O Dicionário Biográfico de Cinema#284: Roman Polanski
Roman Polanski, n. Paris, 1933
1957: Rower (não finalizado) (c); Mordestwo [Assassinato] (c); Rozbijemy Zabawe... [Interrompendo a Festa]. 1958: Ewag Ludzie z Szasa [Dois Homens e um Armário] (c). 1959: Anioly Spadaja [Anjos Caídos] (c). 1962: Noz w Wodzie [Faca na Água]; Ssaki [Mamíferos] (c). 1963: Le Gros et le Maigre (c). "La Riviere de Diamants", episódio de Les Plus Belles Escroques du Mond [Os Maiores Vigaristas do Mundo]. 1965: Repulsion [Repulsa ao Sexo]. 1966: Cul-de-Sac [Armadilha do Destino]. 1967: Dance of the Vampires [A Dança dos Vampiros]. 1968: Rosemary's Baby [O Bebê de Rosemary]. 1971: MacBeth. 1972: Che? [Que?]. 1974: Chinatown. 1976: Le Locataire [O Inquilino]. 1979: Tess [Tess - Uma Lição de Vida]. 1986: Pirates [Piratas]. 1988: Frantic [Busca Frénetica]. 1992: Bitter Moon [Lua de Fel]. 1995: Death and the Maiden [A Morte e a Donzela]. 1999: The Ninth Gate [O Último Portal]. 2002: The Pianist [O Pianista]. 2005: Oliver Twist. 2007: um episódio para Chacun son Cinéma [Cada Um com Seu Cinema]. 2010: The Ghost Writer [O Escritor Fantasma]. 2011: Carnage [O Deus da Carnificina]. 2012: A Therapy (c). 2013: La Venus a Fourrure [A Pele de Vênus].
Quem teria pensado, em 1978, quando Polanski pulou a dança, abandonou a América, e escapou da acusação de ter seduzido uma garota de 14 anos, que o exílio posterior se tornaria seu modo de vida? Estes problemas não são resolvidos? Não é isso que os advogados de Hollywood fazem? Até aquele momento (e ele possuía apenas 45 anos) Polanski era famoso como sobrevivente. Sua mãe havia perecido em Auschwitz; seu pai havia sido enviado para outro campo. Sua infância tinha sido tão assombrada e perseguida que se diz ter inspirado The Painted Bird, de Jerzy Kosinski (*).
Ainda assim o baixinho, um pouco feio, tinha-se afirmado. Havia sido um estudante brilhante, e um convidado subversivo na Inglaterra. Então foi a América e fez dois grandes sucessos: Rosemary's Baby [O Bebê de Rosemary] (horror de alta classe) e Chinatown (noir político). O triunfo havia sido conquistado em desafio ao massacre de sua esposa, Sharon Tate, uma das vítimas da gangue de Manson, em seu ataque a Cielo Drive. A sua foi uma história de tragédia e superação. Chinatown possui muitos talentos, mas a maior parte reconhece que Polanski foi decisivo para que a obra fosse realizada. Parecia acentuadamente americano de forma precisa.
E então...? A ociosidade e a estranheza de O Inquilino, que parece algo como uma admissão inesperada de seu próprio sofrimento. O sucesso lhe eletrizou ou tornou-o relaxado? Baseado desde seu "incidente" em Paris, fez filmes que não parecem seus. Tess é imponente e bonito. Busca Frenética é uma bobagem, perfeitamente intitulada. E Lua de Fel um grande fracasso que teve difiuldade de ser lançado nos Estados Unidos. Polanski fez alguma atuação. Escreveu uma autobiografia. Casou com Emannuelle Seigner. A atriz bela, mas vítrea de Busca Frenética e Lua de Fel. Parecia cada vez menos provável que fosse abandonar Paris - ou que alguém se importaria se o fizesse.
A violência nos filmes de Polanski não é algo especialmente proeminente; ela raramente irrompe com a força conseguida por Peckinpah, Arthur Penn, Füller ou Losey. Muito mais característica é a alienação e a hostilidade subjacentes: a sensação de que as pessoas estão excluídas, não apoiadas por qualquer visão partilhada de vida e de sociedade. Desta solidão, a mudança rumo a atos de violência é furtiva. Portanto, Armadilha do Destino é uma mistura de Beckett e sátira social inglesa. Esconder, com inquietação, uma situação cheia de ameaças. O casal, vivendo na bizarra casa de Holy Island é casado, mas tão incompatível quanto Donald Pleasence e Françoise Dorléac. Eles podem estar juntos para simplesmente serem selvagens um com o outro. Enquanto Lionel Stander, que os invade sem ajuda, é um refugiado dos thrillers dos anos 40. O humor negro do filme nunca facilita a ameaça. Foi o senso psicótico de decadência que levou a uma pressão mental muito pesada sobre Catherine Deneauve em um apartamento de South Kensington em Repulsa ao Sexo, e que justificava seu sentimento que o mundo era tão demente, que ela precisava começar a destruí-lo.
Armadilha do Destino oferecia uma sorte de local remoto que apresentava o quão distante Polanski põe as pessoas em seus extremos. De forma semelhante, as superfícies e decoração do apartamento de Kensington são os sinais extremos da loucura de Deneauve: a frágil loura levada ao temor do massacre por sua sensibilidade distorcida.
