O Dicionário Biográfico de Cinema#54: Marcello Mastroianni

Marcello Mastroianni – Wikipédia, a enciclopédia livre

Marcello Mastroianni (1923-96), n. Fontana Liri, Itália

Melancolia e desencantamento pós-coito brilham nos  olhos de Mastroianni. Alexander Walker analisou sua mescla de anunciado apelo sexual e verdadeira apatia no limite da impotência. Seja nas mãos de Sophia Loren nas comédias eróticas italianas, rebaixado por Jeanne Moreau em La Notte [A Noite] (61, Michelangelo Antonioni) ou demitido por Ursula Andress em La Decima Vittima [A Décima Vítima] (65, Elio Petri), Mastroianni não ganha créditos de satisfação sexual. É possível então que seu apelo às mulheres se dê, por se encontrar parcialmente esgotado pela saciedade? Ou sua inércia é um incitamento às mulheres, a provocar a amorosidade delas?

Seja qual for a resposta, Mastroianni é claramente apreciador de um mundo de sexualidade tão permissiva que passou a inventar contorções psíquicas: em seu caso, o homem vacilante - "O que compõe sua deficiência", escreve Walker "é a ilusão de seu grande público, em sua maioria feminino romântico, que é atraída por um sinal dele como um caso adequado para seus cuidados e, ao mesmo tempo, despertado pelo pensamento de vê-lo com todos os seus poderes restaurados." Mastroianni certamente teve um apelo internacional, ainda que raramente se aventurasse a trabalhar fora da Itália. Talvez ele se adeque melhor na concepção matriarcal e católica da sexualidade masculina.

Nem, tampouco, foi uma estrelato  imediato. Durante uma distinta carreira nos palcos, ele começou a fazer filmes em 1947 - I Miserabili(*) (Riccardo Freda) - e trabalhou constantemente ao longo dos anos 50: Domenica d'Agosto [Domingo de Agosto] (50, Luciano Emmer); Parigi e Sempre Parigi [Paris é Sempre Paris] (51, Emmer); Le Regazze di Piazzi di Spagna [Garotas da Praça de Espanha] (52, Emmer); Tempi Nostri [Nossos Tempos] (54, Alessandro Blasetti); Peccato che Sia una Canaglia [Bela e Canalha] (54, Blasetti); Cronache di Poveri Amanti [Os Amantes de Florença] (54, Carlo Lizzani); Giorni d'Amore [Dias de Amor] (54, Giuseppe de Santis); Il Bigamo [Bígamo à Força] (56, Emmer); Padre e Figli [Pais e Filhos] (57, Mario Monicelli); como o melancólico pretendente em Le Notti Bianchi [Noites Brancas] (57, Luchino Visconti); La Loi [A Lei dos Crápulas] (58, Jules Dassin); I Soliti Ignoti [Os Eternos Desconhecidos] (58, Monicelli); e Racconti d'Estate [Contos de Verão] (58, Giani Franciolini).

