O Dicionário Biográfico de Cinema#305: Howard Hawks
Howard Hawks (1896-1977), n. Goshen, Indiana, EUA
1926: The Road to Glory [Espelhos d'Alma]; Fig Leaves [S.M. a Mulher]. 1927: The Cradle Snatchers [Elas por Elas]; Paid to Love [Paga para Amar]. 1928: A Girl in Every Port [Uma Noiva em Cada Porto]; Fazil [Príncipe Fazil]; The Air Circus [Conquistando os Ares]. 1929: Trent's Last Case [Quem é o Culpado?]. 1930: The Dawn Patrol [A Patrulha da Madrugada]. 1931: The Criminal Code [O Código Penal]. 1932: The Crowd Roars [Delirante]; Scarface, the Shame of a Nation [Scarface: A Vergonha de uma Nação]; Tiger Shark [O Tubarão]. 1933: Today We Live [Vivamos Hoje]. 1934: Viva Villa! (creditado a Jack Conway, mas co-dirigido com Hawks); Twentieth Century [Suprema Conquista]. 1935: Barbary Coast [Duas Almas se Encontram]. 1936: Ceiling Zero [Heróis do Ar]; The Road to Glory [Caminho da Glória]; Come and Get It [Meu Filho é Meu Rival] (co-dirigido com William Wyler). 1938: Bringing Up Baby [Levada da Breca]. 1939: Only Angels Have Wings [O Paraíso Infernal]. 1940: His Girl Friday [Jejum de Amor]; The Outlaw [O Proscrito] (co-dirigido com Howard Hughes, não lançado até 1946). 1941: Sergeant York [Sargento York]; Ball of Fire [Bola de Fogo]. 1943: Air Force [Águias Americanas]. 1944: To Have and Have Not [Uma Aventura na Martinica]. 1946: The Big Sleep [À Beira do Abismo]. 1948: Red River [Rio Vermelho]; A Song is Born [A Canção Prometida]. 1949: I Was a Male War Bride [A Noiva Era Ele]. 1951: The Thing (*) (creditado a Christian Nyby, com Hawks enquanto produtor, mas é ver para crer). 1952: The Big Sky [O Rio da Aventura]; "The Ranson of Red Chief", episódio de O. Henry's Full House [Páginas da Vida]; Monkey Business [O Inventor da Mocidade]. 1953: Gentlemen Prefer Blondes [Os Homens Preferem as Louras]. 1955: Land of the Pharaohs [Terra dos Faraós]. 1959: Rio Bravo [Onde Começa o Inferno]. 1962: Hatari! [Hatari]. 1964: Man's Favorite Sport [O Esporte Favorito dos Homens]. 1965: Red Line 7000 [Faixa Vermelha 7000]. 1967: El Dorado. 1970: Rio Lobo.
Quando os críticos jogam jogos infantis - tais como selecionar os dez melhors filmes de todos os tempos a maioria se comporta como diligentes substitutos de um círculo platônico, optando por filmes marcantes, pontos de virada na arte do cinema. Agora se imagine como um Crusuoé quando um navio afunda: um navio transportando os tesouros cinematográficos do mundo, o S.S. Langlois. Deixe de lado pensamentos urgentes; haverá tempo nesta espécie de sonho para um Lang, um Ophüls, um Mizoguchi, um Rossellini, um Hitchcock, um Sternberg, um Murnau, um Renoir, um Buñuel, um Ozu e um Hawks nos dias que estiver fora nesta ilha.
Mas um Crusoé precisa ser honesto consigo mesmo, tal como o herói de Dafoe, que previu que o dinheiro seria inadequado na ilha, mas ainda assim não conseguiu suportar deixá-lo afundar, sabendo que o resgate justificaria sua prudência. Então, segure a jangada enquanto em ponho as mãos em Suprema Conquista, Levada da Breca, O Paraíso Infernal, Jejum de Amor, Uma Aventura na Martinica, À Beira do Abismo, Rio Vermelho, A Noiva Era Ele, Os Homens Preferem as Louras e Onde Começa o Inferno.
Demasiada fácil e superficial a minha resposta ao arquivo completo, você protesta? Mais que correto. Durante todo o trajeto até a ilha, remando minha jangada, lamentarei a ausência de O Esporte Favorito dos Homens (cheio de dicas aquáticas úteis), e já submerso, completamente abalado pela ideia de O Inventor da Mocidade ter sido deixada para trás e atormentado pelas perdas de Águias Americanas, Heróis do Ar e Scarface.
