O Dicionário Biográfico de Cinema#58: Marlon Brando
Marlon Brando (1924-2004), n. Omaha, Nebraska
Educado na Academia Militar de Shattuck e nas oficinas de drama da Nova Escola para Pesquisa Social de Nova York, Brando chegou ao cinema proveniente de uma carreira incerta na Broadway, que culminou em seu surpreendente Stanley Kowalski em A Streetcar Named Desire [Um Bonde Chamado Desejo] (1947). Nunca havia tido tal exibição de beleza masculina brutal e perigosa nos palcos americanos - sua influência pode ser sentida na fotografia de moda e nos esportes, bem como nas atuações. Mais que isso, Brando foi utilizado pelo diretor Elia Kazan para roubar uma parte da peça da visão de Tennessee Williams. Na sua estreia, Streetcar [Uma Rua Chamada Pecado] foi mais sobre Stanley e menos sobre Blanche do que nunca seria novamente.
Brando se estabeleceu para uma geração de americanos como um grande ator. Uma carreira como a de Olivier parecia em perspectiva. No entanto, Brando não mais retornaria aos palcos e até mesmo permitiu sua desilusão com os filmes; temos que sentir uma espécie de preguiça, ou uma ausência decisiva de ambição, comparado, digamos, com Olivier. Ou existe algo em Brando que achou fingir tanto ser prejudicial ou desonroso? Em seu afastamento, como em muito de seus melhores trabalhos, ele alterou a forma que pensamos de atuar.
Apesar de uma pessoa introspectiva, Brando foi inicalmente elencado no papel de homens desarticulados, insociáveis e frequentemente violentos: sua estreia como um paraplégico em The Men [Espíritos Indômitos] (50, Fred Zinnemann); o filme de Um Bonde (51, Elia Kazan); Viva Zapata! (52, Kazan); o herói desse estranhamente datado hino às motocicletas, The Wild One [O Selvagem] (53, Laslo Benedek); novamente, para Kazan, como o ex-pugilista de On the Waterfront [Sindicato de Ladrões], pelo qual ganhou um Oscar. Em todos esses papéis, Brando parecia disposto a imergir nos detalhes trôpegos e murmurantes da simplicidade massacrada. Era o método em ação, e poucos atores aplicaram tão conscientemente uma teoria aos seus filmes. Em termos populares, Brando se tornou sinônimo de uma rebelião balbuciada, e ele claramente reagiu contra este esteréotipo. Seguiu-se uma calculada tentativa de ampliar e iluminar o seu escopo. Um Antônio respeitável no Julius Ceaser [Júlio César] (53, Mankiewicz) foi seguido por um ricamente concebido, mas imperfeitamente transmitido, Napoleão em Desirée [Désirée, o Amor de Napoleão] (54, Henry Koster); por um agradável Sky Masterson em Guys and Dolls [Eles e Elas] (55, Mankiewicz), cantando anasaladamente e dançando como um boxeador; o okinawense em Teahouse of the August Moon [Casa de Chá no Luar de Agosto] (56, Daniel Mann); e um louro alemão em The Young Lions [Os Deuses Vencidos] (58, Edward Dmytryk).
Mesmo então, Brando parecia mais possuído de poder que realmente em controle dele. Muito frequentemente personificou personagens que tinha pensado, mais que descoberto eles em si próprio. Hoje, por exemplo, é dificilmente possível ser tocado por ele em Sindicato de Ladrões ao se perceber o vasto arsenal técnico que ele efetua. Houve uma tentativa maior de descobrir o Brando real no único filme que jamais dirigiria - One Eyed Jacks [A Face Oculta] (61), uma história lenta e confusa de vingança, sempre ameaçando algo significativo, o que apenas parecia confundir seu criador ainda mais. Atormentado publicamente pelo mundo e envolvido em política, Brando realizou somente mais quatro filmes significativos na próxima década - e a melhor adaptação para às telas de Tennessee Williams: The Fugitive Kind [Vidas em Fuga] (59, Sidney Lumet), na qual Brando é o herói-anjo caído; como o xerife, espancado pelo povo da cidade em The Chase [Caçada Humana], de Penn; altaneiramente original como o homossexual em Reflections in a Golden Eye [O Pecado de Todos Nós] (67, John Huston); e como o crescentemente desconcertado aristocrata inglês em Queimada! (68, Pontecorvo).
Por outro lado, esteve envolvido em grande quantidade de bobagens: Bedtime Story [Dois Farristas Irresistíveis] (64, Ralph Levy); The Saboteur [Morituri] (65, Bernhard Wicki); The Appaloosa [Sangue em Sonora] (66, Sidney J. Furie); Candy (68, Christian Marquand); The Night of the Following Day [A Noite do Dia Seguinte] (68, Hubert Cornfield); The Nightcomers [Os Que Chegam com a Noite] (71, Michael Winner); suportando cada plano em A Countess from Hong Kong [A Condessa de Hong Kong] (67, Charles Chaplin); e desesperadamente reinventando uma versão inglesa de Clark Gable em Mutiny on the Bounty [O Grande Motim] (62, Lewis Milestone).
