O Dicionário Biográfico de Cinema#287: Alain Resnais

 


Alain Resnais (1922-2014), n. Vannes, França

1948: Van Gogh (d). 1950: Gaughin (d); Guernica (d). 1953: Les Statues Meurent Aussi [As Estátuas Também Morrem] (d) (co-dirigido com Chris Marker). 1955: Nuit et Brouillard [Noite e Neblina]. 1956: Toute la Mémoire du Monde [Toda a Memória do Mundo] (d). 1957: Le Mystère de l'Atelier Quinze (co-dirigido com Marker) (c); Le Chant du Styrène [A Canção d!o Estireno] (d); 1959: Hiroshima, Mon Amour [Hiroxima, Meu Amor]. 1961: L'Anée Dernière a Marienbad [O Ano Passado em Marienbad]. 1963: Muriel. 1966: La Guerre est Finie [A Guerra Acabou]. 1967: Loin du Vietnan [Longe do Vietnã] (co-dirigido com Jean-Luc Godard, Joris Ivens, William Klein e Claude Lelouch). 1968: Je T'Aime, Je T'Aime [Eu Te Amo, Eu Te Amo]. 1974: Stavisky.... 1977: Providence. 1980: Mon Oncle d'Amérique [Meu Tio da América]. 1983: La Vie est un Roman [A Vida é um Romance]. 1984: L'Amour à Mort [Morrer de Amor]. 1986: Mèlo [Melodia Infiel]. 1989: Je Veux Rentre à la Maison [Quero Ir para Casa]. 1993: Smoking/No Smoking. 1997: On Connaît la Chanson [Amores Parisienses]. 2003: Pas sur la Bouche [Beijo na Boca, Não!]. 2006: Coeurs [Medos Privados em Lugares Públicos]. 2009: Les Herbes Folles [Ervas Daninhas]. 2012: Vous N'Avez Encore Rien Vu [Vocês Ainda Não Viram Nada]. 2013: Aimer, Boire et Chanter [Amar, Beber e Cantar].

Resnais realizou dezessete longas em 50 anos e algumas vezes confessou se perguntar de onde viria o próximo filme. Este espaçamento é o resultado de um descomprometimento de uma personalidade artística difícil, ou Resnais perseguiria a complexidade às expensas da autoxpressão? Está  muito bem se afirmar que Resnais dedicou-se aos imensos temas do tempo e da memória, e então adotar suas defesas um tanto pusilânimes de seus próprios filmes. Estes mesmos tópicos parecem imensos em, digamos, Citizen Kane [Cidadão Kane], Lola Montès e Vertigo [Um Corpo que Cai], todos os quais são mais humanamente engajantes que Muriel. E ao perguntar se os eventos da tela são reais ou imaginários, prefiro a engenhosidade erótica de Belle de Jour [A Bela da Tarde] à enervante solenidade em Alta Costura de O Ano Passado em Marienbad. Em resumo, tenho uma percepção que a seriedadede de Resnais é mais elevada que seu uso do cinema, e que demonstra a si próprio incapaz de realizar um contato comunicativo com as platéias. 

Este fracasso é muito difícil de conciliar com suas origens, mas eu apontaria como uma das diversas contradições de sua carreira. Resnais é algumas vezes apontado como uma criança maníaca por cinema. Em sua adolescência é reportado ter realizado filmes em 8 mm, um deles uma versão escolar de Fantomas. E nesta fascinante entrevista com Richard Roud, refere-se aos primevos anseios por imagens em movimento: 

                                                          Nunca sonhei em ser um diretor de cinema quando jovem, mas quando vi pela                                                                              primeira vez os números de dança de Ginger Rogers/Fred Astaire (ou talvez ainda                                                                          antes com Dick Powell e Ruby Keeler),  subitamente possuí um desejo forte,                                                                                 mesmo  violento, de realizar filmes. Estes números de dança possuem um tipo de 
                                                                     movimento sensual que realmente me envolveu, e me lembro de pensar que
                                                                     gostaria de realizar filmes que possuíssem o mesmo efeito sobre as pessoas, que me
                                                                     fez questionar se eu poderia encontrar o equivalente daquela exaltação.
Roud afirmou corajosamente que os filmes de Resnais realmente compartilhavam desta exaltação, mas basta pensar na câmera envolvente de Demy para sentir o peso da consideração sobre os travellings de Resnais e lembrar seu foco no diálogo. 

