Diretoras de Cinema#20: Lizzie Borden
BORDEN, LIZZIE (1950-). Estados Unidos. A visão distópica de futuro radicalmente feminista é premissa do hoje clássico filme dela, Born in Flames (1983). Foi para o cinema após se graduar no Wellesley College, onde estudou pintura. Escreveu crítica de arte para Artforum, mas decidiu por si mesma ensinar realização e edição, após resolver não seguir a carreira nas artes plásticas. Regrouping (1976) foi o primeiro filme de Borden. A seguir, iniciou com sua própria companhia produtora, Alternate Current, e começou a planejar a ficção científica radical Born in Flames. Borden encorajou a colaboração no processo de roteirização, e permitiu que o roteiro final evoluísse de uma combinação da visão de seus planos e participações o elenco. Born in Flames é considerado "um dos filmes feministas mais importantes dos anos 80" (Jackson, p.4). Sendo ambientado dez anos no futuro, após uma revolução social.
Born in Flames direciona a questão da frequente invisibilidade das mulheres negras nos filmes de mulheres brancas e no feminismo em geral. Além do que, o filme de Borden critica a falta de consciência feminista fora da perspectiva heteronormativa, ao abordar questões lésbicas. Born in Flames é conscientemente atento das complexidades das políticas de raça, classe, gênero e sexualidade. E é parte de um movimento feminista mais amplo que começa a reconhecer diferenças entre as mulheres, indo além do feminismo a tratar somente das necessidades das mulheres brancas da classe média alta. O filme de Borden é altamente crítico da visão simplista, comumente aceita, de uma revolução social repentina e única, que libertará permanentemente os oprimidos. Born in Flames gerou controvérsias por sua crítica da política simplista da esquerda. O mundo pós-revolucionário futuro do filme é uma democracia social que reverteu os velhos padrões de dominação masculina e opressão racial. Born in Flames, como Teresa de Lauretis acuradamente observou, "direciona-se a um público feminino" (p. 137) e, nesse sentido, refaz a revolução.
Mulheres de muitos contextos se mobilizam no filme. Lésbicas, heterossexuais, mães solteiras, intelectuais, cantoras pop, artistas underground, djs, afro-americanas, latinas e um exército de mulheres unidas por conta do reconhecimento comum das diferenças, mais que um apagamento destas. Born in Flames marca um momento crucial no feminismo, do mesmo modo que refaz o cinema político de mulheres. Enquanto as feministas começaram a repensar as diferenças, as realizadoras feministas começaram a repensar o prazer. O filme é prazeiroso de ser assistido, ao contrário de muitos filmes políticos. Borden faz uso de efeitos especiais, montagem rápidas, imagens flicadas, e uma aproximação em relação ao material que diverte, ao mesmo tempo que educa. A música de grupos de rock como Bloods e Red Crayola acrescentam um frescor na abordagem do material de um filme político. Uma visão da condição guerreira feminina, Born in Flames diverte mesmo quando demanda de seu público: o espectador é forçado a confrontar sua posição política e é desaprovada uma posição espectatorial passiva. A fala provavelmente mais marcante do filme, dentre muitas marcantes, é proveniente de Pat, uma das personagens principais. "Devemos nos apoderar da linguagem. Devemos nos descrever", ela constata, o que é um grito de guerra não somente para as feministas, mas para as artitas e cineastas. A linguagem do cinema é uma linguagem que está imersa no olhar masculino e na política patriarcal: uma nova linguagem precisa ser formada de baixo para cima. De algumas formas, Born in Flames desafia a descrição. Aparentemente foi algo intencional. Como Borden falou a Anne Friedberg:
Tentar discutir o filme como um tratado lógico político simplesmente não funciona. O filme lida com respostas altamente irracionais a coisas simples. Por que o estupro existe? Por que o estupro continua a existir? Por que existe um sentimeto tão virulentamente anti-homossexual neste país? Pegue qualquer grupo (e poderiam ser os negros) e façam eles espontaneamente despertarem os medos das pessoas. O filme nos leva a um ponto onde as mulheres estão simplesmente cansadas das coisas que sempre tiveram que sorrir e suportar.
Born in Flames tocou em uma corda sensível no movimento de mulheres, particularmente por ser lançado durante uma virada política à direita nos Estados Unidos. O filme seguinte de Borden, Working Girls (As Profissionais do Sonho), gerou uma resposta do público ainda mais ampla, porque lida diretamente com a política sexual da prostituição. O título do filme é uma homenagem à pioneira diretora feminista Dorothy Arzner, que dirigiu um filme de mesmo título em 1930.
