Filme do Dia: Lilith (1964), Robert Rossen

 


Lilith (EUA, 1964). Direção: Robert Rossen. Rot. Adaptado: Robert Rossen, a partir do romance de J.R. Salamanca. Fotografia: Eugen Schüfftan. Música: Kenyon Hopkins. Montagem: Aram Avakian. Dir. de arte: Richard Sylbert. Cenografia: Gene Callahan. Figurinos: Ruth Morley. Com: Warren Beatty, Jean Seberg, Peter Fonda, Kim Hunter, Anne Meacham, James Patterson, Jessica Walter, Gene Hackman.

Indo trabalhar em uma casa de repouso para pacientes psiquiátricos, o jovem Vincent Bruce (Beatty) se interessa particularmente pelo caso de uma interna, Lilith (Seberg), e a proximidade cada vez maior entre ambos faz com que se apaixone por ela. Enciumado, ele a surpreende em um contato íntimo com outra paciente, agredindo as duas. Logo Vincent perceberá que a aparente melhora de Lilith não a faz sair das limitações impostas por sua doença. E sua situação se tornará deplorável pouco tempo depois do episódio em que a sinceridade excessiva de Bruce provocou a morte de um paciente, Stephen (Fonda), apaixonado platonicamente por Lilith.

Se as teias de aranha já haviam servido como metáfora em outros filmes que se detém em personagens esquizofrênicos e aqui aparentemente também apontam nesse sentido nos créditos iniciais, onde se percebe algumas teias de ramificações truncadas, o nível de literalidade aqui é maior, como se pode perceber ao se escutar o discurso de um pesquisador-médico na instituição que afirma que vários tipos de animais também podem sofrer da doença e apresenta algumas teias de aranhas produzidas pelas mesmas. A representação dos pacientes psiquiátricos é bem mais sutil e menos caricata que a maior parte das presentes em filmes contemporâneos, como o interessante David e Lisa e, inclusive, que muitos filmes produzidos bem depois, sendo seu senso cinematográfico também mais agudo que o do filme  de Frank Perry, como cenas que acentuam o estranhamento de personagens menos pela expressão de um gestual ou de diálogos acalorados que pela proximidade excessiva da lente da câmera de seu rosto ou dos enquadramentos da imagem. Apresentada de forma menos esquemática, o filme lida a determinado momento com a dupla perspectiva e aproximação com o tema, com a voz imparcial, distanciada, segura e científica do pesquisador, vivido com galhardia e um timbre de voz completamente adequado para um certo senso discretamente esnobe e superior de Patterson e aquela emocional, de alguém que se encontra integralmente envolvido, todos os sentimentos (inclusive crescentemente um afeto de outra ordem) vivido por Beatty. O que não quer dizer que o filme se fixe nessa dualidade, mesmo ela se encontrando potencialmente subterrânea ao longo dele. Seu estilo não apenas prenuncia alguma das melhores cinematografias em p&b da segunda metade da década – sem os excessos de estilização, por exemplo, de À Sangue Frio – como sem chamar tanta atenção para si, a determinado momento, faz uso da antecipação do áudio de uma sequencia posterior, estratégia habitualmente creditada a ter sido utilizada pioneiramente pelo cinema americano de grande público somente com A Primeira Noite de um Homem, de três anos após. A explosão de sexualidade advinda da repressão, tema mais ou menos recorrente na época, como em Clamor do Sexo, com o mesmo Beatty, é aqui acrescida pela ousada referência lésbica, apresentada de forma relativamente franca para a época. Dito isso, deve-se salientar que o universo de Rossen é de longe menos extravagante ou sensacionalista que um de Robert Aldrich ou ao menos que tal extravagância ocorre de outra maneira, talvez se deixando seduzir demasiado pela história na qual se inspira, tal como Bruce por Lilith, incluindo momentos desnecessários como a digressão em que o primeiro visita uma ex-namorada agora casada. Destaque para a surpreendente cena de sedução erótica entre Seberg e um menino de seus dez anos apresentada com uma franqueza incomum antes ou depois pelo cinema de qualquer cinematografia. E também para a presença de jovens nomes que somente ganhariam destaque posteriormente como Peter Fonda, antes mesmo dos filmes que realizou para Corman e Gene Hackman, que somente voltaria a fazer filme de destaque graças a influência de Beatty (Bonnie&Clyde). E, por fim, para seu final estupendamente mais realista e menos romântico-catártico que o de David e Lisa, no qual não se joga a culpa da fantasia amorosa no outro, ainda mais sendo esse outro uma paciente psiquiátrica,  mas se compreende finalmente que o problema se encontra nele próprio. E, em decorrência, não é o mundo dos afetos que prevalece na dualidade antes posta. Tido como a produção mais marcantemente pessoal segundo Seberg de sua carreira, tal como observado em From the Journals of Jean Seberg.  Columbia Pictures Corp. 114 minutos.

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