Dicionário Histórico de Cinerma Sul-Americano#61: Venezuela
O cinema chegou na Venezuela, como em muitos países do mundo, não muito depois das primeiras exibições na França e nos Estados Unidos. O kinetoscópio de Edison foi exibido, em Maracaibo, em janeiro de 1897, e no mesmo ano (e na mesma cidade), Manuel Trujillo Durán realizou dois filmes, Muchachos Bañandose en la Laguna de Maracaibo e Un Celebre Especialista Sacando Muelas Frente al Hotel Europa. O primeiro filme de ficção venezuelano, Carnaval en Caracas, foi dirigido por Augusto Gonzalez Vidal e M.A. Gonham, em 1909, e o primeiro longa doméstico, La Dama de las Cayenas, uma paródia de Camille, foi feito por Enrique Zimmerman, em 1913. Dois rolos de material em nitrato de outro longa de Zimmerman, sobreviveram, Don Leandro el Inefable, aparentemente o mais velho filme de ficção sobrevivente venezuelano. Os documentários realizados para o governo ditatorial de Juan Vicente Gómez (1908-1935), a obra do pioneiro Edgar J. Anzola, e os filmes produzidos por Amabilis Cordero, no centro do país, nos anos 30, são os outros únicos filmes silenciosos venezuealnos a ter sobrevivido. À parte os dois filmes de Zimmerman acima mencionados, apenas doze longas foram realizados na Venezuela até 1939, e não seria antes de meados dos anos 70 que o país desenvolveria uma verdadeira indústria de cinema.
O final do século XIX na Venezuela foi pouco desenvolvido de todas as formas, e o governo de Gómez mudou pouco o panorama, ainda que a descoberta de petróleo durante o seu regime tenha permitido futuramente em termos de crescimento. Como muitos ditadores, Gómez foi profundamente preocupado com sua imagem, e de 1911 em diante, Zimmerman foi contratado para realizar filmes de propaganda para o presidente. Em 1927, os Laboratórios Nacionais foram fundados sob os auspícios do Ministério das Obras Públicas, para realizar documentários e cinejornais. Também realizaram os primeiros filmes domésticos sonoros, incluindo um teste de som com um técnico norte-americano falando inglês e um curta musical, La Venus de Nácar, dirigido por Efraín Gomez, o sobrinho do presidente, que sobreviveu.
Durante a transição para a democracia os Laboratórios Nacionais foram fechados, em 1937, e seu equipamento foi transferido para os Estudios Avila, fundados pelo célebre escritor Rómulo Gallegos. Com a chegada do filme sonoro, a produção de longas de língua hispânica foi dominada inicialmente pelos filmes norte-americanos (que frequentemente realizavam versões para o espanhol de seus filmes de sucesso) e, posteriormente, pela Argentina e o México. O único longa bem sucedido do período foi Juan de la Calle (1941), dirigido por Rafael Rivero, e produzido e escrito por Gallegos. Com sua abordagem séria da pobreza e delinquencia juvenil, Juan de la Calle iniciou a expectativa por um verdadeiro cinema nacional venezuelano, que dificilmente foi realizada até os dias de hoje.
