Filme do Dia: Só a Mulher Peca (1952), Fritz Lang
Só a Mulher Peca (Clash by Night, EUA, 1952). Direção: Fritz Lang. Rot. Adaptado: Alfred Hayes, baseado em peça de Clifford Odets. Fotografia: Nicholas Musuraca. Música: Roy Webb. Montagem: George Amy. Dir. de arte: Caroll Clark & Albert S. D´Agostino. Cenografia: Jack Mills & Darell Silvera. Com: Barbara Stanwyck, Paul Douglas, Robert Ryan, Marilyn Monroe, J. Carrol Naish, Keith Andes, Silvio Minciotti.
Retornando a casa
do irmão Joe (Doyle) após dez anos, Mae (Stanwyck) procura, sem muita
confiança, instituir uma vida em comum com o tímido e ingênuo pescador
solteirão Jerry (Douglas). Porém uma
tensão sempre acompanha sua relação com o melhor amigo de Joe, Earl (Ryan) que
é o oposto de Joe, viril e cheio de energia. Após casados e com uma filha, Mae não
resiste as investidas de Earl e passam a viver uma relação extra-conjugal. Mae revela
tudo a Joe quando esse questiona sobre presentes que ela havia ganho de Earl e
afirma que irá embora com o amante no dia seguinte. Jerry diz a ela que a
perdoa e esquecerá o que passou caso ela continue com ele. Mae se mantem
irredutível. Na noite em que decide partir com Earl, não encontra nem o marido
nem a filha em casa e toma a consciência de que se trata apenas de uma fuga a mais das responsabilidades, decidindo
romper com Earl e ir de encontro ao marido e a filha que se encontram no barco
de Jerry.
Esse filme inicia
com um prólogo pseudo-documental que descreve com sua bela fotografia em
preto&branco um ambiente de baixa renda com uma dureza como poucas vezes se
viu no cinema contemporâneo americano – o descrito por Ida Lupino em alguns de
seus filmes (O Bígamo por exemplo),
ainda que a seu modo tão convincente quanto aqui, é bem mais terno. A forma
magistral com que Lang cria uma atmosfera inicial de suspense sobre os
propósitos de sua heroína – e o fato dela ser vivida pela emblemática Stanwyck
sugere que o filme poderia enveredar por uma senda noir convencional, o que felizmente não faz – e a forma ousada e
casual com que seus personagens são descritos talvez se encontrem entre os
principais atrativos desse filme. De fato, nunca se viu provavelmente uma
Marilyn tão despojada quanto a suburbana longe de polida que vive aqui, papel
que certamente lhe cabe melhor do que a loura sexy e fatal que se tornará sua persona após o estrelato em
produções a cores. Porém o trunfo do
filme, em termos mais comezinhos, mesmo que longe de fascinante quanto o
seu prólogo misterioso, no qual todos personagens podem ser tudo potencialmente,
uma das lições que Lang carrega desde suas aventuras rocambolescas no
cinema mudo alemão, adaptando-a para os
princípios bastante outros dessa produção, é a sua protagonista dividida entre
a paixão sexual e uma vida tranquila, respeitável e tediosa. É claro que o modo
como tudo se resolve ao final soa por demais esquemático para ser convincente,
algo bem típico da época, talvez mesmo imposto pelo estúdio, assim como o
próprio encaminhamento da narrativa irá acabar trilhando passos bem mais
convencionais que ofuscam um tanto o brilho de sua primeira metade. Ainda assim
se trata de uma pequena joia relativamente pouco lembrada da filmografia de
Lang. Destaque para alguns brilhantes diálogos, assim como para um Robert
Ryan de rosto precocemente sulcado que,
mesmo sob o risco da caricatura, consegue ser convincente em sua vileza e
cinismo, tornando-se mais nuançado ao final.
É dele, o diálogo talvez mais marcante do filme, no qual sela sua
identidade de “apodrecimento” com a de Mae, ao afirmar que conhece o que se
esconde por trás de seu “rótulo”. A
interpretação das crises nervosas de Jerry soa um tanto datada, mesmo para um
personagem tão infantilizado. A reviravolta final traz junto consigo a
sugestão, nada crível, de que mesmo na sua embotada simplicidade próxima do
cretinismo, na verdade Jerry é no final das contas o personagem mais maduro. De
todo modo, é interessante observar que por não possuir sonhos ou ambições
deslocadas, ele é quem vive a vida de modo mais tranqüilo. Observar a
cumplicidade feminina que se cria entre o personagem de Monroe e o de Stanwyck
que, no entanto, não consegue chegar ao extremo de ao menos sugerir abandonar
“seu homem”, aninhando-se em seus braços, percebendo os limites de seu desejo de
ser independente. Tampouco se pode deixar de mencionar o título típico
brasileiro à época de seu lançamento, encaminhando-se para um chauvinismo que o
filme não encampa. Wald/Krasna Prod.
para RKO Radio Pictures. 105 minutos.
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