Muitas feministas se surpreenderam que a diretora de Born in Flames pudesse apresentar a prostituição como um meio viável de emprego às mulheres mas, adiante de seu tempo, talvez esta seja exatamente a mensagem de Borden. Borden formou sua compreensão sobre o tema, através de sua associação com mulheres do COYOTE, uma aliança feminista de prostitutas e ativistas da profissão, interessadas na profissionalização da prostituição. E talvez não seja surpresa que Borden, uma vez mais, modifique o dogma de um feminismo de definições estreitas. Borden realoca a prostituição no domínio do trabalho, e o faz principalmente pela deserotização do sexo entre cliente e uma "garota trabalhadora". As Profissionais do Sonho é uma crítica das feministas que oprimem outras mulheres por conta de suas perspectivas da prostituição e do trabalho retrógadas e de moldes patriarcais. Como Borden contou a Lynne Jackson:
As mulheres na indústria do sexo tem sido tão vilanizadas de ambos os lados que deve existir um modo com o qual estabeleçamos um diálogo que não seja contra as mulheres que trabalham desta forma. (p.4)
As Profissionais do Sonho é estilisticamente bastante diferente de Born in Flames. E é filmado em um estilo que é muito mais próximo de Chantal Akerman. O filme é composto de longos planos e possui um sabor documental, apesar de ser obviamente ficcional. Borden, em certo sentido, convida o espectador a olhar, em tempo aparentemente real, aos eventos mundanos de um prostíbulo em Manhattan. O filme segue as vidas de dez prostitutas e seus homens. E inclui um dispositivo de enquadramento lésbico ao fundo.E é um dos primeiros filmes a reconhecer que muitas prostitutas possuem significativas relações lésbicas. Borden busca evitar a objetificação do corpo feminino, apresentando-o de forma direta, nem glamuroso nem feio. O mais surpreendente é que Borden reverte completamente esta façanha em seu filme seguinte, Love Crimes (Crimes de Amor).
Crimes de Amor é um exemplo do que infelizmente acontece quando realizadores independentes, tanto homens quanto mulheres, unem-se à máquina hollywoodiana, e perdem suas visões ao longo da trajetória. Ainda que Borden tenha defendido o filme em entrevistas, Crimes de Amor é tão sexista quanto qualquer thriller ameno. Revela a objetificação do corpo de Sean Young e sua trama circula ao redor de um enredo sensacionalista. Sean Young interpreta uma procuradora distrital atraída por jogos sexuais com um fotógrafo de moda/assassino. Não é a descrição dos desejos sadomasoquistas de uma mulher que é perturbador, ainda mais sendo a mulher levada a "compreender" seus desejos por uma figura parental/assassina. Mas realizadoras, como seus colegas homens, certamente tem direito a cometerem erros em público. Espera-se que Lizzie Borden possua a oportunidade de realizar mais filmes que estejam à altura da refrescante originalidade de seus trabalhos anteriores.
FILMOGRAFIA SELECIONADA
Regrouping (1976)
Born in Flames (1983)
Working Girls (As Profssionais do Sonho, 1986)
Love Crimes (Crimes de Amor, 1992)
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Cole, Janis, e Holly, Dale. Calling the Shots: Profiles of Women Filmmakers. Ontario: Quarry Press, 1993.
Cook, Pam. "Border Crossings, Women and Film in Context." em Women and Film: A Sight and Sound Reader, (orgs.) Pam Cook and Philip Dodd, 9-23. Philadelphia: Temple University Press, 1993.
Creed, Barbara. The Monstrous Feminine: Film, Feminism, Psychoanalysis. Londres: Routledge, 1993.
de Lauretis, Teresa. Technologies of Gender. Bloomington: Indiana University Press, 1987.
Erens, Patricia, (org.) Issues in Feminist Film Criticism. Bloomington: Indiana Uni versity Press, 1990.
Friedberg, Anne. "An Interview with Filmmaker Lizzie Borden." Women and Performance 1.2 (1984): 37-45.
Gibson, Pamela Church; Gibson, Roma (orgs.) Dirty Looks: Women, Pornography and Power. Londres: BFI, 1993.
Jackson, Lynne. "Labor Relations: An Interview with Lizzie Borden." Cineaste 15.3 (1987): pp. 4-17.
Lucia, Cynthia. "Redefining Female Sexuality in the Cinema." Cineaste 19. 2-3 (1992): pp. 6-19.
Mayne, Judith. The Woman at the Keyhole: Feminism and Women's Cinema. Bloomington: Indiana University Press, 1990.
Mellencamp, Patricia. Avant-Garde Film, Video, & Feminism. Bloomington: Indiana University Press, 1990.
Quart, Barbara. Women Directors: The Emergence of a New Cinema. New York: Praeger, 1988.
Todd, Janet. Women and Film. Nova York: Holmes and Meyer, 1988.
Texto: Foster, Gwendolyn Audrey. Women Film Directors - An International Bio-Critical Dictionary. Westport/Londres: Greenwood Press, 1995, pp. 46-9.

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