Um que acreditou que o cinema nacional emergiria foi Luis Guillermo Villegas Blanco, nascido em Caracas, que iniciou sua própria companhia produtora, Bolívar Films, adquirindo equipamento dos Estudios Ávila. Após realizar curtas industriais e documentários e lançar uma série de cinejornais e um circuito exibidor, Villegas Blanco se aventurou ambiciosamente na produção de longas metragens, realizando um filme a cada ano, em 1944 e 45. Após viajar ao México e Argentina para contratar pessoal, afinal produziria nove longas nos anos 40 e 50, incluindo sua aventura mais bem sucedida, La Balandra Isabel Llegó esta Tarde [Bairro da Perdição] (1949), que foi um dos primeiros filmes latino-americanos a conquistar um prêmio em um festival renomado, para melhor fotografia (José María Beltrán), em Cannes. Nascido na Espanha, Beltrán se tornara um diretor de fotografia de destaque na Argentina e foi trazido de lá, juntamente com o diretor, Carlos Hugo Christensen, o diretor de arte, o sonoplasta e outros membros da equipe técnica e do elenco. Tanto o dialoguista quanto o roteirista, no entanto, foram notáveis escritores venezuelanos, Guillermo Meneses e Aquiles Nazoa, e o filme foi realizado nos Estudios Bolívar e em locações no porto de Guiara, nos arredores de Caracas e na Ilha Margarita. Apesar de Villegas Blanco ter morrido nos anos 60, sua companhia sobreviveu aos dias de hoje como um estúdio lucrativo que inclui pós-produção, arquivos e uma empresa de película virgem, tornando disponível seu noticiário, que circulou ininterrupto por 65 anos.
A segunda maior ditadura militar do século XX, sob o regime de Marcos Pérez Jiménez, encerrou-se em 1958, e um longo período de governança pacífica e democrática se seguiu. Coincidentemente duas estreia notáveis aconteceram neste ano, o documentário longo de Margot Benacerraf, Araya, que venceu um importante prêmio em Cannes, em 1959, e o primeiro longa de Román Chalbaud, Caín Adolescente. Levou um longo tempo para que a cultura cinematográfica venezuelana fosse estimulada pela chegada da democracia, mas os realizadores documentais se tornaram proeminentes no final dos anos 60. Guerrilhas esquerdistas estavam ativas na primeira metade da década no campo, enquanto as universidades se tornaram centros do pensamento "terceiro-mundista". Dois documentários em 16 mm e p&b realizados em 1967, La Ciudad Que Nos Ve, de Jesús Enrique Guedez e Pozo Muerto, de Carlos Rebolledo, exploravam pessoas marginalizadas em Caracas e a exploração de Petróleo por interesses estrangeiros, respectivamente.
Pouco após, um importante festival de cinema documental foi montado, em Mérida, em setembro de 1968 e o Centro do Cinema Documental se iniciou pela Universidad de Los Andes (ULA), na mesma cidade, em 1969, com Rebelledo tendo sido indicado como diretor. Realizadores de diversos cantos foram atraídos a produzir documentários para o centro, incluindo Jorge Sole (TV Venezuela) e Ugo Olive (Caracas Dos o Tres Cosas, 1969), enquanto o famoso pintor venezuelano Jacobo Borges, que sempre confrontou o subdesenvolvimento, também se envolveu na realização de cinema documentário, realizando Imagen de Caracas, em 1968, formando o grupo Cine Urgente, e ensinando cinema para a classe trabalhadora.
A fundação real de uma indústria de cinema de longa-metragem na Venezuela se deu com a formação da Asociasón Nacional de Autores Cinematograficos (ANAC), em 1969. Este grupo pressionou o governo, e após o sucesso de dois filmes, Cuando Quiero Llorar no Lloro, dirigido pelo mexicano Mauricio Walerstein, em 1973 e La Quema de Judas, de Chalbaud, em 1974, o apoio estatal aos filmes vezuelanos se iniciou. Entre 1975 e 1980, o Estado ajudou a financiar 29 longas-metragens. Em acréscimo, um sistema de cotas de telas foi introduzido, onde cada exibidor deveria apresentara ao menos 12 filmes do país por ano. Em 1982, o FONCINE (Fondo de Fomento Cinematográfico de Venezuela), um novo fundo nacional de cinema, passou a apoiar a produção de filmes venezuelanos "de qualidade", estimulando o realizador local após um ligeiro declínio ao final da década anterior.
