Filme do Dia: Anos Difíceis (1948), Luigi Zampa

 


Anos Difíceis (Anni Difficili, Itália, 1948). Direção: Luigi Zampa. Rot. Adaptado: Sergio Amidei, Vitaliano Brancati, Franco Evangelisti & Enrico Fulchignoni, baseado no romance Il Vecchio con gli Stivali, de Brancati. Fotografia: Carlo Montuori. Música: Franco Casavola & Nino Rota. Montagem: Eraldo Da Roma. Dir. de arte: Ivo Battelli. Figurinos: Giovana Bagno. Com: Umberto Spadaro, Ave Ninchi, Delia Scala, Massimo Girotti, Ernesto Almirante, Milly Vitale, Enzo Biliotti, Carlo Sposito, Loris Gizzi, Aldo Silvani.

1934. Aldo Piscitello (Spadaro) é um  funcionário público anônimo que vê sua vida transformada com o advento do fascismo na Itália. Renitente em fazer parte do partido, ele ao mesmo tempo observa o entusiamo  acrítico de sua mulher e filha. O filho, Giovanni (Girotti), mesmo tendo que fazer parte do exército, encontra-se longe de ser simpatizante. O envolvimento da Itália na Guerra faz com que Giovanni, enamorado da filha de um farmacêutico anti-fascista (Silvani), Maria (Scala), acabe partindo para a guerra. O farmacêutico, que faz parte de um pequno grupo que se reúne em sua farmácia, não consegue se controlar diante da multidão que assiste a comemoração do domínio da França pelas forças fascistas, e é preso e morto. Ambos se casam, mas Giovanni será morto traiçoeiramente por soldados alemães após retornar de campanhas na Africa e na Rússia. Enquanto vela o filho morto, Aldo fica sabendo da prisão e morte de Mussolini. Porém, agora o seu hipócrita chefe, que praticamente o obrigara a se tornar membro do partido fascista, lava as mãos ao reconhecer, com o americano, que ele fora membro do partido.

No período em que a revisitação ao complexo passado recente do país ganha crônicas bem mais inócuas (como é o caso de Sob o Sol de Roma, de Castellani), Zampa realiza essa amarga e lúcida parábola que privilegia a dificuldade daqueles que, como o protagonista, tinha que manter o difícil equilíbrio entre credos políticos particulares e vida pública e profissional. O que inicialmente parece ser mais uma leve crônica marcada por um sentimentalismo nostálgico, transforma-se rapidamente num relato corajosamente político, elemento que raramente se encontra presente com tanta solidez e ausência de maniqueísmo na filmografia neorrealista, não deixando de frisar o oportunismo daqueles que mudaram suas colorações políticas para se ajustar às mudanças após o domínio das forças aliadas, assim como longe de apresentar uma simpatia para com essas, sendo tal simpatia não mais que fruto do oportunismo. E tampouco sendo menos crítico com relação à própria  tímida ressistência, bem longe do tom heróico e martirizado de Roma: Cidade Aberta, algo que pode ser percebido sobretudo na recusa do filme em transformar o personagem de Silvani num mártir (ainda que sejamos testemunhas de sua captura pelos soldados fascistas, sua prisão e morte se dão longe da câmera).  Filmado de forma bastante convencional, faz uso interessante de imagens de arquivo, intercaladas com as cenas ficcionais, numa estratégia hoje bastante comum, mas talvez não tanto à época, e sem que soe artificial tal conjugação. Sua narrativa é emoldurada não apenas pela voz de um narrador, como igualmente de manchetes de jornais, noticiário do rádio e até mesmo um dos dezenas de curtas de propaganda exibido no cinema produzido pelo Instituto LUCE, para não falar de inserções de imagens de arquivo que não se encontram incluídas dentre aquelas que dialogam diretamente com o universo ficcional. Talvez um dos elementos mais importantes do filme tenha sido justamente servir como veículo para apresentar o que havia de recalcado na sociedade (e em seus filmes evidentemente), apresentando a face humana existente por trás da aparência, como no momento em que Giovanni reclama do excesso de saudações Signor Si (ouvidas em praticamente todos os filmes de guerra produzidos sob o fascismo) que deve ouvir e ser ouvido todos os dias. Assim como tratar as simpatias políticas menos de uma forma essencialista e monolítica (tal como, por exemplo, em Roma: Cidade Aberta) do que do que produtos de articulações passíveis ou não de negociação.  O filme parece antecipar a veia da sátira política que iria ser bastante disseminada posteriormente nas mais diversas cinematografias, incluindo a italiana. Briguglio Films. 113 minutos.

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