Sua reputação cresceu quando Fellini o escalou como o protagonista que não se sustenta em meio a dissolução de La Dolce Vita [A Doce Vida] (59), insatisfeito e não satisfazendo sua noiva, amante, a estátua na fonte Anita Ekberg ou sua própria insípída consciência. Nos anos 60, Mastroianni foi bastante demandado e sua passividade não disfarçaria  a variedade e o humor de suas interpretações: como o marido quase impotente em Il bell'Antonio [O Belo Antônio] (60, Mauro Bolognini); Adua e le Compagne [Ádua e Suas Companheiras] (60, Antonio Pietrangeli); em La Notte [A Noite], brigando com sua esposa, enquanto um outro nada promissor amanhecer emerge da noite; como o assediado suspeito em L'Assassino [O Assassino] (61, Petri); como um esgotado siciliano em Divorzzio all'Italiana [Divórcio à Italiana] (61, Pietro Germi); o perplexo apoio para Bardot em Vie Privée [Vida Privada] (62, Malle); Cronaca Familiare [Dois Destinos] (62, Valerio Zurlini); como o confuso diretor de 8 e 1/2 (63, Federico Fellini); como o professor em I Compgani [Os Companheiros] (63, Monicelli); enchendo infinitamente sua mulher de bebês em Ieri Oggi Domani [Ontem, Hoje e Amanhã] (63, Vittorio De Sica); relutante em casar com Loren em Matrimonio all'Italiana [Matrimônio à Italiana] (63, De Sica); realizando o fetiche de um romance perigoso em Casanova 70 (Monicelli, 65); como o forasteiro Camus em Lo Straniero [O Estrangeiro] (67, Visconti); contracenando com Faye Dunaway em Amanti [Um Lugar Para os Amantes] (69, De Sica); I Girasoli [Os Girassóia da Rússia] (69, De Sica); Dramma della Gelosia [Ciúme à Italiana] (70, Ettore Scola); o bondoso, mas ineficaz, homem rico de Leo the Last [Príncipe sem Palácio] (70, John Boorman); La Moglie del Prete [A Mulher do Padre] (71, Dino Risi) ; Che? [Que?] (72, Roman Polanski); Mordi e Fuggi (72, Risi); Le Grande Bouffe [A Comilança] (73, Marco Ferreri); Salut l'Artiste (73, Yves Robert); Rappresaglia [O Carrasco de Roma] (73, George Pan Cosmatos); L'événement le Plus Important Depuis que l'Homme a Marché sur la Lune [Um Homem em Estado...Interessante] (74, Jacques Demy); Allonsanfàn (74, Paolo e Vittorio Taviani); Per le Antiche Scale [O Segredo das Velhas Escadas] (76, Bolognini); como o homossexual em Una Gionarta Particolare [Um Dia Muito Especial] (77, Scola); Ciao Maschio (78, Ferreri); Cosi Come Sei [Tentação Proibida] (78, Alberto Lattuada); e Fatto di Sangue fra Due Uomini per Causa di una Vedova. Si Sospettano Moventi Politici (78, Lina Wertmuller).

Nos últimos vinte anos, tornou-se crescentemente propenso à comédia (mesmo que em papéis sérios) e tão relaxado que confiava em sua face gasta, rosto irônico e  presença fiel para testemunhar as provações do homem moderno. Às vezes, confiou-se em demasia - havia uma indolência que nem sempre disfarçava seu próprio tédio: L'Ingorgo (79, Luigi Comencini); La Città delle Donne [Cidade das Mulheres] (79, Fellini); La Terrazza [O Terraço] (79, Scola); Giallo Napoletano [Atos Proibidos de Amor e Vigança] (79, Corbucci); Fantasma d'Amore [Fantasma de Amor] (80, Risi); La Pelle [A Pele] (80, Liliana Cavani); como Casanova em La Nuit de Varennes [Casanova e a Revolução] (81, Scola); Oltre la Porta [Atrás Daquela Porta] (82, Cavani); Gabriela (83, Bruno Barreto); Enrico IV  (Henrique 4) (83, Marco Bellocchio); Storia di Piera [A Estória de Piera] (83, Ferreri); Macaroni (85, Scola); Ginger e Fred (86, Fellini); O Melissokomos [O Apicultor] (86, Theo Angelopoulos); Intervista [Entrevista] (87, Fellini); muito tocante no tchecoviano Oci Ciornie [Olhos Negros] (87, Nikita Mikhalkov); Splendor (89, Scola); Verso Sera (90, Francesca Archibugi); Stanno Tutti Benne [Estamos Todos Bem] (90, Giuseppe Tornatore); To Meteoro Vima tou Pelargou [O Passo Suspenso da Cegonha] (91, Angelopoulos); Used People [Romance de Outono] (Beeban Kidron); e (sic) Do Eso No se Habla (93, Maria Luisa Bemberg).

Por fim, tendia a sorrir benignamente para todo o barulho: Ready to Wear [Prêt-à-Porter] (94, Robert Altman); Al di là delle Nuvole [Além das Nuvens] (95, Antonioni e Wim Wenders); A Che Puntto è la Notte (95, Nanny Loy); Afirma Pereira [Págindas da Revolução] (96, Roberto Faenza); Trois Vies & une Seule Mort [Três Vidas & Uma Só Morte] (96, Raul Ruiz); Viagem ao Princípio do Mundo (97, Manoel de Oliveira)

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Cinema. Nova York: Alexander A. Knopf, 2014, pp. 1735-37.


N. do T: Não foi identificado esse título na filmografia de ambos, mas sim Caccia all'uomo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng