O Dicionário Biográfico de Cinema#304: Michelangelo Antonioni
MICHELANGELO ANTONIONI (1912-2007), Ferrara, Itália
1943-47: Gente del Po (d); 1948: N.U. (Nettezza Urbana) (d). 1949: L'Amorosa Menentzogna [Lies of Love]; Superstizione (d); Sette Canne un Vestito [Seven Reeds, un Suit] (d). 1950: La Funivia del Faloria [The Funicular of Mount Faloria] (d); La Villa dei Mostri [The Villa of Monsters; Cronaca di un Amore [Crimes d'Alma]. 1953: I Vinti [Os Vencidos]; La Signora Senze Camelie [A Dama sem Camélias]; "Tentato Suicidio", um episódio no filme L'Amore in Città [O Amor na Cidade]. 1955: Uomini in Piú (*); Le Amiche [As Amigas]. 1957: Il Grido [O Grito]. 1958: Nel Segno di Roma [O Escudo Romano] (co-dirigido com Riccardo Fredda). 1960: L'Avventura [A Aventura]. 1961: La Notte [A Noite]. 1962: L'Eclisse [O Eclipse]. 1964: Il Deserto Rosso [O Deserto Vermelho]. 1965: "Prefazione", um episódio no filme I Tre Volti [As Três Faces de uma Mulher]. 1966: Blow-Up [Blow-Up - Depois Daquele Beijo]. 1969: Zabriskie Point. 1972: Chung Kuo [China] (d). 1975: Professione: Reporter [Profissão: Repórter]. 1980: Il Mistero de Oberwald [O Mistério de Oberwald]. 1982: Identificazione di una Donna [Identificação de uma Mulher]. 1995: Al di Là delle Nuvole [Além das Nuvens] (co-dirigido com Wim Wenders). 1989: "Roma", episódio de 12 Registi per 12 Città (d). 2001: Il Filo Pericoloso delle Cose. 2001: Just to be Together (**). 2004: Eros (co-dirigido).
O universo de desânimo sentimental e metafísico de Antonioni deveria incluir uma tal figura como ele mesmo: um homem de vasta aspiração intelectual e artística; um diretor de cinema capaz de despir as pessoas até peles fragéis que mal podem se tocar sem causar dor; mas um visionário da alienação emocional, tão morbidamente convencido do isolamento das pessoas que algumas vezes termina por fotografar figuras em uma paisagem. Em resumo, dentro de um breve espaço de tempo ele desviou-se da exatidão psicológica à abstração. Pois se suas suspeitas da dissolução humana são sonoras então os filmes são somente uma absurda resposta ao irritante instinto humano de auto-expressão. Mesmo que nem sempre se possa compartilhar dos tormentos de Antonioni. Ele era seu próprio personagem, afastado de nós, sem palavras diante do que foi perdido. Como Monica Vitti simboliza próximo ao final de A Noite: "Toda vez que tentei me comunicar com alguém, o amor desapareceu."
Graduou-se pela Universidade de Bolonha - em economia e negócios, porque sua namorada estudava estes temas. Escreveu roteiros e trabalhou no teatro, tornando-se crítico de cinema para Il Corriere Padano e realizou seus primeiros filmes amadores. Editou Cinema, mas foi demitido por ser demasiado esquerdista para os fascistas. Após um curto período no Centro Sperimentale, trabalhou nos roteiros de Un Pilota Ritorna (42, Roberto Rossellini) e I Due Foscari [Máscara de Sangue] (42, Enrico Fulchignoni). No mesmo ano, foi à França para ser assistente de Marcel Carné em Les Visiteurs du Soir [Os Visitantes da Noite]. Nos anos após a Liberação, continuou como crítico e trabalhou intermitentemente em Gente del Po, um documentário realista sobre uma região italiana ao qual retornaria em O Grito.
Também inaugurou o sentimento por colapso social que permeou sua obra, e que lhe proporcionou um suave qualidade acalmada para o realismo de seus documentários iniciais. A despeito de suas simpatias esquerdistas, os documentários rurais e urbanos de Antonioni tendem a ignorar os problemas imediatos de seus sujeitos para identificar um desconforto mais profundo. Portanto N.U. - sobre lixeiros - declara fatos e afirmações que empalidecem diante do efeito apático das ruas cinzentas. Qualquer que seja a mensagem verbal, os visuais possuíam uma melancolia de Carné e do cinema alemão. No entanto, mesmo com esta alienação urbana crescente em desilusão com todos os processos comunicativos, Antonioni nunca perdeu um interesse nos eventos sociais precisos. Os filmes com Monica Vitti constituem uma crítica da Itália moderna; Blow-Up se interessa na ética banal da Swinging London, e Zabriskie Point brota do descontentamente estudantil californiano. E é importante observar que todos casos de conscientização social de Antonioni são baseados em uma visão clichê que é facilmente absorvida em seu lamento privado para o colapso que facilmente se desvia em uma graça visual irrelevante. Como Thomas em Blow-Up, seus filmes posteriores saborosamente ignoram as complexidades de situações e preferem fotografar o charme instável de seu entorno. Portanto, o estranho parque em Blow-Up e o deserto de Zabriskie se sobrepõem às histórias humanas.
Mas o período de Crimes d'Alma a O Grito é triunfante. Nestes anos, ele conseguiu descobrir uma linguagem cinematográfica fluida para demonstrar as consequencias dolorosas dos casos de amor, mais alinhada a Renoir do que a Carné e que, incidentalmente, foi a primeira nova demonstração da teoria da caméra-stylo de Astruc. Estes filmes estão salvos de serem mórbidos pelo terno rigor com que a câmera traça sentimentos através de açóes. Eles combinam uma espontaneidade de comportamento e precisão na observação. As Amigas é magistral. Aqui está uma narrativa de Antonioni de como seu estilo evoluiu da realização criativa do comportamento:
Meu hábito de filmar cenas longuíssimas nasceu espontaneamente no primeiro dia da filmagem de Crimes d'Alma. Ter a câmera fixa em sua base imediatamente me causou real desconforto. Senti-me paralisado, como se eu tivesse sendo impedido de acompanhar de perto a única coisa do filme que interessava, quer dizer, os personagens. No dia seguinte, pedi uma dolly, e comecei a seguir meus personagens até eu sentir que necessitava mover para outro exercício. Para mim, este foi o melhor modo de ser real, de ser verdadeiro (...). Nunca fui bem sucedido em compor uma cena sem ter uma câmera comigo, nem tampouco era sequer capaz de fazer com que meus personagens falassem de acordo com um roteiro pré-estabelecido (...). Precisava ver estes personagens, ver até mesmo seus mais simples gestos.
Esta vitalidade do gesto desapareceu no período seguinte, restringida pela postura trágica do amor. Assim como Antonioni generalizou o fracasso do amor, do mesmo modo idealizou mulheres abandonadas - corporificadas em quatro filmes com Monica Vitti - e os tornaram crescentemente estáticos e abstratos. A Aventura, A Noite, O Eclipse e Deserto Vermelho se tornaram menos comoventes o quão mais urgentemente Antonioni clama diante de sua situação. São filmes desanimados nos quais a urgência por expressão é distorcida em pictorialismo e composições letárgicas de entropia e em que uma sensação geral de arrependimento é curiosamente aguçada por uma espécie de desejo visual. Em A Noite, por exemplo, Jeanne Moreau anda sem rumo por Milão testemunhando provas da desordem social, emocional e intelectual. No entanto a caminhada é erotica no modo como a restringe ao status de objeto. Em todos estes filmes, mas particularmente em A Noite, há uma implacável e desesperançada progressão do intercurso sexual como a última ação humana que pode ser efetuada. São filmes brilhantes, mas sem ânimo, como se Antonioni houvesse estendido "cada um possui suas próprias razões" de Renoir para "cada um possui suas próprias justificações". Há um conflito constante, não percebido, entre a insensatez dos objetos físicos, a beleza elaborada e moribunda dos movimentos de câmera, e a radiância de Vitti.
Mas Antonioni estava no processo de escapar do "mero" melodrama. Não há nada mais desafiador em A Aventura que a noção que o mistério não precisa ser resolvido, que a jovem se foi. Um buraco se formou na "história" para que o ar informe da vida possa se infiltrar. Igualmente em A Noite e O Eclipse sentimos a força sutil da cidade e do mundo prontas a inundar os personagens, livrando-nos das preocupações áridas das histórias pequenas e privadas. E não se trata de fé - Antonioni é um ansioso incrédulo. Chame-o de iluminação ou continuidade. A conclusão de O Eclipse - com o encontro perdido e o cruzamento urbano se movimentando independentemente - é uma das passagens seminais do cinema moderno. Infelizmente, fez com que tantas outras coisas parecessem antiquadas.