Resnais originalmente desejava ser um ator, e se uniu ao IDHEC, então como um futuro montador, em parte para manter contato com o universo dos atores. Abandonou o IDHEC sem completar o curso e para nos primeiros anos do pós-guerra realizar filmes privadamente. O que sugere meios independentes e uma mentalidade isolacionista. As obras privadas incluem dois filmes de ficção, um dos quais - Schema d'une Identification (45) - possui Gérard Philipe em seu elenco. Mas o grosso destes filmes eram "visitas" a pintores feitas, admite Resnais, para conhecê-los: portanto estes são documentários sobre Hans Hartung, Max Ernst, Felix Labisse, Lucien Coutard e outros. 

Estes estudos sobre pintura puxaram-no para sua obra profissional, com o estudo de Van Gogh, seguido pelo documentários sobre Gauguin e Guernica, de Picasso. Todos eles me parecem celebrações convencionais da pintura. Mas nos anos 50, Resnais começou a produzir documentários intrigantes, a maior parte dos quais derivados de roteiros vigorosos e literários. Os melhores destes são Noite e Neblina e Toda a Memória do Mundo que, argumentaria, encontram-se entre seus filmes mais atraentes. Esta impessoalidade aparenta verdadeiramente uma reflexão de Resnais e algo requerido por seu material. Parece-me difícil realizar um filme chato sobre Auschwitz, mas muito mais difícil produzir algo tão criterioso quanto Noite e Neblina.

O tempo é claramente a estrutura deste filme, enquanto em Toda a Memória - um filme sobre a Biblioteca Nacional - Resnais compreendeu a futilidade do arquivo e realizou da biblioteca uma imagem borgiana de nossa obsessão com a memória. E é digno de nota que seu grande estilo de câmera tenha sido inaugurado nestes filmes, e que tenha trabalhado de forma mais feliz com paisagens, fileiras de cabanas e estantes que nos filmes ficcionais onde as pessoas são, demasiado frequentemente representações impostas da personalidade humana, alienadas pelos  impressionantes enigmas do tempo e do espaço.

Aqui pode residir a real direção da inteligência de Resnais. Sempre professou sua apreciação pela ficção científica. E o método e a investigação bacanas destes dois documentários possuem uma qualidade futurística, como de uma máquina incapaz de responder à narrativa ou personagem, mas imensamente inteligente. Eu Te Amo é sua peça menos comprometida de ficção científica, o suficiente para tornar Marienbad  igualmente futurista e nos relembrar que a ficção científica é frequentemente prenhe em sensibilidades artísticas curiosamente escassas: portanto, Jules Verne é imaginativo, mas um escritor sem caráter. Sugeriria que os filmes de Resnais não superam tal tipo de desequilíbrio e que seus esforços para produzir calor humano e anedotas, geralmente o levaram a uma febre estranhamente fria, reminiscente do material de filmes para mulheres. Todos os seus filmes tratam os romances com surpreendente banalidade, enquanto os mais românticos - A Guerra Acabou -se assemelham a uma tentativa de escapar a sua própria natureza. 