De volta ao mundo civilizado haveria bibliotecas repletas de obras de história do cinema que apoiam Howard Hawks. Os editores de Sight & Sound ainda podem acordar no meio da noite temendo a lembrança de não terem se dado ao trabalho de resenhar Onde Começa o Inferno. E aqueles dispostos a ceder admitirão que "o velho Hawks certamente faz filmes divertidos..." com vazia caridade e olhos arregalados e mentes ansiosas a encontrarem o lado bom de todo homem. Mas as ressalvas se acumulam: Hawks é antiquado, sujeito às limitações do cinema comercial, propenso a uma visão romântica de homens em ação; em resumo, um cineasta para rapazes que nunca cresceram.
A implicação é que Hawks foi um plácido e obediente artesão dentro de uma moldura estreita e corrupta. Nada fez que negasse esta interpretação de si. Mesmo a divertida e reveladora entrevista a Peter Bogdanovich não conseguiu persuadir o lacônico veterano a ir além da admissão de que ele sempre gostava de colocar o máximo de diversão e ação em seus filmes o quanto possível. Menosprezava trama e conteúdo e mal se referia aos efeitos de câmera. Não há uma tentativa em esconder os valores masculinos em seus filmes. E nenhum interesse em ir além do eufemismo compartilhado pela maior parte dos seus personagens em elaborar sobre as implicações e indicações das situações recorrentes e ritualísticas que o obcecavam. Como Monet sempre pintando lírios ou Bonard recriando sua mulher no banho, Hawks somente fez uma obra. E o princípio deste cinema é que os homens são mais expressivos enrolando um cigarro que salvando o mundo. Deve-se destacar que Hawks se atenta a estes pequenos detalhes porque é o maior otimista que o cinema já produziu. Tente lembrar do último filme otimista que assistiu, e pode perceber que não se trata de uma conquista insignificante. Não que ele não perceba a tragédia. O otimismo advém de uma compreensão do fracasso e se baseia nas virtudes e cordialidades em pessoas de mãos dadas com seus defeitos. Morte, ruptura e perda abundam no universo de Hawks, ainda que sejam observadas placidamente. O senso não anunciado de destruição em Heróis do Ar e Caminho da Glória são a visão mais surpreendentemente franca da Depressão no cinema americano dos anos 30. Levada da Breca - não por acaso fotografado por Russell Metty é uma comédia maluca circundada por trevas, sempre a um passo da loucura. Sargento York é uma história de consciência ultrajada, mal admitida. À Beira do Abismo não contém apenas o General, gelado em sua abalada estufa, mas também Elisha Cook engulindo veneno. Rio Vermelho é uma história de juventude usurpando a velhice. A Noiva Era Ele chega tão perto da frustração sexual, apenas para torna-la ridícula.
A pista para a grandiosidade de Hawks é que este sombrio é costurado contra o tecido do gênero no qual está operando. Longe de ser um simples fornecedor obediente das formas de Hollywood, ele sempre optou por subvertê-las. Uma Aventura na Martinica e À Beira do Abismo, ostensivamente uma aventura e um thriller, respectivamente, são na verdade histórias de amor. Onde Começa o Inferno, aparentemente um western - todos usando um chapéu de cowboy - é uma sombria peça de conversação. As comédias ostensivas são filmadas através de suas emoções expostas, com as visões sutis de uma guerra dos sexos e com um irônico reconhecimento da incompatibilidade entre homens e mulheres. Homens e mulheres se enfrentam nos filmes de Hawks com o entendimento de que um abraço é apenas um prelúdio para o afastamento e a desilusão. As deslumbrantes batalhas de palavras, insinuações, olhares e gestos - entre Grant e Hepburn, Grant e Jean Arthur, Grant e Rosalind Russell, John Barrymore e Carole Lombard, Bogart e Bacall, Wayne e Angie Dickinson - são procrastinações utópicas a fim de evitar a parafernália do amor consumado, que só pode se esgotar. Em outras palavras, Hawks está no seu melhor, em momentos nos quais nada acontece além das pessoas argumentarem sobre o que pode acontecer ou aconteceu. Bogart e Bacall em À Beira do Abismo não são apenas personagens emaranhados em um tortuoso thriller, mas um constante público para o filme, comentando em meio ao seu desenrolar. O mesmo é verdade para todas as cenas em Onde Começa o Inferno quando a tênua base do enredo é ponderada. Daí o porque, ao final de Rio Vermelho, de Joanne Dru interromper a luta entre Wayne e Clift, com "Quem teria imaginado que um de vocês mataria o outro?"
