O Dicionário Biográfico de Cinema#24: Howard Hughes

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Howard Hughes (1905-1976)
n. Houston, Texas

O povo do cinema não pode obter o suficiente de Hughes - não importa a persistente sugestão de relatos de que não havia muito lá. Porém o pouco que havia era tão talhado para lenda, deixando-nos o sentimento que o lúgubre e suspeito Hughes possuía algum plano higiênico para perder a vida e passar imediatamente a mito. Seus sócios escreveram livros sobre ele - Robert Maheu e Noah Dietrich. Houve um relato de sua vida, e uma história documentada de seus negócios, Empire, escrita por Donald Bartleet e James Steele - para não dizer da recorrência virótica de Hughes em muito da história política contemporânea.

Depois, há a história do vagabundo desgrenhado no deserto em Melvin and Howard [Melvin e Howard] (80, Jonathan Demme), a pensativa participação de Dean Stockwell em Tucker [Tucker: Um Homem e Seu Sonho] (88, Francis Coppola), e o mais completo retrato seu no cinema, brilhante e patológico, como um tio de Gary Gilmore, por Tommy Lee Jones em The Amazing Howard Hughes (77, William A. Graham). Acima de tudo isso, tem a chance de Warren Beatty um dia - quando ele tiver idade suficiente? - interpretar Howard Hughes. Essa perspectiva é por si própria lendária, ou transportado pelo ar, e nos faz lembrar que Hughes chegou bem próximo de planejar sua própria morte em seu cenário favorito e infinito, o céu (Barlett e Steele reconheceram que ele já era um cadáver quando o carregaram no avião em Acapulco). Então, ele perdeu a chance de morte sublime de Gregory Arkadin em Condiential Report [Grilhões do Passado] (55, Orson Welles). Porém isso nos faz lembrar que Hughes havia afetado o romance no cinema desde a época de Cidadão Kane.

Minha peça favorita da mitologia de Hughes é o ensaio de Joan Didion de 1967, um tributo a casa assombrada, abandonada por seu fantasma, "7000 Romaine, Los Angeles 38" (o título se refere ao escritório de Hughes em Los Angeles - ainda lá, ainda fechado. Didion pôde perceber, já naquela época, que Hughes - que em sua ausência assombrosa, senão mesmo lírica, havia se tornado principalmente um tema para histórias: "Que tenhamos feito de Howard Hughes um herói  diz algo interessante de nós mesmos, algo vagamente lembrado, nos diz que o encontro secreto entre dinheiro e poder na América não diz respeito as coisas que o dinheiro pode pagar nem ao poder pelo poder...mas sobre a liberada pessoal absoluta, mobilidade, privacidade."

Enquanto um admirador sem esperanças de Hughes (que uma vez horrorizou um futuro sogro ao sugerir a infelicidade de Howard), posso testemunhar para as asas em grande altitude de Didion. E penso que é simples porque Hughes é admirado pelas pessoas do cinema: a riqueza destrambelhada, a extraordinária fama e o anseio de não ser nada; a obsessão com voar; a obsessão por hotéis, Las Vegas e comida sem sangue entregue em sacos plásticos - esse é o reino do garotinho; a tola recorrência aos filmes, de dirigir estúdios, morenas, louras e peitos. Ele é o fã que anda nas ruas, que realiza filmes e é chefe de um estúdio, e que é louco e esperançoso o suficiente de ter Jean Harlow, Jane Russell, Katharine Hepburn, Ida Lupino, Jean Simmons, Janet Leigh, Faith Domergue e até Jean Peters (com quem veio a casar), e por aí vai, na noite. Hughes fez o que qualquer espectador tímido sonhou fazer. E ele ficou tão louco quanto o chapeleiro, deixando a lenda para Clifford Irving e o resto de nós.

Algumas pessoas se riem de sua preocupação com Jane Russell, como se a devoção sexual não fosse algo nobre. Russell era uma mulher muito amável e divertida, especialmente quando jovem, do mesmo modo irônico, como se compreendesse que só havia um modo de saber se os seus peitos eram reais ou não; a direção de fotografia de peitos foi empurrada adiante por The Outlaw [O Proscrito], como foi uma provocação criativa  à prudência e censura do meio; o registro de Hughes mostra que endossou o flagrante e honesto julgamento de Russell sobre o prazer sexual e, ao mesmo tempo, olhou para ela como uma piada; nesse aspecto, como em outros, há uma associação intermitente de Hughes com o que Hawks apresenta em seu estilo e atitudes; porém, o mais interessante, era a brincadeira de Russell como o kit de ereção de qualquer garoto que ansiava pelo lírico douramento da pin up pelos artistas pop americanos dos anos 50; e que antecipa a filosoficamente divertida ênfase bissexual dos filmes de Warhol - que, por sua vez, nos recorda que esse vagabundo maltratado, O Proscrito, foi o primeiro filme americano a sugerir que a homossexualidade podia ser prazerosa.

