Filme do Dia: Nasce uma Estrela (1954), George Cukor
Nasce uma Estrela (A Star is Born, EUA, 1954). Direção:
George Cukor. Rot. Adaptado: Moss Hart, a partir do roteiro escrito para a
versão de 1937 por Dorothy Parker, Alan Campbell & Robert Carson, sob o
argumento de William Wellman & Carson. Fotografia: Sam Leavitt. Música: Ray
Heindorf. Montagem: Folmar Blangsted. Dir. de arte: Gene Allen & Malcolm C.
Bert. Cenografia: George James Hopkins. Figurinos: Jean-Louis & Mary Ann
Nyberg. Com: Judy Garland, James Mason, Jack Carson, Charles Bickford, Tommy Noonan,
Lucy Marlow, Amanda Blake, Irving Bacon, Hazel Shermet, James Brown.
Esther Blodgett (Garland) é uma
crooner de uma banda de jazz que chama a atenção por acaso do decadente ator
Norman Maine (Mason). Ele convence seu produtor, Oliver Niles (Bickford) a dar
um papel a ela, que logo a transformará em nova sensação de Hollywood, como
Vicky Lester. Esther se casa com Norman, porém se a sua carreira profissional
ascende, a vida com Norman está a cada
pior, dado o seu alcoolismo e crescente desprezo da indústria, não mais
conseguindo papéis e tendo seu contrato com Niles cancelado, por pressão. Permanecendo
um tempo longe de tudo e de todos em um sanatório para se recuperar, Norman
volta a beber, após ser contrariado pelo inescrupuloso e provocador agente
publicitário Matt Libby (Carson). Desaparecerá de casa por quatro dias, sendo
localizado em uma delegacia. Norman é condenado pelo juiz a 3 meses de prisão,
mas a pedido de Esther fica sob sua fiança. Ele escuta uma conversa entre
Esther e Niles de que ela pretende abandonar a carreira no cinema no auge e se
suicida se afogando no mar. Esther presta uma homenagem a ele em uma festa
beneficente no Shrine Auditorium.
O que essa produção economiza em
termos de, dada à passagem do tempo, não mais ter que apresentar uma visão
mítica edulcorada e hagiográfica de Hollywood para depois parcialmente
demoli-la ou ainda sua heroína não mais ser a indefesa virgem provinciana do
original de 1937 se alonga ao ter abraçado o gênero musical com gosto - e
tempo. De fato, faz-se uso do cinema para um encavalamento de diversas canções
em que a protagonista assiste com Norman em um cinema, apenas para se observar
em várias outras dimensões – uma no palco e outra em diversas fases de sua
vida. Porém essa é apenas uma das muitas
diversas formas que o musical se insinuará ao longo da trama, indo das
filmagens de uma cena à gravação de um áudio, do meio de um diálogo a um tour de force para uma plateia de um só,
no caso de Vicki para Norman – no momento talvez de maior exigência para Garland.
A produção foi mais honesta em creditar a base narrativa explícita que deve ao
filme de Wellman, porém desse não se pode dizer o mesmo ao ter surrupiado, de
forma menos literal, elementos de um filme do próprio Cukor, Hollywood (1932). Talvez mais que
qualquer outra versão aqui se ponha de forma mais sofisticada o drama do desejo
de se afastar do insípido cotidiano da modernidade com os sonhos de estrelato.
E, de forma mais universal ainda, a projeção em Esther, por Parte de Norman
Maine, do estrelato que lhe foge, numa generosidade e dedicação que somente os
verdadeiramente derrotados interiormente conhecem; aliás, em nenhuma das
versões provavelmente essa dimensão vem a ser mais ressaltada. E, evidentemente, dentro dessa generosidade
reside a semente inconsciente da continuidade de seu brilho no corpo e voz de
Esther, dita agora Vicki. Embora, na intimidade, ela continue sendo chamada por
seu nome de batismo. Assim, Norman
inicialmente rejeita os avanços de Esther/Vicki. Essa é que sucumbe ao seu próprio
sentimento de retribuição, quando ele lhe alertara, muito cônscio, que era
demasiado tarde. E o Norman de Mason talvez consiga um equilíbrio mais humano
entre o inconveniente bêbado de voz provocativamente autoconsciente do quanto é
detestado secretamente pelo meio que o circunda e o terno e dedicado marido que
March, Kristofferson ou Cooper. Se uma
das cenas mais icônicas, a da intervenção inconveniente de Norman em meio a uma
apresentação musical (presente e comentada por Scorsese em Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano – Parte 1) se dá logo ao
início e consegue traduzir melhor o amargo sabor do trânsito entre o universo
do mundo do espetáculo musical em colisão direta com a instabilidade e alta
competitividade do mundo artístico, a cena da premiação do Oscar, em que Norman
afirma apenas querer um emprego – como Bette Davis o fará alguns anos depois em
um anúncio de jornal – é mais provocadoramente direta que em qualquer outro dos
filmes homônimos. E a que Garland, com o rosto completamente maquiado como uma
caipira estetizada, apresenta seu desespero em relação à situação do marido
auto-destrutivo ao produtor Oliver Niles não fica exatamente atrás, com sua
maquiagem vivaz contrastando com o tom agônico do seu discurso. Esse momento
também traz uma apreciação com franqueza inédita nas outras produções do quanto
a relação de Esther para com os problemas do marido é repleta não apenas de
entrega e apoio, mas também de ódio por suas fraquezas, ódio esse que se volta
contra ela própria. Segue bem próximo,
em vários momentos, o filme de Wellman, inclusive em suas sequencias finais,
mesmo que com algumas pequenas variações. Nada prepara o espírito do espectador
desavisado, nem mesmo os agradecimentos a Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas pelo importante trabalho de recuperação de filmes, incluindo
particularmente esse, para o que aparentemente seria uma cena antecipadora da
modernidade europeia, a partir de stills, após mais de uma hora de filme. Na
verdade, logo se perceberá, não sem grande dose de espanto, que inúmeras cenas
do filme, a partir de então, perderam-se e o melhor recurso conseguido foi o de
apresentar stills das cenas em p&b, acompanhadas – mas nem sempre - de seu
áudio original, tal como se faz
habitualmente com produções mudas!! Tal ocorreu quando o filme foi reeditado
por sua longa duração e a parte extraída dele literalmente inutilizada. Em uma
de suas cenas mais retrospectivamente divertidas, esse mesmo espectador
desavisado não reconhecerá, como Maine, Esther ao observá-la atravessando um
corredor do departamento de maquiagem do estúdio. E a risada sádica de Maine
nada fica a dever da protagonista da personagem-título de Martha, de Fassbinder, quando ela muda de penteado – terá sido este
filme a motivação da mesma? Transcona Enterprises para Warner Bros. 175 minutos.
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