O "estilo" de Hawks reside neste comentário astucioso; nenhum outro diretor pavimentou as controversas tramas de gênero e as respostas de um espectador maduro. E isso porque há tal inteligência emocional, tal senso de engenhosidade, a câmera quase invisível. A questão é que seus atores interpretam para e com ele, como se ele estivesse sentado ao lado da câmera que os registra. Seu método envolve a criação de uma performance em ensaio para o qual o roteiro foi somente um ímpeto. O que quer que o roteiro diga, Hawks sempre o transformava naqueles duradouros tableaux. Era uma exigência de seu método selecionar atores e atrizes que respondessem a este tipo de companheirismo provocador e que o público os aceitasse como sendo adultos. Não é de se espantar que Cary Grant seja tão central na obra de Hawks. Mas percebam o quão longe Onde Começa o Inferno nos apresenta um Wayne e um Dean Martin dificilmente reconhecidos por outros diretores. E não esqueçamos a lista de pessoas sejam descobertas ou trazidas a uma nova vida por Hawks: Louise Brooks (escolhida por Pabst para A Caixa de Pandora após vê-la em Uma Noiva em Cada Porto); Boris Karloff; Carole Lombard; Rita Hayworth; Richard Barthelmess; Jane Russell; Lauren Bacall; Dorothy Malone; Montgomery Clift; George Winslow; Angie Dickinson; e James Caan.
O otimismo derivava de um prazer nas pessoas, expresso na descoberta de novos rostos e na produção de novas expressões em rostos antigos. Neste sentido, Hawks mesclava a narrativa clássica com o cinema verité. Afinal, À Beira do Abismo foi como um filme doméstico, realizado em meio aos interiores sombrios de um estúdio dos Warners. Esta visão da intimidade tem, repetidamente, rompido as circunstâncias aprisionadoras dos filmes de entretenimento. Hawks é a figura suprema do cinema clássico. Por ser tão não assumidamente um inovador, tão naturalmente alguém do entretenimento, sua obra não tem sido superada.
O que me deixa em minha ilha: com Lombard socando Barrymore no estômago em Suprema Conquista; com Hepburn acertando aquela longa tacada em Levada da Breca; com Grant perguntando "Quem é Joe?" em O Paraíso Infernal; com o vaso de flor passando pela janela em Onde Começa o Inferno; com a lenta panorâmica ao amanhecer antes do gado começar a atravessar o rio em Rio Vermelho; e com Bacall estalando "ajude a si próprio" em À Beira do Abismo.
Aí esta um lema, se você quiser: basta relaxar músculos antigos e enfadonhos, e exercitar aqueles não descobertos por outros filmes e se permitir.
Trinta anos após o escrito acima, não movo uma palavra escrita, ou deixo algum dos filmes de Hawks para minha ilha. Nada do que revisei ficou datado ou envelheceu - e gostaria de dizer o mesmo da maior parte dos diretores americanos da era dourada. Há somente uma coisa a acrescentar. Que o mistério sobre a vida de Hawks cresceu.
Quanto mais se sabe sobre sua vida, mas fica claro que era um mentiroso crônico e compartimentalizador, um reservado trapaceiro, um discreto dândi e um mulherengo destrutivo. A biografia de Todd McCarthy começou a organizar a bagunça de sua vida ao lado da graça heroica dos filmes. Mas Hawks foi sempre um fazedor de comédias e diversão (mesmo quando o tom era trágico). Há um absurdo em Hawks, e um deleite nabokoviano no jogo por ele próprio. Portanto, de uma forma bastante relevante, este americano aparente pode ter sido contrário ao espírito de seu tempo e lugar. Isso pode ajudar a explicar por que os filmes se tornam cada vez mais fascinantes.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1175-79.
N. do E: no IMDB o título original é The Thing from Another World


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