Hughes e o cinema tinham dois retumbantes confrontos. Enquanto jovem milionário, ele formou a Caddo Corporation e produziu filmes: Two Arabian Nights [Dois Cavaleiros Árabes] (27, Lewis Milestone); The Mating Call [Força que Seduz] (28, James Cruze); The Racket [A Lei dos Fortes] (28, Milestone); e então levou dois anos até Hell's Angels [Anjos do Inferno] (30), que dirigiu pessoalmente. Anjos do Inferno é um lugar comum dramático, desajeitadamente amarrado, e sem clara autoria, mas a fotografia aérea é soberba e as cenas com Jean Harlow são de outro filme, bem superior. Hughes descobriu Harlow quando outros passavam por ela. Ela, também, possuía, a agressividade sexual levemente preguiçosa que caracterizava suas descobertas. Mas, como um grande romântico, cansou-se dela ou não encontrou nada que lhe coubesse. Pelo contrário, ele a emprestou a MGM com um lucro colossal e, por fim, a vendeu por completo, reservando-se o direito de produzir um último filme com ela, um dos melhores, Bombshell [Mademoiselle Dinamite] (33, Victor Fleming). Durante isso, Hughes produziu um filme de uma peça de Hecht-MacArhtur, The Front Page [A Primeira Página] (31, Milestone), o filme de fala mais rápida até então e Scarface  [Scarface - A Vergonha de uma Nação] (32, Hawks), o mais barroco dos pioneiros filmes de gangster. Após mais um filme de aviação, Sky Devils  [Demônios do Céu] (32, Edward Sutherland), ele se afastou do meio, com a intenção de voar sozinho.

Muitos anos antes de sua segunda fase, descobriu Jane Russell e a pôs em O Proscrito. Hawks iniciou o filme em 1940, mas abandonou-o quando Hughes decidiu filmar à noite. Então ele teve que filmar o filme ele próprio, o primeiro western filmado entre paredes. Mas ele esperou seis anos antes de lançá-lo, momento de provocar uma tempestade de protestos puritanos que garantiram o sucesso do filme. Em 1946 possuía um interesse vivaz: Faith Domergue. Inventou para ela um filme chamado Vendetta para ela. E assumiu ele próprio a direção após demitir Preston Sturges, Max Ophüls e Stuart Heisler, finalmente creditando-o (quando foi lançado em 1950) a Mel Ferrer. No mesmo ano ele produziu Harold Lloyd em The Sin of Harold Diddlebock [Trapalhadas do Haroldo] (46, Preston Sturges). Nenhum dos filmes é bem sucedido, Vendetta chega a ser ruim, mas permanece na memória por seu modo bizarro de produção.

Em 1947, começou a comprar para si a RKO, aquela estranha marginal, de quem eventualmente se cansaria e a poria nas mãos da TV, em 1955. Como chefe de estúdio, foi frequentemente indisponível, ocasionalmente intensamente envolvido em filme ou atriz que despertou sua fantasia. Porém, foi bom para certos talentos como Nicholas Ray, Robert Ryan e Don Siegel. Ao mesmo, ele reteve à aversão da RKO pela estupidez; em seu melhor, jogou fora os fragmentos de filmes fascinantes. A pesquisa ainda precisa se certificar de quando sua mão fraquejou, mas ele parece ter tomado conhecimento ao menos desses: The Big Steal (49), para o qual contratou Don Siegel; The Woman on Pier 13 [Nuvens da Tempestade] (49, Robert Stevenson), que veiculava seu raivoso anti-comunismo; The Racket [A Estrada dos Homens sem Lei] (51, John Cromwell); Jet Pilot [Estradas do Inferno] (51, Josef von Sternberg, com várias mãos tolhendo-o); Flying Leathernecks [Horizonte de Glórias]  (51, Nicholas Ray); Second Chance [Última Chance] (52, Rudolph Maté); sete filmes estrelados por Jane Russell - o divertido His Kind of Woman [Seu Tipo de Mulher] (51, John Farrow); Double Dynamite [Isto Sim é que é Vida] (51, Irving Cummings; The Las Vegas Story [A Caminho do Pecado] (52. Stevenson); Macao (52, Sternberg); Montana Belle (52, Allan Dwan); The French Line [Um Romance em Paris] (53, Lloyd Bacon); Underwater [O Alforge do Diabo] (54, John Sturges); e Son of Sinbad [O Filho de Sinbad] (55, Ted Tedzlaff).

Também confiou Jean Simmons a Angel Face [Alma em Pânico] (52, Otto Preminger), quando ela sequer falava com ele, e alertou Robert Ryan sobre como interpretar o magnata paranóide e viciado em Caught [Coração Prisioneiro] (49, Max Ophüls). Seria deprimente pensar que algo como isso seria resolvido como fato ou fanfarronada. Hughes é daqueles pioneiros que viam pouca diferença entre os dois.

The Aviator [O Aviador] foi fraco e nada digno de seu retratado. Warren Beatty disse que está pronto, mas resta apenas o velho - as unhas estão crescidas o suficiente quando tudo mais parar?

Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. Londres: Knopf, 2010, pp. 4710-4724.

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