Filme do Dia: Entusiamo, Sinfonia de Donbass (1931), Dziga Vertov

 


Entusiasmo, Sinfonia de Sonbass (Entuziazm: Simfoniya Donbassa, URSS, 1931). Direção: Dziga Vertov. Fotografia: Boris Zeitlin.

Impressionante, sobretudo por seu prólogo, em que registra imagens da força que o culto ortodoxo ainda provoca no povo soviético, mescladas com imagens do grande consumo de álcool desse mesmo povo, como que igualando a crença e o álcool em uma mesma dimensão escapista. Suas imagens são evocativas, em seu desnorteio e liberdade, tanto da produção em super-8 brasileira dos anos 1970 quanto das estratégias igualmente pouco ortodoxas de um realizador como o armeno Pelechian. Porém, o filme acaba apresentando igualmente momentos em que seu arrojo formal  não corresponde em termos do que apresenta, parecendo se encaminhar para uma quase didática apologia do comunismo frente aos antigos valores religiosos por demais esquemática quando comparado a O Homem com a Câmera (1929), de longe mais interessante. Nesse sentido, encontra-se a longa seqüência  que, fazendo uso de artifícios característicos do estilo de montagem soviética como duplicações da imagem em efeito de choque  e imagens aceleradas das nuvens em O Homem com a Câmera ou o artifício do reverse motion para ilustrar cenas em que a destruição de ícones da igreja ortodoxa que mais parecem uma referência direta a Outubro (1927), de Eisenstein, voltam a se recompor, apontam  para uma esquemática vilanização da igreja ortodoxa. Porém, logo tal sensação de panfleto se dilui em um bem mais complexo arranjo entre som e imagem, com impressionantemente belas imagens em silhueta de operários e crianças recortadas contra um céu repleto de nuvens tendo como fundo sonoro efeitos semelhantes aos de uma indústria. O filme, evidentemente, produzido no calor dos acontecimentos da jovem nação soviética,  não conta com o distanciamento temporal para perceber que os ícones próximos do padrão estético do realismo socialista que pretende exaltar, acabam ganhando a mesma dimensão “religiosa”, e por sinal destituídos da beleza estética dos ícones religiosos defenestrados das igrejas, ganhando a Internacional Socialista cantada em um auditório lotado, o mesmo respeito e deferência que um hino religioso. O irônico é que o mesmo padrão realista socialista que passa a ser exaltado aqui, seja através de uma cabeça de Lênin esculpida ou de uma gigantesca estátua observada de uma câmera baixa que a destaca ainda mais acabarão por tolher a criatividade de realizadores como o próprio Vertov, sendo justamente esse considerado o último filme feito nos padrões vanguardistas de montagem que tornaram célebre o cinema soviético a partir de meados da década anterior. Ainda que exista um evidente tom de homenagem à força de trabalho que “constrói” a nação soviética com seu labor, sobretudo no longo trecho do filme que se detém sobre as atividades em uma mina, existem breves momentos de humor, como as cenas em que um batalhão de trabalhadores encena para câmara um cortejo próximo do simiesco ou o sincronismo de um grupo de homens martelando que mais parecem se aproximar da ironia. Destaque para os longos planos em negro, em que apenas se escuta alguns bordões de um narrador e para a recorrente utilização da palavra escrita sobre a imagem, dois recursos que serão bastante utilizados pelo cinema moderno décadas após. Tampouco deixa de existir aqui referências à espectatorialidade, ainda que aqui desvinculadas do universo do próprio cinema e restritas ao áudio de uma transmissão em rádio. Ukrain Film. 65 minutos.

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