As contradições são problemáticas. Noite e Neblina foi baseado no imperativo do não esquecimento, ainda que em 1961 a crescente ênfase de Resnais no esquecimento emocional produziu esta estranha declaração: "Se não se esquece, não se pode viver ou funcionar. O problema surgiu para mim quando realizei Noite e Neblina. Não era a questão de fazer outra guerra de memórias, mas de pensarmos no presente e no futuro. O esquecimento deveria ser construtivo." Parece-me conduzir há um interesse no tempo mais filosófico que dramático, mais uma questão de sofisma que uma resposta pessoal. Seus três primeiros filmes parecem-me ávidos, melodramas exagerados impostos sobre um interesse forte, mas especulativo, na temporalidade. Novamente há uma contradição no modo como, após Hiroxima, Resnais falou da possível direção que os personagens poderiam tomar após o último frame. Esta espécie de objetividade - oferecida novamente em Marienbad - e a fé errônea na vida real, isso diminui a preocupação primordial do artista com o que acontece dentro do filme. Também é claramente desafiado por esta declaração de Marguerite Duras, roteirista de Hiroxima

                                                   Antes de realizar este filme, Resnais queria saber tudo sobre a história                                                                                           que iria contar, e sobre a história que não contaria. Como os personagens                                                                                          que estamos lidando, desejava saber tudo sobre eles: sua juventude, suas                                                                                      vidas antes do filme e, até certo ponto, seu futuro após o filme findo.       
                                                          Desde então faço biografias de meus    personagens.                                                                                                                        

 E Resnais traduz estas   biografias em imagens.  Como se estivesse transmitindo um filme                             que já   existia na vida anterior destes personagens.
A discrepância entre tais meticulosidades preliminares e a subsequente mente aberta é um sinal da dependência de Resnais de escritores - Duras, Alain Robbe-Grillet, Jean Cayrol, Jorge Semprun e Jacques Sternberg - e das dúvidas que emergem enquanto atitude filosófica mais que enquanto declaração artística. E é uma confusão pensar de personagens cinematográficas possuindo vidas reais. Assim como o cinema explora pessoas reais - atores e atrizes - seus personagens são sequestrados pelas fantasias do público. A variação no estilo de Resnais - dos elaborados planos em movimento de Marienbad ao estático e fragmentado Muriel - é deliberada e esquemática e não algo que emerja naturalmente do tema. A angústia nos filmes de Resnais, e as mulheres que a sofrem são comumente retidas de nós pela inteligência mortal da abordagem. É algo que aflige Virginia Woolf e por vezes esvazia a experiência da obra, como se fosse vulgar. As relações emocionais na obra de Resnais são invariavelmente negadoras do tempo presente - mais fortes quando lembradas ou inventadas. As cenas de amor em A Guerra Acabou são uma exceção desta premissa: exuberantes, sensuais, e tentando compensar a ênfase cerebral alhures. 

Recorrer a atores de língua inglesa em Providence não parece ter sido um problema para Resnais; pode ter tido mais dificuldade com David Marcer como roteirista. Marcer gosta de desgastar seus personagens com suas culpas e medos; Resnais geralmente considera tais coisas como elementos de um padrão. Providence é um projeto fascinante, suntuosamente realizado: um romancista moribundo em uma casa escura, onde os fantasmas da memória familiar e um novo romance se misturam. Mas foi a cruel diversão da melhor atuação cinematográfica de John Gielgud que tornou o padrão cativante. Em outros locais, soa como construções intelectuais, ausentes de um obrigatório humor e, como sempre, disposto a tratar suas mulheres como manequins nas frias avenidas da memória. 

Morto aos 91 anos, Resnais necessista de uma séria reavaliação. Diversos dos filmes anteriores são difíceis de encarar agora - particularmente Muriel. Do mesmo modo, muito de sua obra recente parece capturada entre a teoria intelectual e o melodrama convencional. De fato, Mélo me parece de longe,  o melhor de seus filmes recentes, aquele no qual a complexidade formal é mais devotada ao personagem e ao sentimento. Pode ainda surgir como um padrão no qual Resnais tem sido constantemente dividido entre aspirações artísticas e um sentido mais profundo de impacto dramático à moda antiga. Mas estaria a luta mais próxima de ser resolvida? Apesar disso, Providence cresce com a passagem do tempo. Houve uma vez de Emannuelle Riva, em Hiroxima, ser o emblema de Resnais. Mas hoje penso no romancista de Gielgud, dividido entre a dor corporal e o êxtase da invenção.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2213-19. 
                                                                        

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso