O Dicionário Biográfico de Cinema#112: Jules Furthman

 

Jules Furthman (1880-1960), n. Chicago

Aqui está um personagem para sonhar. Jules Furthman foi frequentemente considerado como um filho da puta desagradável, de língua afiada - e isso de amigos, como Howard Hawks, que dependiam dele. Foi somente um modesto exagero de Pauline Kael que Furthman tenha seu nome em cerca de metade dos mais divertidos filmes jamais produzidos em Hollywood. Ao mesmo tempo, ele é claramente o segredo compartilhado com Sternberg e Howard Hawks, e mesmo a conexão que permitiu Hawks a adquirir muita da sofisticação de Sternberg. A reinvindicação é clara, penso, que de Dietrich a Angie Dickinson, passando por Frances Farmer e Lauren Bacall, Furthman criou no papel o esboço das mulheres mais desafiadoras dos filmes americanos. 

No entanto, Furthman foi um recluso. Viveu em Culver City, era anti-social, cuidando de um filho retardado e cultivando orquídeas premiadas. Não dava entrevistas, e estava suficientemente bem para suportar um escandaloso desemprego, numa época que sua anti-sociabilidade havia dissuadido tantas pessoas. Que tragédia, quando os idiotas piedosos acumularam quilômetros e anos de entrevistas flatulentas. Tenho o sentimento que uma hora com Furthman poderia ter equivalido a uma vida inteira de educação.

Filho de um juiz, educado no nordeste e depois jornalista. Mas estava nos filmes, como roteirista, em 1915, trabalhando nesses primeiros poucos anos como "Stephen Fox", porque seu verdadeiro nome parecia germânico - há um primeiro indício de seu cativante sarcasmo. 

A lista é longa, mas há muito que vale a pena mencionar: de 1915 a 1918, contribuiu apenas com argumentos, mas depois disso foi um roteirista: A Camouflage Kiss (18, Harry Millarde); A Japanese Nightingale (18, George Fitzmaurice); All the World to Nothing (18, Henry King); When a Man Rides Alone (18, King). Houve diversos outros filmes para King em 1919, antes de um trabalho que ansiasse ser visto, ou feito dez anos depois por Von Sternberg: Victory de Conrad (19, Maurice Tourneur).

The Valley of Tomorrow (20, Emmett J. Flynn), Treasure Island (20, Tourneur), como Lon Chaney como Silver; The Great Redeemer (20, Clarence Brown), que Furthman aparentemente escreveu com John Gilbert; Land of Jazz (20), que ele próprio dirigiu; The Big Punch (21, John Ford); The Blushing Bride (21, Furthman); Colorado Pluck (21, Furthman); The Last Trail (21, Flynn); Arabian Love (22, Jerome Storm); Pawn Ticket 210 (22, Scott Dunlap); Lovebound (23, Harry Otto); North of the Hudson Bay [Jornada da Morte], um filme de Tom Mix; The Acquittal (23, Brown); Call of the Mate.

Voltou com Henry King para Sackcloth and Scarlet e Any Woman, ambos veículos para Alice Terry; Before Midnight [Antes da Meia-Noite] (25, John Adolfi); The Wise Guy [Missão de Amor] (26, Frank Lloyd). Ele fez Hotel Imperial (27, Mauritz Stiller); o crucial Underworld [Paixão e Sangue] (27, Von Sternberg); Fashions for Women [A Mulher e a Moda] (27, Dorothy Arzner); Barbed Wire [Amai-vos uns aos Outros] (27, Rowland V Lee); The Way of All Flesh [Tortura da Carne] (27, Victor Fleming); The Dragnet [O Super-Homem] (28, von Sternberg); The Docks of New York [Docas de Nova York] (28, von Sternberg); Abe's Irish Rose [Rosa da Irlanda] (28, Fleming); The Case of Lena Smith [O Romance de Lena] (29, von Sternberg); Thunderbolt [O Homem de Mármore] (29, von Sternberg); New York Nights [Noites de Nova York] (29, Lewis Milestone); Common Clay (30, Fleming); Renegades [Renegados] (30, Fleming); Morocco [Marrocos] (30, von Sternberg), no qual fez o roteiro e os diálogos e ajudou a transformar o "olhar" sternbergiano em fala lacônica. Uma obra-prima, por um lado, Marrocos é também um influência marcante em um modo bastante adulto de observar homens e mulheres, tão necessitados uns dos outros, que se tornaram tímidos de admiti-lo.

É surpreendente observar agora o quanto o rendimento de Furthman diminuiu com ele no pique: Body and Soul [Corpo e Alma] (31, Alfred Santell); Merely Mary Ann [Mary Ann] (31, King); The Yellow Ticket [O Passaporte Amarelo] (31, Raoul Walsh); Over the Hill [Honrarás Tua Mãe] (31, King); Shangai Express [O Expresso de Shangai] (32, von Sternberg) - existe um filme melhor escrito nos primeiros anos do sonoro?; Bombshell [Mademoiselle Dinamite] (33, Fleming); China Seas [Mares da China] (35, Fleming); uma das diversas mãos em Mutiny on the Bounty [O Grande Motim]; Come and Get It [Meu Filho é Meu Rival] (36, Hawks e William Wyler), onde sua principal responsabilidade foi a personagem de Frances Famer; Spawn of the North [Lobos do Norte] (38, Henry Hathaway); Only Angels Have Wings [O Paraíso Infernal] (39, Hawks); The Shangai Gesture [Tensão em Shangai] (41, Von Sternberg); The Outlaw [O Proscrito] (43, Howard Hughes).

Então, com William Faulkner em primeira versão, e com Faulkner e Leigh Brackett numa segunda, escreveu To Have and Have Not [Uma Aventura na Martinica] (44, Hawks) e The Big Sleep [À Beira do Abismo] (46, Hawks), que foram não somente obras magistrais e a criação de Bacall, mas de um novo gênero - a comédia maluca noir; Moss Rose [Rosas Trágicas]  (47, Gregory Ratoff); Nightmare Alley [O Beco das Almas Perdidas] (47, Edmund Goulding), um dos filmes mais misantropos que Hollywood jamais fez; Pretty Baby [Linda Embusteira] (50, Bretaigne Windust); Peking Express [O Expesso de Pequim] (51, William Dieterle), uma refilmagem de O Expresso de Shangai; Jet Pilot (51*, Von Sternberg); Rio Bravo (59, Hawks), onde a garota de Angie Dickinson possui o mesmo nome  da figura de Evelyn Brent em Paixão e Sangue, Feathers. 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 973-75. 

(*) N. do E: ano bastante díspar do que consta no IMDB, 1958; em se tratando de Sternberg, no entanto, podem talvez ter acolhido as datas de produção e lançamento respectivamente. 

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