Filme do Dia: Close (2022), Lukas Dhont

 


Close (Bélgica/Holanda/França, 2022). Direção Lukas Dhont. Rot. Original Lukas Dhont & Angelo Tijssens. Fotografia Frank van den Eeden. Música Valentin Hadjadj. Montagem Alain Dessauvage. Dir. de arte Eve Martin. Figurinos Manu Verschueren. Com Eden Dambrine, Gustav De Waele, Émilie Dequenne, Léa Drucker, Igor van Dessel, Kevin Janssens, Marc Weiss, Léon Bataille.

Dois amigos inseparáveis em tenra adolescência, Léo (Dambrine) e Rémi (De Waele), tem sua amizade valorizada igualmente por suas respectivas famílias, e tornam-se vítimas de chacotas e constrangimentos por parte dos colegas. O contato intenso entre ambos, dormindo um na casa do outro, algumas vezes dividindo o mesmo colchão, andando de bicicleta juntos ou Léo se emocionando com a apresentação de uma orquestra de jovens, em que Rémi toca oboé, torna-se fraturado quando Léo demonstra um afastamento. Envolvendo-se com outros colegas de escola e fazendo parte de uma equipe de hóquei, negando apoiar a cabeça de Rémi junto a seu corpo ou voltar para casa com ele. Quando Léo retorna de um passeio escolar, sem Rémi, ao ônibus voltar da escola todos os pais se encontram por lá. Léo é o último a se recusar a sair do ônibus. Sua mãe, Nathalie (Drucker) lhe conta sobre a morte de Rémi. Com o peso da morte do amigo mais próximo suicidado, Léo continua tentando a tocar sua vida. Porém, a ausência dele, a dificuldade de expressar a forte carga de sentimentos e o luto, assim como a presença ocasional da mãe de Rémi, Sophie (Dequenne), muito próxima de ambos, passam a fazer igualmente parte do cotidiano, além do modo como a escola busca mediar a perda junto aos colegas, irritando por vezes Léo. Léo busca apoio junto ao irmão mais velho Charlie (van Dessel). E, ainda um pouco relutante,  um primeiro contato inicial com Nathalie que, depois, retribui sua visita com um jantar entre as duas famílias, na qual o seu companheiro, Peter (Janssens), pouco após Charlie comunicar o desejo de fazer uma viagem de carro de um ano pelo mundo,  desaba emocionalmente.

Seria pouco se atestar o óbvio, que uma representação mesmo autoral e independente sobre a amizade e os interesses eróticos entre dois meninos ganharia a franqueza de filmes do passado, como Você Não Está Sozinho. Aqui nem mesmo um beijo é trocado e se houve algum contato sexual entre os amigos não o saberemos. Mais que isso, o próprio estatuto desta relação é controverso, já que Léo declara enfaticamente eles não serem um casal ou terem intenção de sê-lo. O que pode ser lido, sim, como um temor diante de uma identificação para todos de uma satisfação gozada mais livremente apenas na intimidade do quarto, de locais de brincadeira ou com a mãe de Rémi – e não deixa de ser exemplar esta relação com o mundo mais amplo continuar truncada em filmes que já lidam com personagens de idade bem mais pregressa, como é o caso quase caricato de Me Chame pelo Seu Nome ou, sob chave diversa, mas com um impedimento ainda mais amplo de ser vivenciada em público em Rosas Selvagens. Para Léo ela significa um truncamento diante de possibilidades outras, inclusive afastando-se do universo mais tipicamente do sensível como o artístico (a música, no caso do amigo) e se aproximando de um esporte característico de masculinidade e de aceitação coletiva em um grupo, o hóquei. Há dificuldades bastante aparentes, em relação a Rémi, de entrosamento com outros colegas e tendência à melancolia e até possivelmente tentativas anteriores de suicídio, como demonstrado pela preocupação da mãe que ele se tranque no banheiro, a servirem de alerta para Léo. O que desloca com brio a facilidade de julgamentos morais apressados em relação ao mesmo. Talvez falte um pouco mais de descrição da união entre ambos de forma ainda mais substanciosa, mas aí pesa contra dois obstáculos, um mais geral, o da dificuldade de expressão do amor sem cair nos chavões, em um período de tempo relativamente curto, para que não roube o espaço do tempo referente ao altar do luto, e seus protocolos, que é a questão central a ser traduzida aqui; outra mais peculiar, pois furtaria a ambiguidade que evita a assunção do pleno desejo sexuado nesta idade, como opta o filme dinamarquês acima citado. Com relação ao luto, alguns dos momentos mais tocantes são os do esforço para tornarem as coisas normais, quando não estão e há toda uma carga de afetos confusos represadas. É evidente a necessidade de dilatação temporal da narrativa para muitos anos mais, caso fosse ser trabalhada de forma ainda mais verossímil o se tocar no centro do trauma. Aqui esboços surgem quando a mãe de Rémi indaga a Léo o que houve entre eles e o ápice deste movimento se dá, em um extremo de culpa, quando Léo afirma ter sido responsável pela morte do amigo, ao afastá-lo de si. |Menuet Producties/Diaphana Films/Topkapi Films/Versus Prod./RTBF para The Match Factory. 104 minutos.

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