Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#126: La Teta Asustada
LA TETA ASUSTADA. (Peru, 2009). O primeiro filme peruano a vencer um dos prêmios principais de um dos três mais prestigiados e competitivos festivais de cinema (Berlim, Cannes, Veneza), capturando o Urso de Ouro, La Teta Asustada (que recebeu o título em inglês The Milk of Sorrow) é um dos melhores filmes verdadeiramente feministas, e talvez o que melhor expresse a qualidade do "realismo mágico", encontrado nas grandes obras da literatura latino-americana do século XX. A diretora Claudia Llosa pegou a ideia central do filme do livro Entre Prójimos: El Conflicto Armado Interno e la Politica de la Reconciliación en el Perú, escrito pela antropóloga médica Kimberly Theidon, professora associada de Harvard. A obra da professora Theidon envolve o estudo do trauma sofrido pelas mulheres com experiências de violência sexual, e no caso do Peru, mulheres indígenas estupradas pelas guerrilhas do Sendero Luminoso e os militares peruanos. Ela encontrou muitas vítimas que falaram do quanto o medo alterava seus corpos, e faziam uso de um termo quíchua, mancharisqa ñuñu, a expressar a transferência do medo, através do leite materno, para seus bebês.
A Teta Assustada (também conhecido como Fausta) começa com uma liderança negra, com uma mulher, cantando em quíchua sobre ter sido violada. O plano de abertura, longo, revela uma idosa aborígene prostrada na cama. Sua filha, Fausta (Magaly Solier), entra no quadro e passa a cantar, abraçando sua mãe. No segundo plano, Fausta encontra-se diante de uma janela aberta e compreendemos que sua mãe morreu. O terceiro plano é muito emblemático das muitas vistas externas do filme. Em um longo plano em tableau observamos uma família, em um pátio empoeirado, aprontando-se para um casamento; um garoto joga futebol; no topo do quadro observamos fios telefônicos, marcando a proximidade à cidade e uma paisagem de áridas colinas; não há vegetação. Estamos, na verdade, nos subúrbios de Lima, em meio a uma comunidade, muitos dos quais indígenas, que migraram do campo, buscando viver na cidade. O quarto plano revela uma Fausta muda olhando, como se o plano anterior fosse seu ponto de vista; ela desmaia. No hospital ficamos sabendo que inseriu uma batata em sua vagina, para proteger sua virgindade.
A maior parte de A Teta Assustada é filmado da perspectiva de Fausta. Quando deixamos a sala de emergência no hospital, a câmera recua com ela através dos corredores, e estas olhadas são intercaladas com seu comovente ponto de vista, seguindo seu tio (Marino Ballón), agora seu guardião. Gradualmente compreendemos que o medo de Fausta se expressa virtualmente através de travellings - quando está fora tenta permanecer próxima das paredes - e esta escolha estilística nos aproxima dela, tentando compreender sua personagem, já que fala muito pouco. Sua voz cantante é bastante ouvida, sempre em quíchua, algumas vezes com sincronização labial, noutras não diegeticamente. As mulheres da família tratam e enrolam o corpo da mãe morta de Fausta, que é então posta sobre a cama, até o momento de enterrá-la apropriadamente em sua cidade natal. Fausta trabalha para seu tio, que organiza elaboradas e coloridas, porém espalhafatosas, cerimônias de casamento - cada uma delas encenada de forma diversa - e ela também assegura um emprego, trabalhando para a bastante rica e reclusa pianista de concertos Aída (Susi Sánchez), que faz que a espere silenciosamente, até tocar a campainha por seus serviços. Escutando Fausta cantar, Aída oferece à empregada uma pérola se a fizer somente para ela. Inicialmente bastante tímida, Fausta, presumidamente reconhece a riqueza de tal regalo (para, presumidamente, enterrar a mãe), e um dos motivos visuais no filme, torna-se a crescente coleção de perólas em um prato.
Do início ao final, belamente filmado por Natasha Braier, e repleto de brilhantes contrastes, particularmente entre o interior da mansão murada de Aída e o movimentado mercado, ocasionalmente vislumbrado através da grande porta giratória, guardada por Fausta. Por um lado, este mercado proporciona uma visão dinâmica e positiva da interação humana, contrastando com os espaçosos e frios aposentos desorganizados da casa, por outro Fausta parece protegê-los dos moradores da cidade, no exuberante jardim verde e tropical adjacente ao muro. De fato, este é o único "espaço verde" no filme e a única pessoa que Fausta chega a eventualmente a confiar, e conversar abertamente em quíchua (sua língua natural) é o jardineiro, Noé (Efraín Solís). Mesmo seu tio a aborda sexualmente ao final do casamento da filha. Fausta finalmente assume o controle de sua própria vida quando, ao final do filme, pede ao tio para parar o caminhão que leva a família para casa, e então carrega o corpo da mãe para a praia, talvez a primeira vez que esteve tão próxima do mar.
Após ganhar o Urso de Ouro e o FIPRESCI em Berlim ganhou o prêmio de atriz para Solier em Guadalajara (México), Lima e o Festival do Noveau Cinéma (Montreal). Também venceu a categoria direção de arte (Susana Torres e Patricia Bueno) no Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano (Havana), onde Llosa venceu o primeiro prêmio Grande Coral pelo filme e venceu o prêmio dos Críticos de Quebec, em Montreal. Em 2010, A Teta Assustada foi indicado ao Goya (indústria de cinema hispânica), como Melhor Filme Hispânico Estrangeiro, os prêmios Ariel (da indústria mexicana) como melhor filme ibero-americano, e o Oscar de língua estrangeira, sendo o primeiro filme peruano jamais indicado. Tem sido exibido e/ou distribuído em bem mais de 30 países. Talvez seja o filme peruano mais bem sucedido de todos os tempos, feito ainda mais notável por conta das pessoas-chaves que trabalharam no filme serem mulheres. Soma-se aos já citados, Selma Mutal, que escreveu a música, Bárbara Acosta que foi diretora de elenco e os figurinos desenhados por Ana Villanueva.
Texto: Rist, Peter H. Rist. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 552-54.

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