O Dicionário Biográfico de Cinema#37: Arthur Penn

Arthur Penn (27 de Setembro de 1922) | Artista | Filmow

Arthur Penn n. Philadelphia, 1922-2010

1958: The Left-Handed Gun [Um de Nós Morrerá]. 1962: The Miracle Worker [O Milagre de Anne Sullivan]. 1965: Mickey One. 1966: The Chase [Caçada Humana]. 1967: Bonnie and Clyde [Bonnie & Clyde: Uma Rajada de Balas]. 1969: Alice's Restaurant [Deixem-nos Viver]. 1970: Little Big Man [O Pequeno Grande Homem]. 1973: "The Highest", episódio de Visions of Eight (d). 1975: Night Moves [Um Lance no Escuro]. 1976: The Missouri Breaks [Duelo de Gigantes]. 1981: Four Friends [Amigos para Sempre]. 1985: Target [O Alvo da Morte]. 1987: Dead of Winter [Morte no Inverno]. 1989: Penn and Teller Get Killed [Perseguidos por Acaso]. 1993: The Portrait [O Retrato] (TV). 1996:  Inside [O Preço da Liberdade] (TV).

O que aconteceu com Arthur Penn? Nos últimos vinte anos ele tem sido próximo de uma não eixstência. Nos quinze anos antes disso, foi um dos melhores diretores da América, e o realizador com o senso mais agudo do que o público sonhava ou temia. Podia um talento e instinto como esse evanescer? Um realizador se cansa de se provar? Foi Penn mais confiante em suas colaborações que percebi?

No final dos anos 70 eu disse que havia uma perfeição cultivada em sua obra que cheirava ao limite. O cinema é limitado por sentidos empáticos e exclusivos e sempre encorajado por estilos divergentes e sugestivos. E é contraditório que  um diretor tão compromissado com a espontaneidade e a imediaticidade física pareça estar lutando por uma retidão solitária. Em Penn, a meticulosidade é algumas vezes estranha à vitalidade. Os melhores filmes de Nicholas Ray apresentam como a violência pode ser intrínseca, não ilustrada pela forma, mas encarnando-a, ao ponto de toda a forma e imagem de In a Lonely Place [No Silência da Noite] e Rebel Without a Cause [Juventude Transviada] parecerem vibrantes e com risco. No caso de Penn, e isso é premeditado. há uma bela significação da violência e a abordagem minuciosamente esquemática para ela, que algumas vezes choca.

Um de Nós Morrerá, Caçada Humana, Bonnie & Clyde e O Pequeno Grande Homem são comentários sobre o conflito entre justiça e violência na América e sobre a desilusão com o governo corrupto, desarmonia racial e a máquina militar.  Ainda não está plenamente apreciado quão atrativo Bonnie & Clyde levou o espectador rumo ao niilismo político e social. Assim como Penn apresenta Billy the Kid e Helen Keller como forças de vida dinâmicas, inábeis para lidar com o mundo traiçoeiro e grosseiro, também o vínculo em Bonnie & Clyde entre satisfação sexual e proscrição é explícito. O rolo compressor de morte dos personagens principais é sua paixão final, uma desistência de toda esperança de ordem social ou justiça. O mundo ao redor de Bonnie e Clyde é incessantemente hostil, e Penn descreve-o com animosidade recíproca. As mesmas assombrações agouram Caçada Humana, onde uma pequena cidade que se prova indigna de um nobre xerife, é vista como terreno fértil de espasmos da violência no qual Jack Ruby atirou contra Lee Oswald em uma delegacia de polícia. Essa comparação, como o uso orgasmático da câmera lenta ao final de Bonnie & Clyde, é tão calculada quanto a forma em que em Pequeno Grande Homem os índios se chamam de "seres humanos" e o massacre da família de Jack Crabbe se assemelha ao de My Lai.

No papel, tais artifícios somente parecem provar os tiques esquemáticos do estilo de Penn. O que geralmente transcende tais objeções é a forma que fixa sobre as pessoas e o modo que falam, movem-se, escutam e respiram. Em termos de trabalho de câmera, os filmes de Penn são comedidos. A impressão de experiência sensual vem principalmente da simpatia que possui com os atores e da responsabilidade que lhes dá. Muito ao modo de Kazan, Penn resgata suas próprias atitudes empáticas voando com seu atores.

E por isso é relevante que tenha vindo da TV e do teatro. Depois de ter servido na guerra, estudou no Actors Studio com Michael Chekov, em Los Angeles. Por volta de 1951, estava na TV como gerente de produção e dramaturgo. Escreveu três peças antes de se tornar diretor. Sua obra na TV inclui O Milagre de Anne Sullivan, que depois produziria na Broadway, com Anne Bancroft e Patty Duke. Suas produções teatrais também incluíram Two for the Sea-Saw [Dois na Gangorra], Toys in the Attic, All the Way Home e Wait Until Dark [Um Clarão nas Trevas].

Seu primeiro filme, realizado para os Warners, majoritariamente contra os ímpetos da ortodoxia do estúdio, foi de uma peça de Gore Vidal, escrita  por Leslie Stevens. Sua substituição de uma juventude americana moderna pelo mítico Billy the Kid é grandemente devida a interpretação ambiciosa de Paul Newman e a clara história de caso psicológico do roteiro. Como muitos dos filmes de Penn, é uma alegoria clínica fantasiada em roupas de época. Também prosperou nas restrições que Penn sentiu nos Warners. E é tão visualmente inventivo que as deliberações raramente são notadas. Há uma captura da psicologia na imagem - Billy planejando um assassinato em uma janela vaporosa - numa progressão trágica bastante comovente e momentos específicos de grande tensão.