Ainda que o pico de 1977 de 29 longas produzidos nunca mais tenha sido conquistado novamente, após a queda para quatro, em 1981, a produção cresceu para 9 em 1983, 15 em 1984 e 1985, e 16 em 1986. Estes foram grandes anos para o cinema venezuelano, mesmo com a moeda local, o bolívar, sofrendo forte desvalorização do dólar. A década foi marcada pela estreia de seis realizadoras, incluindo Solveig Hoogesteijn (Manoa, 1980), Matilda Vera (Por los Camiños Verdes, 1984), Fina Torres (Oriana, 1985) e Malena Roncayolo com um curta, Pacto de Sangre (1988), estrelado pela atriz venezuelana de maior renome, Hilda Vera.
No início dos anos 80, a produção de filmes em 16 mm (em sua maior parte documentários) continuou fortemente na ULA e um novo movimento de Super-8 experimental, liderado por Diego Rísquez e Carlos Castillo, foi tão bem sucedido que os festivais de cinema em Havana (Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, 1982) e Porto Rico (1983) exibiu suas obras. Os filmes venezuelanos também estavam bem nas bilheterias locais. Homicidio Culposo (1984), dirigido por César Bolívar, foi visto por mais de 1.3 milhões de espectadores, e em 1985 os 17 filmes nacionais lançados (somente 4% do total) arrebaranharam 17% das receitas das bilheterias! Mas 1989 foi um ano ruim para o país: com uma taxa de inflação de 80% e queda de 8% do PIB, instabilidade política e protestos em Caracas que deixaram 300 mortos. A produção permaneceu ligeiramente menor que uma dezena de filmes por ano, mas o lado positivo foi que o FONCINE abrigou um Fórum de Integração do Cinema Ibero-Americano, em novembro, para desenvolver uma produção unificada e estratégias de distribuição na região, assim como encorajar co-produções internacionais.
Um número de significativas co-produções internacionais foi efetivado nos primórdios dos anos 1990, incluindo Espanha, Cuba e o longa experimental sem diálogos do diretor mexicano Paul Leduc, Latino Bar (1991); com Argentina, Espanha, Cuba e Reino Unido, Golpes a Mi Puerta (1993), dirigido pelo documentarista argentino Alejandro Saderman; e com a Espanha, En Territorio Extranjero (1992), dirigido pelo venezuelano Jacobo Penzo, mas incomumente filmado em inglês. Latino Bar venceu o prêmio de fotografia no Festival de Cinema de Havana de 1991 (Joseph M. Civit), enquanto Golpes a Mi Puerta venceu três prêmios em Havana (1993), e o Prêmio de Melhor Atriz (para Verónica Oddó) no Festival de Cinema de Gramado (Brasil, 1994), mas talvez os filmes venezuelanos mais impressionantes da década foram o primeiro longa de Luis Alberto Lamata, Jericó (1991), que venceu o primeiro prêmio Grande Coral em Havana, e Disparen a Matar (1991), de Carlos Ozpurua, que venceu o Opera Prima, prêmio de Melhor Filme no mesmo festival.
A economia melhorou no governo do presidente Carlos Andrés Pérez, ainda que a produção de cinema não tenha se revigorado até 1992. Uma nova Lei Nacional de Cinema (Ante-Proyecto de Ley de Cinematográfia) foi elaborado e introduzido ao Congresso, em junho de 1991, mas de fato não se tornaria lei até 1993. O FONCINE foi bastante ativo este ano, quando o novo diretor Ildemaro Torres teve o orçamento anual crescido de 90 para 500 milhões de bolívares, e em 1994 o Centro Nacional Autónomo de Cinematográfia, CNAC, foi criado, permitindo que fosse dissolvido o FORCINE.
Uma nova Comissão de Cinema Venezuelano (CCV) foi criada dentro do CNAC, para encorajar investimentos e co-produções e promover a Venezuela como um local para produções de cinema estrangeiras. O orçamento do CNAC atingiu os 200 milhões de dólares em 1996. Em 1997, em Caracas, um fundo multilateral foi introduzido em um encontro de Autoridades de Cinema Ibero-Americanas. Com mais filmes venezuelanos sendo dependentes dos fundos do CNAC - La Primera Vez foi a única produção de 1997 a ser completamente financiada privadamente - uma cobertura entre sete a dez produções por ano foi sendo mantida e, em 1997, dos 120 longas-metragens lançados no país, nove foram venezuelanos.