A despeito de tantos filmes fracassados ou obstinados, Brando ainda inspirava total respeito e atenção. Mesmo que sua incerteza nunca lhe permitisse dominar o filme como um todo, era capaz de grandes momentos - como aquele de Caçada Humana quando observa os cavalos selvagens passarem por ele à noite - que desculpavam tudo. Então, no espaço de um ano, reafirmou seu grande talento, livrando-se da desordem de sua carreira no coração de um filme. The Godfather [O Poderoso Chefão] (71, Francis Ford Coppola), permitiu-lhe um exercício em uma grande personificação, como Don Corleone, o idoso líder da Máfia. Brando revelado na cuidadosa montagem de um velho, mesmo que desprezasse os limites do filme e de uma Hollywood que queria premia-lo por ele com o Oscar de melhor ator. O Poderoso Chefão foi sempre um filme retumbantemente seguro, ainda que tenha reestabelecido a confiança de Brando. Existia, por outro lado, grande risco em The Last Tango of Paris [O Último Tango em Paris] (72, Bernardo Bertolucci), um retrato descompromissado de uma crise de meia-idade, filme que deliberadamente bebeu na personalidade de Brando e que insistia numa participação sexual única de seus atores. É um tributo a incessante dignidade de Brando, que lutou por parecer uma pessoa real no filme, não ofuscado pela atratividade ou reputação. O Último Tango foi bem sucedido em diversos níveis, mas não menos como uma acurada e perturbadora apresentação do mais preocupado ator do cinema.
Ele estava menos ansioso para trabalhar agora, mas não havia perdido o seu poder de transformar um filme e carregar um projeto que precisava de ousadia criativa. Poderia The Missouri Breaks [Duelo de Gigantes] (76, Penn) ser um filme tão rico e estranho, tão aberto ao capricho e a digressão, tão Shandyano, sem Brando? Seu Robert E. Lee Clayton é um homem de muitas facetas, vozes e chapéus - o bloco de notas de um ator, mesmo - mas verdadeiramente assustador que acreditemos que pudesse fazer tudo a qualquer momento. Somente Brando poderia fazer um amor perfeito sem vergonha tão letal. Mas a marca de outros atores podereia ter trazido uma presença tão solene e equivocada a Superman [Superman: O Filme] (78, Richard Donner) e Apocalipse Now (79, Coppola) necessitava de Klaus Kinski ou Robert Duvall.
Nossa perda de Brando se tornou um lugar comum: ele sofreu tragédia pessoal e escândalo familiar; há uma entrevista absurda, meio exultante, com Connie Chung; e seu tamanho monstruoso e a necessidade intermitente de estar ausente, uma memória, apenas uma ideia. No entanto, de vez em quando, o capricho ou o dinheiro o trouxeram de volta, e nossa perda foi sublinhada. Foi desperdiçado em The Formula [A Fórmula] (80, John G. Avildsen); foi um excêntrico em A Dry White Season [Assassinato Sob Custódia] (89, Euzhan Palcy). Porém, repentinamente, era todo encanto e profissionalismo em The Freshman [Um Novato na Máfia] (90, Andrew Bergman), brincando com seu passado de Corleone e tão delicado quanto Dumbo numa pista de gelo.
Se o status de Brando decaiu ainda mais nos anos 90, muito tem a ver com sua mesquinha e acanhada autobiografia, Songs My Mother Taught Me [Canções que Minha Mãe me Ensinou], publicada em 1994, cheia de histórias torpes sobre vantagens roubadas. Expôs uma mente pequena em medonho contraste com seu avantajado corpo. Existem tão poucos filmes, mas são tão bizarros e casuais que apenas ressaltam a tragédia: como Torquemada em Christopher Columbus: The Discovery [Cristovão Colombo: A Aventura do Descobrimento] (92, John Glen); Don Juan de Marco (95, Jeremy Leven), que possui seus momentos de charme e diversão; The Island of Dr. Moreau [A Ilha do Dr. Moreau] (92, John Frankenheimer); e então dois filmes que não encontraram lançamento comercial nas salas - The Brave [O Bravo] (97, Johnny Depp) e Free Money [Loucos por Dinheiro] (98, Yves Simoneau). Em The Score [A Cartada Final] (01, Frank Oz) - com De Niro e Edward Norton - teve que permanecer a maior parte do tempo, suspirando entre as frases. Conhecemos o sentimento.
Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 308-12.
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