O Dicionário Biográfico de Cinema#117: Warren Beatty

 

Warren Beatty (Harry Warren Beatty), n. Richmond, Virgínia, 1937

1978: Heaven Can Wait [O Céu Pode Esperar]. 1981: Reds. 1990: Dick Tracy. 1998: Bulworth [Politicamente Incorreto]. 2010: Dick Tracy Special.

O premiado filho de pais prósperos - profissionais com fortes instintos criativos - Beatty é também o irmão mais jovem de Shirley MacLaine. (Se ele aparenta, de vários modos, ser muito diferente dela, isso não somente prova a força da influência dela, como a grande dor de se parecer com sua própria mestra). Tendo crescido próximo a Washington, Beatty ficou um ano no nordeste, antes de optar por Nova York e pelo entretenimento. Fez alguns dramas para a TV (interpretou Milton Armitage em The Many Loves of Debbie Gills em 1959-60), e teve o principal papel no palco em A Loss of Roses, de William Inge. Nunca mais atuaria nos palcos.

Então, como uma descoberta de Elia Kazan, seguia os passos de Brando e Dean, em sua estreia como personagem principal em Splendor in the Grass [Clamor do Sexo]. Foi sexual, cerebral, problemático, um pouco retraído. Possuía uma beleza inquestionável e uma lenda inicial de ser um encantador de co-estrelas, e qualquer outra mulher que encontrasse. Mas como ator, Beatty não foi aberto ou generoso. Parecia relutante em entregar-se, e desde muito cedo teve muita mais fama e atenção crítica que amor do público. Mas, desde o início, foi considerado muito inteligente ou muito difícil: às vezes, seu próprio olhar perplexo parecia atormentado pela mesma pergunta. 

Esteve muito bem como um gigolô para Vivien Leigh em The Roman Spring of Mrs. Stone [Em Roma, na Primavera] (61, José Quintero). Mas parecia dividido entre interpretar rapazes indiferentes e nocivos, ou envolver-se em empreitadas leves. Foi o falso herói e irmão desagradável em All Fall Down [O Anjo Violento] (62, John Frankenheimer), e esteve excelente como o enfermeiro que se arrisca a ter seu próprio colapso, ao se apaixonar por Lillith (63, Robert Rossen). Mickey One (65, Arthur Penn) é um filme verdadeiramente pretensioso, mas ainda assim parece notável que o jovem ator o tenha feito, e Beatty é brilhante como o paranóico artista de boate. Por outro lado, esteve em Promise Her Anything [A Deliciosa Viuvinha] (66, Arthur Hiller) e Kaleidoscope [Caleidóscopio] (66, Jack Smight), projetos sem grande destaque em 1966, para não falar da eternidade.

Beatty era uma figura das telas, mas ainda não popular. Então, em 1967, tomou para si a responsabilidade, o controle e a idade, ao estrelar e produzir Bonnie & Clyde (67, Penn). Sua performance foi tão notável em sua mescla de boas aparências e ser coxo, de assertividade e timidez, e desse fatalismo convincentemente juvenil que fala "a vida não é o máximo?", enquanto reconta como atirou em seus próprios pés, um dia antes de saber que seria solto da prisão. Mais que tudo, conquistou o público e proporcionou ao filme se tornar um sucesso através de sua atuação. No entanto, sua contribuição foi ainda maior como produtor, que havia comprado o roteiro, contratado Penn, reunido o elenco, ordenado as reescritas, e então insistido no bastante surpreendente filme, enquanto expressão-chave da sensibilidade do final dos anos 60. Poucos filmes foram melhor produzidos. O que nos ajuda a ver porque Beatty não foi somente compremetido a meramente atuar ou parecer bonito.

Mas não avançou decisivamente - como se alguma lassidão ou inquietação da vida de produção, ou de direção de um estúdio se apossasse dele. Suas interpretações se tornaram estranhas e mais distraídas: The Only Game in Town [Jogo de Paixões] (69, George Stevens) e $ [Ladrão que Rouba Ladrão (71, Richard Brooks). Mas o projeto certo podia capturar seu interesse: ele nunca havia sido melhor ator que como o produtor de fronteira temperamental, auto-iludido e pondo a si próprio numa fria em McCabe and Mrs. Miller [Onde os Homens São Homens] (71, Robert Altman). Esteve bom novamente como um sombriamente assustador jornalista investigativo em The Parallax View [A Trama], um filme muito amedrontador para o conforto do público.