O socialista Hugo Chavéz liderou um golpe contra o governo de Carlos Andrés Pérez (que havia se reelegido em 1988), mas havia sido perdoado em 1994, pelo novo presidente Rafael Caldera, e venceu a eleição em 1998. À parte o golpe de 2002, que brevemente o removeu do poder, o controverso Chávez tem permanecido no cargo desde que foi eleito para outro mandato, em 2006, e fundado um novo partido político, o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), em 2007. Um auto-proclamado bolivariano, Chávez se tornou desafiadoramente anti-capitalista, mesmo anti-neoliberal, e abertamente encoraja a integração social e econômica latino-americana.
Com o governo de Chávez inicalmente cortando as verbas federais para o CNAC, os realizadores foram forçados a buscar apoio financeiro alhures. O mais bem sucedido destes foi Elia Schneider, que recebeu financiamento da Espanha para Huelepega (1999), que findou 2000 como o sétimo filme do país, rendendo quase 1 milhão de dólares, um recorde local. O ano de 2005 marcou o início de uma virada, com a aprovação da Lei Cinematográfica Nacional, e dois filmes notavelmente bem sucedidos foram lançados, um nas bilheterias - Secuestro Express [Sequestro Relâmpago], dirigido por Jonathan Jakubowics - e um nos festivais de cinema internacionais: Punto y Raya (2004), de Schneider, que venceu 14 prêmios.
Em 2006, sob a nova lei, uma distribuidora nacional e uma casa produtora, Amazonia Filmes, foi fundada, e uma vila cinematográfica de quatro hectares (para filmagem e pós-produção), Villa del Cine, foi construída em Guarenas, nas cercanias de Caracas. Estas iniciativas não tiveram precedentes na história do país. Dito isto, em 2006 e 2007, 54 milhões de dólares foram investidos na indústria do cinema, por agências governamentais. Um resultado foi que mais de 15 longas ficcionais e 20 documentários foram lançados em 2008. Outro, é que até mesmo realizadores veteranos venezuelanos, tais como Rísquez com Francisco de Miranda (a primeira produção da Villa del Cine, 2006) e Zamorra: Tierra y Homens Libres, 2009), ainda realizam filmes, enquanto uma nova geração de novos realizadores tem emergido, tais como Alejandra Szeplaki com Día Naranja (2009), Haik Gazariàn com Venezzia (2009), e Marcel Rasquin com Hermano [Hermano - Uma Fábula Sobre Futebol] (2010). Também, outra diretora mulher, a nascida no Peru Marité Ugás, que havia co-dirigido seu primeiro filme, A la Media Noche y Media, com Mariana Rondón, apresentou El Chico Que Miente (2010), em Berlim e venceu o prêmio de Melhor Roteiro em Havana.
No front internacional, Danny Glover visitou a Villa del Cine em 2008, levando-o a lá trabalhar e co-produzir um filme sobre o guerreiro pela liberdade haitiana Toussant L'Ouverture, e em 2009 Oliver Stone revelou seu documentário de apoio à política esquerdista da América do Sul, South of the Border [Ao Sul da Fronteira], incluindo entrevistas com os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales (Bolívia) e Lula da Silva (Brasil). Por fim, uma brilhante minisérie de TV franco-alemã, Carlos (Carlos, o Chacal), foi realizada em 2010 sobre o terrorista nascido na Venezuela Ilích Ramírez Sánchez, por Olivier Assayas, estrelada pelo ator venezuelano Édgar Ramírez. VER TAMBÉM DE LA CERDA, CLEMENTE.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 586-91.
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