Filme do Dia: Um Retrato de Mulher (1944), Fritz Lang

 


Um Retrato de Mulher (The Woman in the Window, EUA, 1944). Direção: Fritz Lang. Rot. Adaptado: Nunnally Johnson, a partir do romance de J.H. Wallis. Fotografia: Milton R. Krasner. Música: Arthur Lange. Montagem: Gene Fowler Jr. & Marjorie Fowler. Dir. de arte: Duncan Cramer. Cenografia: Julia Heron. Figurinos: Muriel King. Com: Edward G. Robinson, Joan Bennett, Raymond Massey, Edmund Breon, Dan Duryea, Thomas E. Jackson, Dorothy Peterson, Arthur Loft.

Após conversar com dois amigos, o procurador de justiça Frank Lalor (Massey) e o médico Michael Barkstane (Breon), o professor criminalista Richard Wanley (Robinson) encontra a mulher que serviu como modelo para o quadro que admirava, assim como os amigos, antes de entrar no bistrô. Ela, Alice (Bennett) o convida para sua casa e enquanto tomam um drinque, um homem (Loft) que era seu amante ocasional adentra o apartamento e tenta assassinar Wanley, que o mata em auto-defesa. Os dois planejam se livrar do cadáver. Wanley o leva em seu carro e joga-o por uma cerca numa estrada deserta. Ele e Alice prometem não mais se ver. Porém pressões surgem para os dois. Por um lado, o amigo de Wanley, Frank avança bastante com as investigações. Por outro, o vizinho de Alice, Heidt (Duryea) a chantageia pois afirma tê-la visto recebendo o homem que vem a ser ninguém menos que Claude Mazard, milionário e importante homem de negócios. O plano passa a ser o de matar Heidt, porém Alice não consegue pô-lo em prática. Quando toda a situação parece desesperadora e o fecho aparenta começar a se cercar em torno da dupla, Heidt é morto pela polícia, que encontra em seu bolso um objeto com as iniciais do assassino que ele havia pegue numa das visitas que fizera a Alice. Essa tenta avisar da novidade a Wanley que, no entanto, tomou uma dose letal de sonífero.

É curiosa a forma como Lang brinca com a dubiedade entre o que é verossímil ou não de ocorrer, pois se parece um tanto fantasioso que a garota do quadro surja, como que do nada e se interesse por um estranho, mesmo que para provocar um crime contra seu amante, o mesmo não se pode dizer quando se pensa em termos de fantasia onírica de um americano médio que se sente algo liberto de sua anódina família – Billy Wilder brincaria com o arquétipo, de forma menos culpada que satírica em seu O Pecado Mora ao Lado; ou melhor, satirizando a própria culpa. Aqui, mesmo em se tratando de uma fantasia, o fantasma da culpa assoma mesmo nessa, pois logo o que era uma aparente investida no desejo, demonstra trazer imediatamente o preço da punição que irá atormentar o professor justamente em sua área, o que torna a fantasia ainda mais crível.  E um dos elementos que o filme trabalha melhor, é justamente a tensão de Wanley com relação ao amigo investigador que avança rapidamente nas pistas que investigam o caso, deixando-o cada vez mais aflito. E é curioso que quando se espera que o cerco se acirre e que os amigos passem a desconfiar de Wanley ocorre sua saída moral suicida, que reverberá automaticamente no retorno ao mundo da vigília. Essa relação ousada com o universo dos sonhos, mesmo não chegando as possibilidades extremas de ambiguidade de um filme como Laura, lançado no mesmo período e com vários elementos em comum, notadamente a fantasia envolvendo uma mulher conhecida a partir de um quadro, é aqui ainda mais categórica em seu ocultamento da transição para o mundo dos sonhos. Ao não levar a tensão com os amigos até as ultimas consequências, Lang faz com que seu protagonista se veja mais voltado para o conflito interior que também sentindo o peso do olhar moral da sociedade, sobretudo quando se sabe inocente como é o caso de outras produções típicas do realizador (notadamente Fúria). Os mesmos atores principais voltarão a se encontrar em trama semelhante realizada logo após pelo cineasta, Almas Perversas. Bennett é considerada como uma cópia de menor brilho das estrelas e símbolos sexuais da época, Lana Turner e Rita Hayworth, citadas na conversa entre amigos. Já o brilho no elenco fica por conta de coadjuvantes como o cínico Heidt de Duryea ou o procurador de Massey para não dizer da interpretação genial de Robinson, no auge de sua carreira, como um tipo que até certa medida aguenta estoicamente a sucessão de fatos ocorridos e que nunca transforma Alice em bode expiatório para suas tensões, pelo contrário sempre a motivando. O efeito-piada final é bastante previsível em oposição a surpresa que se estabelece próximo do desfecho da narrativa. Christie Corp./International Pictures para RKO Radio Pictures. 107 minutos.

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