Filme do Dia: Lucky (2017), John Carroll Lynch

 


Lucky (EUA, 2017). Direção: John Carroll Lynch. Rot. Original: Logan Sparks & Drago Sumonja. Fotografia: Tim Suhrstedt. Música: Elvis Kuehn. Montagem: Robert Gajic. Dir. de arte: Almitra Corey. Figurinos: Lisa Norcia. Com: Harry Dean Stanton, David Lynch, Ron Livingston, Ed Begley Jr., Tom Skerrit, Barry Shabaka Henley, James Darren, Beth Grant, Ulysses Olmedo.

O nonagério Lucky (Stanton), veterano marinheiro da Segunda Guera,  vive em uma pequena comunidade do Arizona, onde todos se conhecem. Nunca tendo casado, ele mora só, sem animais de estimação, sendo orgulhosamente ateu, e convivendo sem maiores dificuldades que a sua própria ranzinice, com os outros, incluindo Howard (Lynch), abalado desde o sumiço de seu cágado de estimação. E também Elaine (Grant), a dona do bar que costuma frequentar e Victoria (Mercedes), que o convida para uma fiesta de aniversário de seu filho, Juan (Olmedo), onde inesperadamente Lucky solta a voz e canta em espanhol, acompanhado posteriormente por mariachis. Tendo recentemente levado uma queda, que o médico (Begley Jr.) não consegue diagnosticar como vinculado a aparentemente nada mais sério, além de sua própria idade, Lucky após a fiesta vai ao bar de Elaine, onde momentaneamente tira todos do conforto habitual, e terminando por fumar, mesmo contra as regras do local, e da advertência anterior de Elaine.

Singelo tributo a Stanton, o filme consegue driblar algumas armadilhas que quase sempre pairam sobre propostas equivalentes, emprestando ao seu personagem uma dignidade que dispensa o sentimentalismo, paternalismo e até mesmo a morte, recurso fácil, sendo que a despedida do personagem/ator se dá como a de um cowboy nonagenário que lenta mais empertigadamente abandona a paisagem desértica. E, por outro lado, apresenta traços da decrepitude física no corpo de Lucky/Stanton, enfrentamento que boa parte dos filmes contemporâneos que possuem protagonistas de idade avançada, preferem estrategicamente evitar.  Talvez o melhor de tudo seja a idiossincrasia do personagem, que se permite desgostar de certos costumes juvenis, como o de expor a sua homossexualidade em um bar, sem deixar de observar o quanto o talento de Liberace lhe havia fugido à época, ofuscado que havia sido por sua aversão aos seus modos extravagantemente gays. Composto de pequenos momentos, mais que de uma narrativa mais classicamente armada. E embora esses pequenos encontros, ilustrativos do cotidiano de seu personagem, sejam fundamentais – num deles uma jovem passa em sua casa, para saber se ele está bem, e o flagra regando suas plantas apenas de roupa de baixo, além de botas e chapéu – os diálogos ganham protagonismo sobre os gestos ou ações, culminando no melhor deles, quando Lucky desconcerta o advogado sobre o qual não nutre simpatia, afirmando que só existe algo pior que o silêncio constrangedor, a conversa fiada. Esse, mesmo quando consegue entabular um diálogo posterior, com um Lucky menos armado, parece não se desvencilhar de sua lógica mercantil, ainda quando aponta uma situação que lhe fizera questionar a sua vida, após Lucky ter lhe confidenciado sobre sua queda recente, pois logo após engatilha uma conversa sobre testamento e cuidados com o funeral, parando a determinado momento, como se percebesse que se fosse um passo além ganharia de volta a animosidade explícita de seu interlocutor uma vez mais. Talvez seja o momento que traduza com maior engenho essa vida de pequenos contatos sociais, boa parte provocados pelo mero acaso, como esse. Lucky afirma, a determinado momento, que estar só e solidão não são sinônimos. Stanton faleceria antes do lançamento oficial do filme nos Estados Unidos. David Lynch, admirador do ator, surge em pontas de relativo destaque e se saindo bem como ator. Filme de estreia do realizador, que possui extensa filmografia como ator. Superlative Films/Divide-Conquer para Magnolia Pictures. 88 minutos.

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