Quando ele tinha três anos, os Polanskis viviam em Cracóvia. Ambos os pais foram enviados aos campos de concentração; a mãe morreu em Auschwitz. Depois da guerra, foi para a escola de arte, e em 1955 para a Escola de Cinema de Lodz. Dois Homens e um Guarda-Roupa, realizado como projeto escolar, atraiu considerável atenção internacional por sua visão do absurdo puxada para baixo. Ele propôs o roteiro de Faca na Água, mas foi rejeitado. Foi à França e retornou somente em 1962 para realizar seu primeiro longa, um estudo acadêmico sobre a tensão sexual e de personalidades ferozmente contrastantes. Apresentou o que Kenneth Tynan chamou do interesse de Polanski por pessoas que podem se impor as outras. Le Gros et le Maigre, é uma relação de servo e mestre, um pouco como End Game (**), mas claramente da própria perspectiva de Polanski. Em Repulsa ao Sexo, Catherine Deneauve é tão imposta, que ela somente pode se reafirmar através de um assassinato. Armadilha do Destino é um beco sem saída, com jogo de poder sutil, mas louco. O Bebê de Rosemary, o filme que Polanski realizou em Nova York para a Paramount, é sobre a ressonância da maldade. Macbeth, também, é uma história imposta pelo sobrenatural, pela expressão exterior de suas próprias esperanças, e por sua esposa.
Posto nestes termos, o universo de Polanski soa raro e repetitivo. O que se amplifica é o seu senso de humor, a ausência de autopiedade, e a curiosidade que retém pelo comportamento humano. Apesar de todas as provações, seus filmes tem um interesse alegre na bizarrice e uma disposição cinematográfica para lhes proporcionar um jogo completo. Ele usa longas e simples tomadas para encorajar os atores e para envolve-los totalmente para conquistar momentos extraordinários. Não há melhor teste de abordagem que a cena da praia em Armadilha do Destino, todos em uma tomada, com Pleasence e Stander engajados em lúgubre confissão mútua, sem entenderem um ao outro, enquanto a pálida figura nua de Dorléac vai nadar distante e um inexplicável avião zumbe sobre suas cabeças.
Que Chinatown seja tão conhecedor de Los Angeles (e dos Estados Unidos) deve um bocado a Robert Towne. O roteiro foi seu, e enriquecido pela vida no sul da Califórnia e pela pesquisa incomum. Mais que isso, o projeto havia sido concebido por Jack Nicholson como Jake Gittes, e para Robert Evans como produtor. Polanski chegou à mesa depois. Ele guerreou com Faye Dunaway, e desafiou o que ele tomou como suavidade na conclusão de Towne. Foi a experiência de Polanski e sua perícia narrativa que insistiam em afirmar o poder de Noah Cross e em ter Evelyn Mulwray assassinada, com Gittes deixado destituído de poder. Certamente esta decisão foi vital, e talvez isso exigisse o nível de apreciação de Polanski do que a maldade poderia fazer.
Isto é o que torna Chinatown um grande filme, assim como um grande espetáculo. Polanski está em toda parte do filme, ganancioso por detalhes, socando o nariz de Nicholson, instando o Cross de John Huston para ser heroico e expansivo, assediando Evelyn e obtendo o olhar e o sentimento justo certo. Anos depois, a dita continuação, The Two Jakes [A Chave do Enigma], celebra Polanski através de sua ausência. Então, era fatalmetne parisiense.
O Inquilino contem o melhor e o pior de Polanski. Começa com uma situação grávida de desconforto: o espaço preciso e claustrofóbico e um herói nervoso ansiando por ser vitimizado. Polanski interpreta o papel e nos apresenta o quão longe a face de lobo tímido é uma imagem de culpa, sabedor que seu destino será terrível. Mas a promessa explode em exagero e o ambiente se transforma em gabinete do grand guignol. No final, é ridículo, e evidência que Polanski perdeu a mão, sempre que perde aquele ritmo furtivo do medo cômico.
Uma vez em certo momento parecia impossível que Polanski estagnasse. No entanto, aconteceu. A Morte e a Donzela e O Último Portal não parecem pertencer a ele, enquanto outrora, parecera pôr seu selo em qualquer coisa, em tudo. Esta liberdade não o enriqueceu. Não há uma conversa sobre o retorno à América; e nenhuma sugestão de que a música não deva ser enfrentada. Em Paris, Polanski parecia desconsolado, um girador de polegares. E enquanto o tempo passava, o humor para seus melhores filmes é quase esquecido.
O Pianista foi um triunfante retorno. Vencedor em Cannes, foi julgado antiquado. Mas nos Oscars, pareceu clássico e incomumente pessoal. O prêmio de melhor diretor foi uma surpresa - mas não persuadiu Polanski a aparecer.
No entanto...
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2018, pp. 2086-90.
(*) Romance lançado em 1965, e adaptado para o cinema em 2019 por Václav Marhoul, numa produção da República tcheca, Eslováquia e Ucrânia. O autor nasceu no mesmo ano e cidade de Polanski e foi próximo dele, alegando ter escapado acidentalmente de ter sido morto, juntamente com sua então companheira, no massacre de Cielo Drive por conta de problemas com sua bagagem. Polanski negaria o episódio em sua autobiografia. Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Jerzy_Kosi%C5%84ski
(**) N. do E: na verdade, Endgame, peça escrita por Samuel Beckett, em 1957.

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