A distância antes da estreia de O Milagre de Anne Sullivan pode ser um reflexo dos problemas que Um de Nós Morrerá teve com o grande público e a decisão de Penn de esperar até que um filme pudesse ser feito de um tema escrito por ele próprio. Mais digno de crédito que isso é o filme parecer frequentemente próximo do improviso. Fazendo uso de planos muito longos, Penn conquistou um envolvimento com o público na confrontação emocional da professora com a criança, que é física e moralmente exaustiva. O sentimentalismo que reside na espera é evitado com a insistência que Annie e Helen são criaturas teimosas e autocentradas, uma com uma mensagem de civilização, a outra uma selvagem. E isso é crucial para o desenvolvimento de  Penn que a educação de Helen seja não apenas profundamente comovente, quando ocorre, mas também um despertar de que uma solidão natural se perdeu. A educação é justificada, mas não louvada, porque vemos o quanto do ensino de Annie ajuda a curar suas próprias feridas emocionais. Como os marginais presos no imundo carro de Caçada Implacável, Annie e Helen se unem por seus fracassos. O romantismo de Penn é evidente no tratamento de Helen como uma nobre selvagem reprimida pela cultura. Em um segundo nível, O Milagre de Anne Sullivan é também o estudo de uma sufocante família sulista. Os dois níveis se conectam ao final para a batalha da sala de jantar - "a sala se encontra em ruínas, mas o guardanapo está dobrado."

Mickey One foi uma viagem determinada ao existencialismo europeu, mas também um intrigante comentário sobre uma América atormentada pela conspiração. Foi feito logo após Penn ser demitido de The Train [O Trem], por Burt Lancaster, e seu tratamento kafkiano de um paranoico Warren Beatty sobre "a organização" demonstra a consternação reflexiva de Penn sobre a América moderna, temerosa de ameaças e esperando em vão por uma palavra do Senhor. Isso o leva para Caçada Implacável mais prontamente do que se poderia esperar. Uma vez que o xerife tenha pedido demissão, a arena é deixada para os foras-da-lei e cidadãos depravados.

Alguns críticos tem ressaltado no modo que os roteiristas David Newman e Robert Benton voltaram-se a Penn somente após Truffaut e Godard terem sido incapazes de realizar Bonnie & Clyde, como se ressaltassem o tragicômico do roteiro. E é mais importante que Warren Beatty tenha se apossado do projeto e chamado Penn para dirigi-lo. Como com Paul Newman, Duke e Bancroft, Penn magnetizou Beatty e Faye Dunaway. A ideia dessa nobreza seria insustentável senão por sua vitalidade cinemática: Clyde tímido e coxo; a pele reluzente de Bonnie. Ao fotografar o vivo e o morto nas pessoas, Penn possui pouco equivalentes. Uma vez mais ele conseguiu extrair mais de um intérprete que o habitual: não somente Beatty e Dunaway, mas John Dehner, Hurd Hatfield, Victor Jory, Janice Rule, a insalubre galeria de Caçada Implacável, Gene Hackman, Gene Wilder e Michael J. Pollard.

Deixem-nos Viver é o mais casual e talvez o mais frutífero de seus filmes para seu próprio futuro. Seu formato de balada é uma coisa única e singular, e seu uso direto de fato e ficção é estranho ao gosto de Penn pela alegoria. Mas por ser aberto à improvisação, e à sombra do divertido Arlo Guthrie, a inteligência formal de Penn está de volta. O Pequeno Grande Homem conclui sua grande obra; ele remonta à destruição, a resignação, e dificilmente pode possibilitar avanços. Sua perfeição é a de um tema importante completamente processado. O que ativaria Penn então? Cerca de dez anos antes, Preminger correu atrás de grandes temas, e foi um domador desde então. Penn tem mais de 70 agora, e se pretende fazer mais filmes, sua busca por precisão e efeitos literais pode parecer desvantagem. Deixem-nos Viver oferece uma alternativa ao dilema, no uso bem sucedido da informalidade. Além do que, sugere um tema tocado em Mickey One, do artista "falando" para o mundo.

Um Lance no Escuro foi feito no pouco confiável rescaldo dos assassinatos e de Watergate, e tenta apresentar um fracasso pessoal no coração de um mal nacional mais amplo. Porém termina como um perplexo filme noir, mais confuso que perturbador, sua alegoria emaranhada em sua anedota. Duelo de Gigantes é de longe mais bem conseguido e maduro. Utilizando um esboço de western convencional, Penn investe em uma história peculiar e numa gangue de originais. E é seu filme mais relaxado e digressivo, com tempo para Tristam Shandy, cenários urgentes, uma garota idiossincrática, um debate corrente entre ordem e liberdade, e um Marlon Brando, que consegue fazer todas as excêntricas digressões críveis e pessoais.

Não voltaria atrás uma palavra do que escrevi acima. Porém devo acrescentar que os seis últimos filmes são como feitos por qualquer um (à parte o momento que James Leo Herlihy enlouquece em Amigos para Sempre). O que aconteceu? Os tempos mudaram. Penn parece ter perdido o contato com amigos vitais e os gostos do público. A lição é clara: autoria não é proteção - grandes diretores podem esfriar.

Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. Londres: Knopf, pp. 7581-7598.

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