Filme do Dia: 17 Quadras (2019), Davy Rothbart
17 Quadras (17 Blocks, EUA,
2019). Direção e Rot. Original: Davy Rothbart. Fotografia: Zachary Shields.
Música: Nick Urata. Montagem: Jennifer Tiexiera.
Busca traduzir as dificuldades de uma
família negra que mora a 17 quadras do Capitólio em Washington, defrontando-se com a criminalidade, a violência e o uso de drogas em seu meio e por ela
própria (a mãe Cheryl, o padrasto de ocasião, alguns dos irmãos), de dentro. Criada
sem pai – que foi assassinado – e que tem um de seus membros, Smurf, vítima de
um atentado que será um divisor de águas na família, uma irmã, Denice, e um irmão
do mais jovem, de 9 anos, Emmanuel que comanda as filmagens, sendo imagens mais rotineiras do
cotidiano da família as mais recorrentes. Ou ainda dos jogos na
quadra de basquete, a mesma que Smurf viria a ser vítima de um tiroteio. E
novamente o número 17 emerge, já que foi o número de balas que dispararam
contra ele. Trata-se de um material selecionado a partir de mais de mil horas
de filmagem que atravessaram mais de duas décadas, embora não fique muito claro
se se situaram em alguns momentos específicos, já que vemos a passagem do final
dos anos 90 para 2009 e, posteriormente 2016, o que torna mais factível essa
impressão. Também não fica muito claro, com o passar dos anos, quem efetua o
registro dessas imagens, que ficavam a cargo do caçula Emmanuel. E o filme vai
construindo uma história que tem uma apropriação muito próxima da ficcional, ou
dos programas reality em vários aspectos. Dentre eles, a apresentação prévia de
cenas (o enterro, uma visita a casa que morara no passado) que somente teremos
maior compreensão de seu impacto no futuro. Ou ainda o entrelaçamento de uma
montagem que acompanha momentos do personagem vivenciados mais ou menos ao
mesmo tempo – e a montagem paralela sugere mesmo simultaneidade – como a de
Justin conquistando a faixa amarela no judô, enquanto a avó resolve
voluntariamente se isolar para um tratamento de desintoxicação. E com uma
trilha sonora a enfatizar ainda mais a conjunção dos episódios. E tendo um
terceiro episódio colado aos dois. A decisão da juíza que concede condicional a
Smurf que ameaçava pegar um tempo na cadeia. Porém, o mais chocante aqui é que
não apenas Smurf, o irmão “errado” não será morto, mas também Emmanuel, o
próprio garoto que filmara boa parte das imagens iniciais do filme, não era
usuário de drogas, conseguira se formar e iria se casar, sendo o irmão “certo”,
será a vítima, ao tentar proteger o restante da família. E as fortes marcas de
sangue, despertando a curiosidade dos gatos da casa, sendo posteriormente
lavadas, podem ser uma imagem dura o suficiente para se pensar a continuidade
da realização das demandas do cotidiano após uma situação tão disruptiva quanto
essa. E a morte se torna um elemento social recorrente, e aproximado do caso
Emmanuel inclusive quando alguém comenta a pouca diferença de datas de outro
folder impresso na mesma gráfica; ou a noiva do falecido encontra, vasculhando
seus pertences, a foto de um funeral de
alguém que era provavelmente amigo dele, e está enterrado no mesmo
cemitério que esse será. E a imagem mais
tocante do filme talvez seja a repetição daquela que Emmanuel havia gravado com
os mesmos nove anos, falando sobre suas matérias preferidas na escola, por
parte de um sobrinho dele. E sobre esse sobrinho, Justin, pesa não apenas a
semelhança física, mas também certa postura diante da vida, que somada ao peso
familiar das semelhanças, faz inclusive ele sonhar em ser bombeiro, como o
tio se encaminhava para ser. A matriarca Cheryl, a determinado momento,
confessa em áudio que sempre sonhara em ser estrela de cinema como Marilyn
Monroe. O que talvez explique parcialmente a forma como ela e sua família se
expõem de maneira tão direta à câmera, ou que uma reconciliação entre mãe e
filho, no caso ela e Smurf, dê-se catarticamente diante da câmera. O resultado
final de tão longeva empreitada é que se cria uma “parede” ou moldura que
filtra a tudo e todos, deixando muito pouco espaço para observações que
transcendem toda a ordem de clichês aqui apresentados (vício, superação, culpa,
heroísmo), ainda que consigam saltar umas poucas vezes pelas brechas do receituário
que possui um epílogo dignificante que não faz feio a tantas aparentadas
ficções, como é o caso de Denice afirmando o quanto detesta cozinhar ou como
ficará sua situação caso o irmão venha a ser preso, e seus filhos fiquem com
ela. Ou ainda – e de longe mais distante de um discurso já construído – um dos
filhos adolescentes da família contabilizando a quantidade de mulheres que
havia “comido”. MTV Documentary Films. 94 minutos.
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