Há um elemento suicida nestes filmes, felizmente dissipado em Blow-Up, o mais próximo que Antonioni chegou do humor e um filme que modifica sua visão da apartação humana para a própria fotografia, algo sugerido em A Dama sem Camélias. Blow-Up permanece um filme frio e acadêmico, mas é lúcido e bastante emocionante na sequencia central do dark room. Foi um bizarro sucesso comercial, que possibilitou Antonioni realizar Zabriskie Point, sua mais bela investigação sobre o vazio. Enquanto os filmes de Renoir pulsam com breves compreensões e incompreensões entre as pessoas, Zabriskie Point é uma acomodada contemplação de figuras em uma paisagem, soberbamente fotografado como se por um dos invasores de corpos de Don Siegel. Suas pessoas são objetos, sejam relíquias de uma cultura humanista condenada, sejam o prelúdio para uma nova sociedade na qual regressem à energia primitiva das criaturas do deserto. Ainda que seja por Zabriskie Point ser tão frio, ele demanda atenção. De fato, há uma astura comparação entre as "explosões" (***) em Blow-Up e Zabriskie Point. No primeiro, as ampliações fotográficas ilustram o modo que os seres humanos impõem seu instinto por sentido na realidade exterior. Enquanto no último, as repetidas explosões na casa do deserto - privadas da violência pelo silêncio - falam da esterilidade desamparada ds coisas materiais; não apenas os bens materiais, mas a acumulação irrelevante de coisas que não possuem significância interior.
O deserto é a filosofia em Profissão: Repórter, um dos grandes filmes dos anos setenta. Melodrama e arrependimento são substituídos pela fé serena no universo da luz, espaço e providência. A constante tentativa da câmera se afastar das pessoas parece uma afirmação verdadeiramente mística. Profissão: Repórter não deixa nenhuma dúvida sobre a maestria de Antonioni, e avança radicalmente na inquietação anterior. A sequência final, no Hotel de la Gloria, é uma afirmação sobre a qual Antonioni está sempre viajando, inalando um universo quente e ocioso para além da intriga, como se o filme fosse sobre viagens espaciais.
O Mistério de Oberwald foi filmado em vídeo, permitindo muitos experimentos com a cor; foi tanto uma adaptação de L'Aigle à Deux Têtes de Cocteau quanto um veículo para Monica Vitti. Identificação de uma Mulher lida com um diretor de cinema em busca tanto de sua esposa quanto de um novo personagem feminino: possui elementos de um thriller psicológico e o mais abertamente erótico filme do realizador, mas é também uma extensão de sua série de filmes a questionarem a identidade no mundo moderno e que parecem pairar à beira de uma perda de memória definitiva. Poucos diretores tem sido mais afetados pela natureza e capacidade da câmera. Identificação possui momentos excessivamente solenes, mas é uma obra de um grande diretor, e aparentemente sua última, pois os projetos futuros de Antonioni não se concretizaram, e agora ele estava acometido pelos efeitos de um derrame. Mais uma vez, a situação difícil do maior realizador vivo do mundo incapaz de trabalhar é um tema compatível com algumas de suas meditações. Somente Bertolucci ou Angelopoulos poderiam tentá-lo.
Os enigmas de Antonioni são tema para o tempo, assim como os monumentos o são para a erosão, e as conquistas de alguns filmes podem compensar o aparente, ou inicial, limites de outras. Por exemplo, Profissão: Repórter nos ajuda a ver o anseio por espaço e fuga em A Aventura, e iluminou às persistências da vida ao final de O Eclipse. Suspeito que os melhores filmes de Antonioni continuarão a crescer e mudar, como dunas em séculos de deserto. Neste processo, se os olhos forem deixados ver, tornar-se-ão um padrão para a beleza.
Foi vítima de um derrame no começo dos anos 90, mas ainda inclinado a trabalhar. Além das Nuvens - feito com Wim Wenders em seus passos - acusou um real declínio, e seu episódio para Eros foi menor. Quando morreu (no mesmo momento de Ingmar Bergman) ficou claro que, juntos, representavam o cinema de arte da era moderna. Mas Antonioni é mais que isso - ele é o romancista moderno no cinema. Faça sua escolha - Profissão: Repórter, O Eclipse, A Noite, A Aventura, As Amigas. É uma extraordinária façanha. Se tivesse gostado de rir um pouco mais, ficaria ao lado de Renoir.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 78-84.
N. do E: (*) não consta este filme no IMDB como sendo do realizador, mas como tendo sido lançado em sob direção de Nicoló Ferrari.
(**) não há registro sobre esta produção no IMDB.
N. do T: (***) originalmente um jogo de palavras intraduzível a brincar com o duplo sentido do termo blow up, que significa tanto explosão quanto o processo de ampliação fotográfica, cabendo perfeitamente no último caso inclusive ao próprio título do filme e no primeiro, as explosões finais de Zabriskie Point.

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