Filme do Dia: Meu Filho é Meu Rival (1936), Howard Hawks



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Meu Filho é Meu Rival (Come and Get It, EUA, 1936 Direção: Howard Hawks & William Wyler. Rot. Adaptado: Jane Murfin & Jules Furthman, a partir do romance de Edna Farber. Fotografia: Rudolph Maté & Gregg Tolland. Música: Alfred Newman. Montagem: Edward Curtiss. Dir. de arte: Richard Day. Cenografia: Julia Heron. Figurinos: Omar Kiam. Com: Edward Arnold, Frances Farmer, Joel McCrea, Walter Brennan, Mady Christians, Mary Nash, Andrea Leeds, Frank Shields.
Final do século XIX. Barney Glasgow (Arnold), ambicioso lenhador, consegue construir um império a partir do momento que não declina do convite de se casar com a filha de seu sócio e não com a mulher que ama, Lotta (Farmer), cantora de cabaré que, no último momento, recusa-se a trai-lo para beneficiar o dono do saloon. Quem casa com Lotta é seu melhor amigo e testemunha da paixão de ambos, o também lenhador Swan (Brennan).  Mais de duas décadas após, incentivado pela filha Evvie (Leeds), Barney decide ceder aos apelos do amigo Swan e visitá-lo. Lotta morrera pouco antes, mas ao conhecer sua filha, também chamada Lotta (Farmer), Barney sente-se fortemente apaixonado outra vez. Ele ajuda Swan e sua família a mudarem para a cidade, porém percebe o crescente interesse do filho, Richard (McCrea) por Lotta. Enciumado e irascível, o todo-poderoso magnata terá que se defrontar com essa frustração pessoal.
Essa produção é notável, em relação ao panorama cinematográfico da época, por várias razões, que vão desde fatores relacionados a sua produção – não apenas Hawks tendo sido demitido e substituído por Wyler, mas isso igualmente se refletindo no estilo visual, sobretudo iluminação do filme – quanto, e mais importante, por trazer para o cenário ainda bem mais fortemente moralista da época um tema que nem mesmo os filmes produzidos duas décadas após, como as adaptações de Tennessee Williams ousaram, que é a disputa entre pai e filho pela mesma mulher. O que o certamente o torna mais interessante é a linha tortuosa que sua narrativa segue, sugerindo e depois desfazendo elementos tidos como dados, de certa forma antecipando estratégias que somente ganhariam destaque no cinema norte-americano já na fase madura de Hitchcock. Assim, se inicialmente a cumplicidade que surge entre Lotta e Barney rapidamente vem, rapidamente também é descartada, com a opção singularmente prática da personagem de optar pela saída mais cômoda, em termos econômicos – evidentemente punida, pelas regras do melodrama,  na imagem final, em que badala histericamente um sino enquanto observa seu filho partindo com uma cópia fiel da mulher que amara; porém aqui não existe conciliação possível e sua imagem final é singularmente destituída dos atropelados e inverossímeis finais felizes que pululam até nos dramas mais liberais de duas décadas após, como as adaptações de Williams citadas. O que salta mais a vista é a opção por um personagem apresentado desde o início de forma igualmente invulgarmente ambígua, já que a cartela, como o próprio filho ressaltará posteriormente em termos diegéticos, sinaliza para a postura de  ambição do empregado tornado empresário  como não possuindo limites e a mínima preocupação ecológica com sua atividade depredatória, exibida aliás de forma generosa em uma digressão de tons semi-documentais  ao início e, ao mesmo tempo, com toques de generosidade evidentes e menos preso aos ditames impostos pelos círculos sociais elitizados que sua empertigada mulher. O drama do envelhecimento de um homem que não o aceita e que de forma nada incomum se apaixona por uma mulher mais jovem, figura duplicada de sua primeira frustração imposta a si próprio (e antecedendo, em certos aspectos, a mais complexa interação com esse “duplo”, também vivido por uma mesma atriz em Um Corpo que Cai, de Hitchcock) é apresentado de forma pungente e igualmente ambígua, capaz de provocar tanto a rejeição e prédica moral-social, por vezes expressa de maneira introjetada pelo próprio personagem, como ao afirmar a um amigo que os flagra no trem, que se trata de alguém com idade para ser sua filha – duplicidade moral que seria explicitamente posta em questão por um realizador como Buñuel em seu Susana – quanto a potencial identificação por parte do espectador que seja fisgado pelo drama do mesmo. O filme sinaliza de forma vaga para possibilidades de satisfação para Barney, como a dele se interessar pela tia da garota, mas igualmente tal opção surge impeditiva diante do casamento, casamento ao qual nem sempre parece disposto a romper de fato mesmo diante desse novo arroubo de paixão, sinalizando para a possibilidade de vivenciarem uma relação extra-conjugal em outra cidade para uma atônita e desconcertada Lotta, enquanto noutro momento, num ímpeto em nada muito diverso do personagem de Buñuel, apresenta-se sim disposto a se separar de própria mulher e assumi-la como esposa. Frances Farmer, que vivencia com garra uma carismática e deslumbrante Lotta duas vezes, seria marcada por episódios que levariam a sua curta carreira ser interrompida por internações psiquiátricas por parte de sua família, morrendo alcoólatra mesmo após uma parcial retomada da carreira, agora na TV, já nos anos do ocaso do cinema clássico. Sua biografia um tanto sensacionalista seria levada as telas no filme Frances (1982), sendo vivida por Jessica Lange. Destaque igualmente para o personagem maior que a vida de Edward Arnold, que vivencia de forma intensa mas sem cair no caricatural, um dos poucos patriarcas assumidamente sexuados da história da dramaturgia cinematográfica clássica americana – e é bastante curioso que o elemento conflitivo aqui repouse sobre ele e não sobre os jovens com sua tendência a negar os valores da geração que lhes antecede tal como incorporado nas adaptações de Williams (Gata em Teto de Zinco Quente), nos melodramas sirkeanos à exceção de Tudo o Que o Céu Permite, onde o conflito também emerge de uma protagonista madura e nos dramas liberais  também da década de 1950 de realizadores tão distintos quanto George Stevens (Assim Caminha a Humanidade) ou Nicholas Ray (Juventude Transviada). Algo que vale para o personagem do “parvo”, figura masculina praticamente “apaixonada”  pelo personagem masculino mais viril, um dos traços aliás da filmografia de Hawks e aqui chegando aos laivos de pular literalmente para os braços do outro, que também demonstra, ainda que de forma mais modesta, não ser completamente assexuado, ao simplesmente assumir a figura da amada do personagem principal, numa configuração completamente excêntrica igualmente em relação aos códigos habituais. Talvez uma das curiosidades que mais impregne o filme seja a utilização do tema musical tradicional, da época da Guerra Civil, Aura Lea, da qual foi pensada outra letra, mundialmente conhecida como Love me Tender, um dos maiores sucessos de Elvis Presley e também título de filme protagonizado por ele.  Howard Prod. para United Artists. 99 minutos.


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