy, especialmente quando retorna da sepultura, e sua silhueta se espraia pela soleira da porta e fala aos irmãos: "Eu pude sentir o cheiro de mim mesmo queimando; como o padre em San Francisco [São Francisco, a Cidade do Pecado] (36, W.S. Van Dyke); em Libeled Lady [Casado com Minha Noiva] (36, Jack Conway); ganhando um Oscar como um pescador português em Captains Courageous [Marujo Intrépido] (37, Victor Fleming); They Gave Him a Gun [O Mundo Ensinou-me a Matar] (37, Van Dyke); Big City [Labirintos do Destino] (37, Borzage); como motorista de táxi que recorre ao crime organizado, um belo retrato do áspero individualismo; sendo o difícil par de Joan Crawford - cerveja e martini - em Mannequin [Manequim] (38, Borzage); Test Pilot [Piloto de Provas] (38, Fleming); e um segundo Oscar como o Padre Flanagan em Boy's Town [Com os Braços Abertos] de Norman Taurog (38) - uma descontrolada obra-prima de sentimento masculino,  muito bem apropriada ao emocionalismo preso de Tracy. Nos anos seguintes, foi o candidato óbvio para papéis maiores: Stanley and Livingstone [As Aventuras de Stanley e Livingstone] (39, Henry King); com Hedy Lamarr em I Take This Woman (40, Van Dyke) - cerveja e creme de menta; em Northwest Passage (40) [Bandeirantes do Norte] de King Vidor, mudando a própria natureza; como Edison em The Man [Edison, O Mago da Luz] (40, Clarence Brown); numa disputa muito agradável com Gable em Boom Town [Fruto Proibido] (40, Conway); como Flanagan outra vez em Men of Boy's Town [Somos Todos Irmãos] (41, Taurog); inquieto com a maquiagem, mas bastante ameaçador em Dr. Jekyll and Mr. Hyde [ O Médico e o Monstro] (41), de Victor Fleming.

Foi nessa época que encontrou Katharine Hepburn - cerveja e biscoitos salgados; essa relação foi especial, embora facilmente sentimentalizada. O casamento de Tracy, embora nunca rompido, não era um sucesso e ele esteve em proximidade com Hepburn até o final da vida. Mais apropriadamente, ela o divertia, sem nunca fazê-lo se sentir inseguro. Era só por suas toalhas e realizar algumas das mais emocionantemente naturais duplas da comédia: Woman of the Year [A Mulher do Dia] (42, George Stevens); excepcional como o repórter esvaziando a carreira de um grande homem morto em Keeper of the Flame [O Fogo Sagrado] (42, George Cukor); State of the Union [Sua Esposa e o Mundo]  (48, Frank Capra); deliciosos como advogados casados em Adam's Rib [A Costela de Adão] (49, Cukor); Pat and Mike [A Mulher Absoluta] (52, Cukor); The Desk Set [Amor Eletrônico] (57, Walter Lang); e, finalmente, visivelmente limitado, no medonho Guess Who's Coming to Dinner? (67) [Adivinhe Quem Vem Para Jantar] de Stanley Kramer, uma banalidade grosseira da qual a suposta simulação de Tracy parece inconsciente.

Ele não fez muitos outros filmes satisfatórios após 1942 - como que aliviando suas mágoas, Hepburn o deixou mais intratável para os outros. Após dois filmes mais para Victor Fleming, Tortilla Flat [Boêmios Errantes] e A Guy Named Joe [Dois no Céu], esteve em dois filmes de guerra: The Seventh Cross [A Sétima Cruz] (44, Fred Zinnemann) e Thirty Seconds [Trinta Segundos Sobre Tóquio] (44, Mervin LeRoy). Após a guerra, estava inadequado com Hepburn em The Sea of Grass [Mar Verde] (46, Elia Kazan); Cass Timberlane [Eterno Conflito] (47, George Sidney); Edward, My Son [Meu Filho] (48, Cukor); antes de se encontrar novamente com Vincente Minnelli e Joan Bennett (parceira dos anos 30) em Father of the Bride [O Papai da Noiva] e Father's Little Dividend (51) [O Netinho do Papai], deliciosos retratos de um pai ineficazmente áspero.

Desde então, os critérios parecem tê-lo abandonado - The Actress [Papai Não Quer] (53, Cukor) e o investigador maneta de Bad Day at the Black Rock [Conspiração do Silêncio] (54, John Sturges) e num de seus melhores filmes, como o político adoravelmente conivente de The Last Hurrah (58) [O Último Hurra], de John Ford. Contra estes deve-se citar Plymouth Adventure [O Veleiro da Aventura] (52, Clarence Brown); Broken Lance [Lança Partida] (54, Edward Dmytryk); The Mountain [A Maldição da Montanha] (56, Dmytryk); o grandemente infeliz The Old Man and the Sea [O Velho e o Mar] (58, Sturges e Fred Zinnemann) - um velho bebedor de cerveja, arrotando azedo nas projeções de fundo do mar; e as últimas rendições a Stanley Kramer - Inherit the Wind (60) [O Vento Será Tua Herança; Judgment at Nuremberg (61) [Julgamento em Nuremberg]; It's a Mad, Mad, Mad World (63) [Deu a Louca no Mundo] e Adivinhe Quem Vem Para Jantar.

Texto: Thomson, David. A Biographical Dictionary of Film. Londres: Knopf, 2010,pp. 9868-82.





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