Então, produziu novamente: Shampoo (75, Hal Ashby), uma comédia difícil sobre amor e sexo, cabelereiro e política, ambientada em Los Angeles. Beatty escreveu o roteiro, com seu amigo Robert Towne, e dominou o filme no qual também é visto interpretando um lado de si - o Don Juan (Beatty havia sido vinculado então há muitas mulheres, incluindo Joan Collins, Natalie Wood, Leslie Caron e Julie Christie - alguns dizem que ajudou suas carreiras, outros que foi sempre competitivo. 

Houve então um intervalo de três anos antes de O Céu Pode Esperar (78), que escreveu com Elaine May, e dirigiu com Buck Henry - como poderia um golpe tão fácil suportar tantos talentos? O filme hoje parece como o menos interessante projeto maior de um homem determinado a ser significativo. Após outro intervalo de três anos Beatty entregou Reds, a vida de John Reed, com cenas da Revolução Internacional. Dirigiu a si próprio, assim como interpretou Reed, e conseguiu uma atuação estupenda do seu amor da época, Diane Keaton, como Louise Bryant. Na primeira metade de Reds há um equilibrio agitado de história de amor e da humanidade - equilíbrio que escorrega na segunda parte. O filme nunca foi bem o suficiente, mas Beatty ganhou um Oscar de direção, e seu uso de testemunhos reais, fez uma mistura bastante intrigante de melodrama e história. Reds é ainda um filme fascinante, com passagens grandiosas - mas nunca parece a obra de um marxista. 

Beatty pode ter se cansado; no entanto, merecia a reputação de incansável. Sejam quais forem as razões, aguardou seis anos para fazer...Ishtar (87, Elaine May), uma loucura e hoje uma lenda de extravagância. E é algo como um mistério sobre o que Beatty estava fazendo em meados dos anos 80. Foi o cansaço ou a prontidão a voltar à política? (Esteve bastante envolvido com Gary Hart, assim como havia trabalhado para McGovern em 1972). Era uma vida de mulheres e de telefonemas? Foi produtor-executivo (mesmo que não tenha tido crédito) em The Pick-Up Artist [O Rei da Paquera] (87), que reuniu protegidos improváveis - a atriz Molly Ringwald e o diretor-roteirista James Toback. 

Dick Tracy (90) pode ter sido um dos filmes mais promovidos jamais feitos. Para além disso, não muito pode ser dito, exceto em louvor do desenho de produção das histórias em quadrinhos. Tracy trazia a última das mulheres na vida de Beatty, Madonna, e seu documentário, Truth or Dare [Na Cama com Madonna] (91, Alek Keshishian), possui vislumbres exóticos de Beatty como um homem que aparenta tentar escapar de uma história de Borges. 

Encontrou liberdade, e uma esposa (ao menos) em Bugsy (91, Barry Levinson), uma antiquada peça de nostalgia gangster, escrito por Toback e co-estrelado por Annette Benning, que se tornaria Sra. Beatty e mãe de suas crianças. Bugsy é inteligente, no seu melhor quando engraçado, mas desamparadamente comprometido com a fantasia de que ser (ou agir como) um gangster deve ser divertido e glamoroso. A despeito de seus valorosos esforços, Beatty, o ator, nunca me persuadiu de que sabia como perder o controle, muito menos se tornar psicótico. Controle é sua questão, talvez sua maldição. E agora possui uma filha, a feiticeira final, talvez, para o grande sedutor. Será um veterano pela época que ela atingir a maioridade. 

Em 1994, tendo demorado muito tempo sobre ele, produziu e atuou em Love Affair [Segredos do Coração] (Glenn Gordon Caron). Annette Benning foi sua co-estrela novamente. E estavam grávidos outra vez.  

O filme não era, e sugeria que não havia necessidade de um verdadeiro amor ser traduzido para as telas. Beatty era um ocupado pai agora, uma figura vaga ainda nos círculos do Partido Democrata e um ganhador surpreendente do Prêmio Irving Thalberg. Seu filme seguinte foi Politicamente Incorreto, uma bastante vívida e empreendedora sátira política (até mais ou menos sua metade) e em seguida um sinal mais triste da diminuição da energia de Beatty. Ainda assim, nos áridos anos 90, Politicamente Incorreto foi uma verdadeira façanha. Enquanto Town & Country [Ricos, Bonitos e Infiéis] foi uma farsa.

Em 2010, Peter Biskind publicou uma biografia de 600 páginas sobre o homem, e uma verdade cinzenta foi revelada - poucas pessoas conheceram quem ele foi.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York, Alfred A. Knopf, 2014, pp. 197-200. 

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